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Mudanças na lei alteram as regras da relação entre prestadores e operadoras de planos de saúde

A entrada em vigor da nova legislação mostra-se uma oportunidade relevante para reavaliação de estratégias de prestação de serviços na saúde.

30/12/2014

Recente alteração na lei 9.656/98, mais conhecida como "lei dos planos de saúde", importará significativas modificações no regime jurídico dos prestadores de serviços em saúde, exigindo atenção dos médicos, hospitais, clínicas, laboratórios, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, dentistas, bem como das próprias operadoras.

A redação estabelecida pela lei 13.003, de 24 de junho de 2014, estabeleceu novas regras, tanto na relação com consumidores, quanto nos contratos com prestadores em saúde.

O novo texto conferido ao art. 17, da lei dos planos de saúde, reforça a obrigatoriedade de manutenção da rede credenciada de prestadores estendendo a garantia em relação a todas as modalidades de prestadores (aproximando-se do sentido original da lei), ao passo que a redação vigente (definida pela MP 2.17744/01) estava adstrita aos hospitais.

Inseriu-se na nova legislação, contudo, a possibilidade de substituição por "prestador equivalente", mediante comunicação aos consumidores com antecedência mínima de 30 dias. É preciso ter presente que é potencialmente complexa a avaliação de equivalência de prestadores, em especial nas grandes cidades, nas quais a localização é fator relevante, e mesmo determinante na opção por certo prestador.

É curiosa a técnica legislativa ao repetir no caput (a ser alterado) a necessidade de comunicação ao consumidor previsto no mesmo artigo. Nesse sentido, em nossa leitura, a mudança do caput não afastará a obrigatoriedade de noticiar também à ANS sobre alteração de prestador, como decorre do art. 17, parágrafo 1º., cuja redação não será atingida pelas modificações anunciadas.

Publicada no diário oficial da União em 25 de julho de 2014 e com vacatio legis de 180 dias, a lei 13.003 de 24 de junho de 2014 estabeleceu a obrigatoriedade da forma escrita para os contratos dos prestadores de serviços de saúde com as operadoras.

Segundo o art. 17-A acrescentado à lei 9.656/98 e prestes a entrar em vigor, devem estar discriminados o objeto do contrato, natureza e valores. Igualmente, tornou-se obrigatório estabelecer o critério de reajuste e periodicidade. Tais cláusulas se revelam de essencial importância prática em face das desproporções identificadas no setor, assim como necessidade de planejamento de longo prazo nas atividades seja dos prestadores, seja das operadoras de planos de saúde.

A legislação determina, igualmente, a necessidade de se estipular a duração do contrato e as formas de renovação e revisão. Embora não excluam as regras ordinárias previstas no Código Civil, permitem criar mecanismos de qualidade de prestação e estipular procedimentos a serem atendidos. Veja-se que a jurisprudência tem frequentemente determinado aos planos de saúde reparar pela falha do prestador em oferecer termo de consentimento, o que pode estar previsto em contrato.

Deve-se estabelecer também as regras relativas a procedimentos que dependem de autorização administrativa da operadora, definindo o modo de comunicação, negativa e demais procedimentos operacionais. A legislação prevê, também, a estipulação de regras sobre outros temas importantes, tais como a rotina de auditorias, procedimento de faturamento, deixando claras as regras entre as operadoras de planos de saúde e prestadores.

Entre as regras obrigatórias, apresenta importância central os casos de pacientes com tratamentos em curso. Nas hipóteses de desligamento, o prestador deverá prosseguir com o atendimento até o fim do contrato com a operadora, a qual por sua vez, deverá efetuar a remuneração dos serviços prestados.

Adicionalmente, podem ser definidas em contrato disposições adequadas às especificidades de cada prestador. Para ilustrar, hospitais podem determinar tipo de acomodação, ao passo que laboratórios podem definir o tempo de entrega de exames.

As normas da ANS também incidem na relação. Em vigor a partir de 22 de dezembro de 2014, a resolução normativa nº 363, de 11 de dezembro de 2014 trouxe uma série de regras para disciplinar a matéria em discussão.

A resolução normativa 363/14, também garante o contraditório em relação às glosas (negativas de pagamento a prestadores), assegurando acesso às justificativas e a possibilidade de contestação. Igualmente, estabelece que o foro do contrato é o do prestador, em proteção a parte que com grande frequência possui menor poder de barganha na relação.

Indevidamente restringindo o texto da lei dos planos de saúde, a resolução prevê a possibilidade de que a forma de reajuste seja, "a previsão de livre negociação", o que fragiliza significativamente a relação e se desarmoniza com a busca de prestação de serviços por prazos mais longos.

Preocupa o fato de a resolução excluir textualmente de seu escopo a relação com cooperados, o que conflita com o novo teor do art. 18 da lei dos planos de saúde, que os incluem como destinatários das novas regras sobre os contratos de prestação de serviços médicos.

A norma da Agência Nacional de Saúde Suplementar fixa prazo de doze meses para o ajuste dos contratos já escritos, considerando irregulares as prestações de serviços desprovidas de forma escrita, sujeitando-as a penalidades. Certamente o regime da nulidade (decorrência do CC, art. 166, inc. IV) não contemplará de modo suficiente os efeitos do descumprimento, a exigir cuidado no curso das negociações.

No tocante ao reajuste, a resolução normativa 363/14 vedou critérios de reajuste condicionados à sinistralidade da operadora (grosso modo, a relação entre receitas e despesas), proibindo dessa maneira que o risco do negócio fosse transferido aos prestadores.

Nesse cenário, a entrada em vigor da nova legislação mostra-se uma oportunidade relevante para reavaliação de estratégias de prestação de serviços na saúde e exige adequada atenção ao contrato, conjugando cuidados na esfera negocial e jurídica.

É preciso estabelecer estratégias adequadas às diferentes organizações, precedidas de criteriosa avaliação de modelo de atividade, bem como consentâneas às novas normas que logo entrarão em vigor.

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*Gabriel Schulman é consultor em Direito da Saúde em Denis Borges Barbosa Advogados. Mestre em Direito pela UFPR e doutorando em Direito pela UERJ.

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