Como se sabe, ao STJ, por conta de sua posição/função na estrutura hierárquico organizacional do Poder Judiciário brasileiro, não é afeto o reexame de aspectos fáticos das controvérsias que lhes são submetidas à apreciação. A estrutura vertical do Poder Judiciário brasileiro foi organizada de modo a destinar às Cortes Superiores uma função que lhes é própria: dar uniformidade à aplicação do direito federal independentemente da tutela do direito subjetivo das partes. Não consistem essas Cortes, portanto, em terceira instância de revisão e tampouco as partes têm o direito subjetivo de obter a reapreciação da sua causa por elas1. É por isso que a tarefa de julgar os fatos da causa incumbe tão somente às instâncias ordinárias.
Daí o enunciado da súmula 7 do STJ, segundo o qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Em virtude da aplicação dessa Súmula, o Superior Tribunal de Justiça entende que a revisão do valor devido a título de honorários apenas se justifica quando irrisórios ou exorbitantes, dada a violação que isso implica aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Por conta do estabelecimento pelo Novo Código de Processo Civil de novos critérios legais específicos para a fixação do valor devido a título de honorários, no entanto, maior tende a ser o juízo positivo de admissibilidade a ser realizado pelo Tribunal para que sejam reformadas as decisões que fixem o valor dos honorários em desacordo com essa nova disciplina.
Casos que podem ensejar maior revisão pelo STJ, por exemplo, são os de fixação de honorários nas causas em que for parte a Fazenda Pública. De acordo com o art. 20, § 4º, do CPC de 1973, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública os honorários serão fixados pelo juiz por equidade a partir de parâmetros como o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para a prestação do serviço — todos requisitos fáticos e, portanto, insuscetíveis de revisão pelo STJ. É possível, logo, de acordo com a sistemática do CPC de 1973 a fixação de honorários sucumbenciais nas causas contra a Fazenda Pública em patamar inferior àquele previsto no §3º desse mesmo artigo2.
De há muito, aliás, venho sustentando a inconstitucionalidade desse dispositivo, por considerar que ele representa uma violação à garantia do tratamento igualitário das partes no processo3. Se por um lado, enquanto da vigência do CPC de 1973, não existe um patamar mínimo legal para os honorários sucumbenciais fixados nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, por outro lado, sagrando-se vencedora, a Fazenda Pública terá a sucumbência fixada entre o mínimo de dez por cento e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, consoante o disposto no art. 20, §3º, do Código. O legislador tratou, portanto, de impor um tratamento desigual a situações em que não há um grau de desigualdade justificável, qual seja, a qualidade da parte, no caso uma pessoa jurídica de direito público.
A fixação de honorários nos casos em que for vencida a Fazenda Pública deve ser equânime, por isso a sucumbência nesses casos não pode ser fixada segundo uma apreciação desigualitária, que impossibilite o completo ressarcimento da pessoa lesada pela Administração Pública, obrigada por ato omissivo ou comissivo desta a contratar os serviços profissionais de um advogado. Como observado por Chiovenda, a atuação da vontade concreta da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo valor se efetiva4. Caso contrário beneficia-se apenas um dos sujeitos parciais do processo e consagra-se um intolerável tratamento especial à Fazenda Pública5.
Não obstante as críticas no mesmo sentido desenvolvidas por grande parcela da doutrina quanto à inconstitucionalidade da não aplicação do patamar mínimo de 10% nas causas em que for vencida a Fazenda Pública6, fato é que na prática muitos juízes tem se valido dessa atribuição que lhes foi conferida para fixar quantias irrisórias a título de honorários se comparadas aos valores das condenações.
Em atenção a essa prática, portanto, o art. 85, §3º do Novo Código de Processo Civil estabeleceu em seus incisos limites máximos e mínimos que deverão ser observados pelo juiz quando da fixação dos honorários sucumbenciais nas causas em que for parte a Fazenda Pública7. Assim, por exemplo, os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação se este for de até duzentos salários mínimos. Já se o valor da condenação corresponder a quantia superior a duzentos salários mínimos e inferior a dois mil salários mínimos os honorários serão fixados entre o mínimo de oito e o máximo de dez por cento sobre o valor da condenação.
O importante, acima de tudo, é que referidos critérios são, por essência, exclusivamente técnico-jurídicos, o que possibilitará, portanto, o controle de sua aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça. Não poderá o STJ, em síntese, rever os requisitos fáticos — grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para a prestação do serviço —, que levaram o juiz a estabelecer o valor devido a título de honorários dentro da faixa estabelecida de acordo com o valor da condenação, mas sempre poderá ele rever a decisão que desrespeitar esses limites legais máximos e mínimos.
O mesmo também passará a ocorrer com os chamados honorários sucumbenciais recursais. Como se sabe, as mais severas críticas, formuladas pelos mais diversos setores da sociedade civil, ao funcionamento do Poder Judiciário brasileiro são direcionadas em regra ao seu sistema recursal. Imputa-se a ele, dentre outras, a responsabilidade pela não entrega da tutela jurisdicional em prazo considerado razoável pelos jurisdicionados.
