Compliance é palavra da vez e carrega consigo a necessidade de conformação das empresas e prestadores de serviço aos novos tempos de transparência e lisura nas relações com os clientes e entes estatais no mercado.
Compliance advém de "comply”, que significa cumprir, seguir, referindo-se às normas de determinado setor de mercado.
Cada empresa tem seu conjunto de normas que submete a funcionários, parceiros e fornecedores, que devem "comply” com tal normativa. São regras de postura e comportamento diante de situações que possam macular ou tornar menos transparente as operações da empresa.
Há as normas por setor, que seguem a mesma lógica, atingindo um espectro mais amplo de empresas de um dado segmento.
No caso da advocacia, as normas deontológicas são de auto-regulamentação do setor e vêm na forma do Estatuto da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil e seu respectivo Código de Ética Profissional.
Como as empresas, mais e mais escritórios têm seu conjunto de normas éticas próprio, que não podem destoar do Código de Ética Profissional da OAB.
Esse regramento interno de cada escritório é determinante nas relações com clientes e fornecedores, delineando a conduta dos funcionários e sócios do escritório e esculpindo sua "face ética" a ser exibida no mercado de serviços jurídicos.
Maior que esse círculo de normas de cada escritório está o Código de Ética da OAB, que abarca todos os escritórios e profissionais que exercem a advocacia e lhes dá, enquanto classe, uma "face ética" junto ao mercado de serviços jurídicos, cujo contorno geral é o seguinte:
"O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, os quais se traduzem nos seguintes mandamentos: lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve à finalidade social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe.
Inspirado nesses postulados é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 33 e 54, V, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994," (grifei)
Nesse contexto é que se chama a atenção para a questão do conflito de interesses que se discute atualmente em relação ao novo Código de Ética Profissional da OAB.
É certo que existem escritórios que não têm em seu conjunto de normas interno a diretriz de não advogar para concorrente de cliente, enquanto outros adotam essa conduta, recusando em sua carteira clientes concorrentes.
Essa discussão é interessante, posto que há clientes corporativos que adotam a estratégia de contratar um pouco de serviço em cada um dos principais escritórios da praça, de modo a impedir que essas bancas advoguem contra si.
Por outro lado, essa ocorrência é pontual e não representa escusa de caráter geral capaz de autorizar moralmente a banca a atuar para concorrente de cliente seu.
Veja-se os artigos atinentes à matéria atualmente em vigor:
"Art. 17. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar em juízo clientes com interesses opostos.
Art. 18. Sobrevindo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento, optará o advogado por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo profissional.
Art. 65. As regras deste Código obrigam igualmente as sociedades de advogados e os estagiários, no que lhes forem aplicáveis."
Do artigo 17 infere-se claramente a atual vedação para que a mesma banca, ainda que com profissionais diversos, represente clientes com interesses antagônicos, ou seja, concorrentes.
Esta a sugestão de mudança do mesmo artigo, que passaria a vigorar com o novo Código de Ética Profissional da OAB:
"Art. 8º O advogado deve informar o cliente, de modo claro e inequívoco, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda. Deve, igualmente, denunciar, desde logo, a quem lhe solicite parecer ou patrocínio, qualquer circunstância que possa influir na resolução de submeter-lhe a consulta ou confiar-lhe a causa.” (grifei)
“Art. 19. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar, em juízo, clientes com interesses opostos."
A esse artigo 19 circula a sugestão de acrescer-se, ao final, o seguinte: "ao mesmo tempo no mesmo processo”, seguido do seguinte parágrafo único: "Parágrafo único: O impedimento que alcance um advogado não será necessariamente estendido aos demais advogados da sociedade de advogados que o advogado impedido integre.”
Então o artigo 19 passaria a ter a seguinte redação:
"Art. 19. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar, em juízo, clientes com interesses opostos.
Parágrafo único: O impedimento que alcance um advogado não será necessariamente estendido aos demais advogados da sociedade de advogados que o advogado impedido integre."
Com essas inserções teríamos o espírito ao artigo 8º completamente desvirtuado, bem como estaríamos dando um passo atrás na seriedade da postura dos advogados perante clientes e a sociedade, ao permitir claramente deixar a critério de cada banca aceitar, ou não, clientes concorrentes em sua carteira, para tanto bastando designar para cada um desses clientes um advogado diferente da mesma banca.
Tal postura estaria em conflito com o regramento geral imposto pelas regras de Compliance praticadas pelas empresas e no mercado em geral, que são uma tendência fruto do amadurecimento das relações empresariais e de serviços, que passam a fazer a diferenciação na oferta e tomada de bens e serviços não apenas pelo que efetivamente são, mas também pelo critério da postura ética dos respectivos fornecedores.
A permissão de que a normativa interna de cada escritório possa determinar sua postura ética no mercado não toca apenas a esta ou aquela banca, mas reflete na imagem de toda a classe profissional, que deixaria de ter uma postura certa e balizada, para dar lugar a uma postura optativa, na qual toda a classe perderia.
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Newton Silveira é Mestre em Direito Civil, Doutor em Direito Comercial e Professor Senior na pós-graduação da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados Advogados.