A profissão de advogado remonta há alguns milênios. Dela nos dá notícia a Bíblia, em diversas passagens, como em Mateus, quando Cristo falava por parábolas e um dos fariseus, doutor da lei, o interrogava, para experimentá-lo.
Mesmo anteriormente a Cristo, os talentos jurídicos já despontavam. Notável é a figura de Marco Túlio Cícero, o mais eloqüente dos oradores romanos, reconhecido pela habilidade de sua dialética. Defendeu os Sicilianos contra as exações de Vérrio. Combateu Catilina e fez condenar os seus cúmplices, o que lhe valeu o título de Pai da Pátria. Suas catilinárias seriam lembradas para sempre.
De lá para cá, embora os processos tenham se multiplicado, assim como os Escritórios e as Faculdades, muitos traços da profissão ainda são os mesmos.
O saudoso Prof. José Olympio de Castro Filho, indagado sobre como se forma o advogado, respondia: “(...) o que se exige na nossa profissão, para toda a vida, se resume numa só palavra: o estudo. Estudo permanente. Estudo todos os dias, todas as horas, todos os momentos. Tal estudo nunca haverá de se concluir, porque somente o néscio vaidoso pode achar que sabe, eis que quanto mais estuda, mais verifica o estudioso que quase nada sabe, muito ignora, e muito há que aprender”.
E prosseguia o mestre – advogado por excelência: “Daí porque só consegue se tornar advogado quem tiver perseverança, tenacidade, determinação. As dificuldades serão imensas, não só as que a vastíssima ciência jurídica impõe, mas, sobretudo, as que o próprio exercício da profissão acarreta. É que lida o advogado, todos os dias, com um conflito de interesses, em que se encontra presente toda a gama pura e impura dos sentimentos e instintos humanos (...) O clima de sua vida é a luta, como reiteradamente tem sido salientado, e nesta luta, que pode ser épica ou se esconder na mesmice do quotidiano, as armas com que ataca ou defende não as receberá de ninguém, somente podendo forjá-las na sua própria personalidade. Entre elas, uma existe, referida em primeiro lugar no juramento do advogado, sem a qual ninguém será advogado, nem valerá a pena lutar: a honestidade”.
Carvalho Neto, em seu relato Advogados – Como vivemos, como aprendemos, como sofremos, acrescentava: “Advogado, se de verdade o for, não tem outro terreno onde lavrar, outra fonte onde beber, outra sombra onde repousar, senão os livros, sempre os livros”.
No mesmo sentido dizia Henri Robert, em sua clássica obra O advogado, em fins do Século XIX: “Sem tê-la visto de perto, é difícil imaginar o que pode ser atualmente a existência de um advogado atarefado. A ela se aplicaria com muita exatidão a expressão de Esopo: ‘É, ao mesmo tempo, a melhor e a pior das coisas’. A melhor, porque não há profissão mais bela nem mais apaixonante. A pior porque, apesar de todas as vantagens, não há servidão que lhe seja comparável. Não há existência mais fatigante que a do advogado, nem que mais monopolize o cérebro e o tempo de quem se dedica a ela”.
O Direito pode nos conduzir a carreiras distintas. Mas em todas elas a busca é a mesma, como advertiu Ruy Barbosa, em sua célebre Oração aos moços, na qualidade de paraninfo da turma de 1920, no Largo de São Francisco: “Na missão do advogado também se desenvolve uma espécie de magistratura. As duas se entrelaçam, diversas nas funções, mas idênticas no objeto e na resultante: a justiça. Com o advogado, justiça militante. Justiça imperante, no magistrado”.
Todo estudante do Direito, em algum momento, vive o dilema da escolha: que profissão devo abraçar: a advocacia, a magistratura, o Ministério Público? E aí surgem critérios esdrúxulos: qual delas é mais rendosa? Qual delas goza de mais prestígio?
Nesse momento, é preciso rememorar uma velha palavra, que não deveria jamais cair no esquecimento: vocação – que vem do latim vocatio ou vocare, ou seja: a ação de chamar, o chamado, o convite...
É preciso serenar o espírito para escutar esse chamado. Que profissão te chama?
Sem vocação, não há advogado que se enriqueça, nem magistrado que se faça seja respeitar.
É o que constatou o imperador romano e filósofo Marco Aurélio, quando perguntou ao Pretor da Grécia:
Sabes tu julgar? Aprendeste a ciência que exige teu emprego?
Responde o Pretor: Tenho a nomeação de César, que me basta.
Mas o filósofo redargüiu: E pode ela dar-te a jurisprudência que te falta, e se faz indispensável no exercício do teu cargo?
Portanto, o melhor critério para essa escolha está na Epístola de Paulo aos Coríntios, Cap.7, v. 20: “Cada um, na vocação em que foi chamado, nela permaneça”.
Por outro lado, a categoria sofre hoje com problemas que se acentuaram neste terceiro milênio, especialmente no Brasil. Com mais de mil Escolas de Direito em atividade, e milhares de bacharéis lançados no mercado a cada semestre, tem sido extremamente difícil manter a dignidade da profissão. Com o excesso da oferta de profissionais, os honorários e salários têm sido dramaticamente reduzidos, causando grandes frustrações.
Nesse contexto, a grande perspectiva de futuro para aquele que se inicia na carreira está em perceber que há segmentos da Advocacia que ainda apresentam muitas oportunidades. As empresas têm tido dificuldade em encontrar o Advogado que tenha visão geral do negócio e as ajude a tomar decisões. O perfil que o Século XXI tem exigido do Advogado é o de um estrategista, com visão ampla, que esteja apto a abordar não apenas aspectos jurídicos, mas também contábeis e negociais (especialmente finanças). Deve saber operar a calculadora HP com a mesma naturalidade com que manuseia os códigos. E deve ser capaz de explicar ao empresário ou investidor temas avançados como “os aspectos jurídicos do impairment”. Não é demais lembrar que frequentemente esse diálogo será travado em língua inglesa (diante da dificuldade de investidores estrangeiros compreenderem o ambiente de negócios do Brasil).
Enfim, o Advogado valorizado nestes novos tempos apresenta essa tripla feição: tendo cravado em seu espírito os valores já consagrados pelo passado, tem sua visão direcionada às mudanças do presente e às oportunidades do futuro.
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*Paulo Adyr Dias do Amaral é professor de Direito Tributário do IBMEC/MG.