A maior causa de desconfiança do cidadão em relação ao Poder Judiciário pode ser atribuída à longa espera para a obtenção de uma resposta definitiva. Essa, pelo menos, é a deficiência do Poder Judiciário mais facilmente aferível. Essa angustiante espera que é imposta nos dias de hoje a quem se submete ao Poder Judiciário em busca da solução de um determinado litígio é muito superior a qualquer intervalo de tempo que possa ser considerado razoável para a formação do convencimento judicial.
A respeito disso, na tentativa de oferecer uma resposta a essa legítima demanda social, o Novo Código de Processo Civil contém alguns dispositivos que se destinam a atuar em mais de uma frente e que são de fato aptos a combater, ainda que de forma modesta, esse problema da lentidão do Poder Judiciário, concretizando assim o direito constitucional à razoável duração do processo. Às partes o Novo Código impõe, por exemplo, a chamada "sucumbência recursal". Segundo o art. 85, §1º, do Novo Código "são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente".
O grande problema do sistema recursal brasileiro, considerado por muitos como um "vilão" para a efetividade do processo, não é o suposto número excessivo de recursos previstos, mas sim a sua utilização desarrazoada. Há de se ter sempre em mente, no entanto, que a Constituição Federal assegura a todos os litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, inc. LV). Desse modo, qualquer tentativa de simplificação do sistema recursal que propugne a simples supressão de recursos do sistema tende a ser eivada por um vício de constitucionalidade e, por consequência, tende a ensejar o maior emprego do mandado de segurança contra as decisões judiciais, o que é de todo indesejado.
Na prática, contudo, o que se verifica em demasia é que muitos dos recursos que chegam aos nossos Tribunais são desprovidos de fundamentação adequada e configuram em essência mero inconformismo da parte sucumbente. Considera-se não fundamentado o recurso que, a par da decisão judicial que visa a combater, limita-se a se insurgir contra literal disposição de lei ou orientação jurisprudencial consolidada, ainda que não sumulada, sem demonstrar os motivos que justifiquem a superação desse entendimento. Por certo tal abuso já poderia ser repelido nos dias de hoje com a aplicação do art. 17, inc. I, do Código de Processo Civil de 19738, mas este é um fenômeno que pouco se verifica na prática. Assim, com a entrada em vigor do Novo Código, e com a previsão desse novo encargo financeiro decorrente da instituição da sucumbência recursal, espera-se que o ato de recorrer decorra de uma escolha racional das partes e não seja mais uma tática para postergar a duração do processo.
Dispõe, com efeito, o art. 85, §11, do Novo Código de Processo Civil que "o tribunal, ao julgar recurso, de ofício ou a requerimento da parte, fixará nova verba honorária advocatícia, observando-se o disposto nos §§ 2º a 6º e o limite total de vinte e cinco por cento para a fase de conhecimento." A majoração dos honorários na fase recursal, assim, alcançará o objetivo inicialmente pretendido de limitar a insurgência infundada. Basta imaginar as hipóteses em que os honorários sucumbenciais estabelecidos na sentença já tenham sido fixados no patamar máximo de 20%. Nessa situação, não fosse possível a majoração dos honorários pelo Tribunal, nenhum impacto financeiro seria imposto ao recorrente habitual. Diante de uma causa extremamente complexa, o juiz pode, a título de ilustração, considerar que os honorários sucumbenciais devam ser fixados em vinte por cento do valor da condenação. Por conta da fase recursal, no entanto, o valor dos honorários devidos pode ser elevado até o limite de 25%.
Ao Superior Tribunal de Justiça, sem adentrar nos aspectos fáticos da causa, por certo, caberá, nesses casos, fiscalizar não só eventual desrespeito a esses limites, mas, em especial, assegurar que a majoração de honorários tenha sido efetivamente imposta pelos tribunais inferiores, sob pena de violação ao art. 85, §1, do Novo Código de Processo Civil. Essa é uma exigência da nova legislação que não pode ser ignorada. Somente assim, será dado o devido reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelos advogados durante a fase recursal, que, aliás, são tão ou mais complexos que as atividades exigidas durante a tramitação do processo em primeira instância, e ao mesmo tempo se evitará que o ato de recorrer se resuma a um mero ato de inconformismo.
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Referências
1 Na doutrina estrangeira, o autor que mais tem se dedicado ao estudo das funções das Cortes Superiores nos últimos anos é o Professor MICHELE TARUFFO. Dentre seus inúmeros trabalhos, são de consulta obrigatória para aqueles que pretendem se aprofundar no tema os ensaios contidos na obra Il vertice ambiguo. Saggi sulla Cassazione civile, Il Mulino, 1991. O esforço primevo, contudo, de sistematização das funções das cortes de sobreposição e dos impactos de suas decisões foi de PIERO CALAMANDREI, em obra de consulta obrigatória para todos aqueles que pretendem investigar de maneira profunda esse tema. Nesse sentido, confira-se, especialmente os textos contidos em: Opere Giuridiche, Napoli: Morano, 1965, vv. VI e VII.
