Devolveram o ômega, mas roubaram a Constituição
Mauro Scheer Luís*
Como não poderia ser diferente, os acadêmicos de direito que se iniciam em introdução à ciência do direito conhecerão Kelsen e sua pirâmide, e perceberão como é interessante a ordem hierárquica das normas jurídicas, com a constituição ocupando o lugar mais alto dessa estrutura. Lerão a obra “Elementos de Direito Constitucional” de Michel Temer, e quando se iniciarem em teoria geral do processo não poderão deixar de conhecer o magnífico “Teoria Geral do Processo” de Ada Pelegrini Grinover.
Verão que o processo tem começo, meio e fim. Compreenderão que uma das causas mais determinantes para o sucesso do processo é sua regular instrução. Saberão que o remédio contra os "aventureiros judiciais" é o contraditório. Aprenderão que a solução para sentenças de baixa qualidade é o duplo grau de jurisdição. Mais que tudo isso, aprenderão com Kelsen que a lei ordinária não derruba a constituição de um Estado democrático.
Mas... a poesia acaba aqui. Essa é a teoria, porém a prática é (mas não deveria ser) outra. Por quê?
O que determinam as leis nº 11.276/06 e 11.277/06? Como dois pedaços tão pequenos de papel podem causar tanto estrago no direito processual brasileiro? Aos que ainda não tomaram conhecimento dessas leis, explico: elas simplesmente jogaram fora tudo aquilo que a Doutora Ada Pelegrini Grinover escreveu com maestria em tantas edições do livro “Teoria Geral do Processo.” A partir da entrada em vigor das citadas leis, para questões unicamente de direito, não há mais necessidade de contraditório e ampla defesa: o juiz de primeira instância pode desde já prolatar sua “sentença” (propositadamente entre aspas).
Calma, poderia ser pior. E foi muito pior. A lei nº 11.276/06 instituiu a “súmula vinculante de primeira instância”. Basta que a questão levada à apreciação do Judiciário seja de direito e que a matéria seja sumulada pelo STJ ou pelo STF para impedir diz que o juiz de primeira instância receba o recurso de apelação. Isso mesmo: o processo tem fim na primeira instância e, opcional e adicionalmente, sem contraditório e sem mesmo a citação do réu.
Pergunto: onde estão os princípios constitucionais (ampla defesa, contraditório, duplo grau de jurisdição)?
Gostaria de aplicar uma regra três para saber o resultado desta situação: roubaram o ômega do ministro, acharam e devolveram o ômega do ministro. Roubaram a Constituição.........
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* Advogado atuante na área empresarial e presidente da Central Prática Consultoria e Treinamento.
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