2 Nesse sentido, confira-se o teor da seguinte decisão proferida pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça: “Vencida a Fazenda Pública, a verba honorária pode ser fixada em percentual inferior àquele mínimo indicado no § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, a teor do que dispõe o § 4º do citado artigo, porquanto o referido dispositivo processual não faz qualquer referência ao limite a que deve se restringir o julgador quando do arbitramento. O arbitramento dos honorários aquém do mínimo legal, na incidência da hipótese do § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil, não enseja apelo de cunho extraordinário, porquanto, consoante já decidiu o Excelso Pretório, ‘se o 'caput' do parág. 3º integrasse a determinação contida no parág. seguinte, isto é, se a condenação em honorários devesse ser fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, desnecessário seria o próprio parág. 4º, pois bastaria o parág., 3º para critério de incidência da verba em todos os casos’, e, demonstrado o caráter de excepcionalidade desse dispositivo processual civil, ‘se torna claro ante a leitura do Código é que este abriu exceções à regra geral dos honorários entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, exceções estas constantes do parágrafo 4º em questão’ (RE 82.133-SP, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, RJTJESP 41/101). Impende afirmar que, entre as exceções do § 4º do artigo 20 do Estatuto Processual Civil, o legislador ‘deu à Fazenda Pública um tratamento especial, porque ela não é um ente concreto, mas a própria comunidade, representada pelo governante que é o administrador e preposto’ e ‘jamais se apontou qualquer inconstitucionalidade nessa regra, que, visando preservar os interesses coletivos, tratou desigualmente pessoas desiguais, restando ao Juiz apenas a fixação consoante apreciação equitativa, atendidas as normas das letras a e c do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil" (RJTJESP 116/148). Embargos de divergência providos, a fim de que prevaleça o entendimento segundo o qual a verba honorária, quando vencida a Fazenda Pública, pode ser fixada em percentual inferior àquele mínimo indicado no § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, a teor do que dispõe o § 4º do retrocitado artigo” (EREsp n. 478491/DF, rel. Min. FRANCIULLI NETTO, j. em 22.9.2004, DJ 21.2.2005 p. 102).
3 PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, “Constituição e processo civil. Garantia do tratamento paritário das partes” in. Garantias constitucionais no processo civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, pp. 91-131, coordenação de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI.
4 Istituzioni di diritto processuale civile, Napoli: Jovene, 1936, n. 381, p. 515.
5 Com esse entendimento, CELSO AGRÍCOLA BARBI, Comentários ao Código de Processo Civil, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, n. 189, pp. 115-116.
6 Nesse mesmo sentido, confira-se a lição de BRUNO VASCONCELOS CARRILHO LOPES: “é inconstitucional a inclusão das causas em que ‘for vencida a Fazenda Pública’ entre as que não estão sujeitas aos limites do art. 20, §3º, por introduzir uma diferenciação de tratamento injustificável. Para Cahali parece legítimo esse privilégio, pois os interesses da Fazenda Pública confundir-se-iam com os da coletividade. Mas, ainda que, em desprezo às noções de interesse público primário e secundário, admita-se essa confusão, ela de modo algum autoriza uma diferenciação na disciplina do arbitramento dos honorários advocatícios. Se a Fazenda Pública atua em nome da coletividade e, nessa atuação, propõe demanda infundada ou torna necessária a propositura de demanda, ela deve responder por honorários como qualquer outra pessoa, e no valor que qualquer pessoa pagaria. A própria Fazenda Pública deve ser onerada em benefício da coletividade, não o advogado de seu adversário no processo”. (Honorários advocatícios no processo civil, São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 161-162)
7 Nesse sentido, confira-se: “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor (...) § 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até duzentos salários mínimos; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de duzentos salários mínimos até dois mil salários mínimos; III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de dois mil salários mínimos até vinte mil salários mínimos; IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de vinte mil salários mínimos até cem mil salários mínimos; V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de cem mil salários mínimos.”
8 Defende a aplicação do art. 17, inc. I, do Código de Processo Civil de 1973, aos casos de insurgência contra a orientação jurisprudencial consolidada sem a demonstração das razões que justificam sua superação, dentre outros, SAMUEL MEIRA BRASIL JR em sua tese de doutorado apresentada a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Precedentes vinculantes e jurisprudência dominante na solução das controvérsias, sob a orientação do Professor José Roberto dos Santos Bedaque.
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*Paulo Henrique dos Santos Lucon (Lucon Advogados) é Professor Doutor da Faculdade de Direito do Largo S. Francisco, Vice-Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Integrou a Comissão Especial do Novo CPC na Câmara dos Deputados.