Há algumas brincadeiras envolvendo o nosso "ego" de advogados, que já começa a ser moldado na Universidade. Os conceitos embutidos por trás dessas brincadeiras nos trazem uma importante reflexão sobre a formação que recebemos como advogados e as dificuldades que encontramos quando vamos para o trabalho e descobrimos, ao longo do nosso crescimento profissional, seja em escritórios de advocacia, empresas ou até no serviço público, a importância de sermos não somente advogados, mas também líderes.
Aprendemos as leis e os princípios. Se tivermos um pouco de sorte e uma boa parcela de competência, aprendemos a ter um bom raciocínio jurídico e alguma base filosófica propedêutica que nos facilitará a aplicar a tal da "subsunção do fato à norma". Aprendemos também a falar em público e a nos orgulharmos de uma petição ou um contrato bem escrito. Em geral aprendemos a litigar e a defender o nosso cliente (seja ele a iniciativa privada ou o Estado) com unhas e dentes cumprindo nossa função constitucional de contribuir com a justiça.
Então, após muito "ralar, esfregar barriga no balcão e cortar o dedo em papel" nos deparamos um belo dia com uma promoção muito almejada e desejada onde nos é comunicado que a partir de agora seremos "líderes".
E agora? O que isso significa para seres acostumados a brilharem solo, a serem chamados de Doutor(a) a todo momento do alto de seus 22 anos?
Antes de adentrar nas especificidades da liderança no mundo jurídico, vale destacar que ser líder é um desafio em qualquer contexto organizacional. Ao buscarmos a palavra liderança no Google aparecem mais de 9 milhões de resultados. Se o fizermos em seu correspondente em inglês o numero é ainda mais impressionante: leadership alcança fenomenais 155 milhões de resultado. Centenas de milhares de livros (uns muito bons outros nem tanto...) foram escritos sobre o tema e milhares de milhares de blogs se concentram no assunto.
Grande parte da força de trabalho mundial consome vorazmente esse conteúdo que alimenta uma indústria bilionária, sonhando em um dia ser chefe. Livros como "tudo sobre liderança" ou "torne-se um líder em 20 minutos" povoam prateleiras e são tão eficazes quanto dietas que prometem emagrecimento sem exercício ou sem passar fome!
E assim como grande parte das pessoas quer emagrecer e ter um corpo definido passando ao largo dos sacrifícios físicos envolvidos, uma esmagadora maioria de pessoas não sonha em ser líder e sim em ser chefe. Não sonha em inspirar pessoas, mas em "ter subordinados" e em "mandar em alguém". Poucos efetivamente se motivam a chegar a uma posição de liderança pelo privilégio que essa condição nos dá de impactar vidas e fazer a diferença no mundo. Talvez isso explique, ao menos em parte, o porquê a sociedade e as organizações careçam tanto de líderes de verdade – a despeito dos milhões de resultados encontrados no Google.
E qual seria, então, a verdadeira liderança? O que precisa ter um bom líder (advogado ou não) para não ser apenas mais um chefe?
Na minha visão são poucas e imprescindíveis as qualidades:
(i) EMPATIA;
(ii) RESPEITO PELOS LIDERADOS;
(iii) SABER TRANSMITIR SEGURANÇA/CONFIANÇA;
(iv) CAPACIDADE DE TOMAR DECISÃO (E VIVER COM ELA);
(v) BOM SENSO; e
(vi) AMOR PELO SER HUMANO.
Um líder que não possua qualquer dessas características perde automaticamente a condição de líder e passa à condição de chefe, ainda que entregue resultados ou ganhe dinheiro. De nada adianta ter todas as outras importantes características como saber delegar e gerenciar bem o tempo ou ser um exímio sustentador ou processualista. É como focar na cobertura e esquecer a massa do bolo, pode parecer gostoso no começo, mas não tem sustância e não "enche a barriga".
Tudo isso se aplica igualmente ou mais a líderes advogados, com o desafio extra de ter o advogado amor pelo palco e pelos louros que o verdadeiro líder jamais deve buscar como fim em si mesmo. Além disso, é importante lembrar que, em regra, o líder advogado lidera outros advogados também com essas características egoicas.
Mas a condição ainda anterior ao desenvolvimento ou valorização das qualidades que mencionei acima e que faz com que qualquer líder, seja qual for a profissão, esteja um passo à frente rumo ao seu objetivo na liderança é o DESEJO genuíno de se DOAR e de querer IMPACTAR a vida de outros de forma positiva. Nenhuma das características elencadas será natural se não houver esse desejo íntimo (ainda que inconsciente). E essa característica pode ser resgatada em um profissional do direito se soubermos acessar os sentimentos que nos levaram de inicio para esta tão bela profissão.
Quase todos nós optamos por este curso desejando impactar a sociedade e a vida dos outros (mudar o mundo). Quase todos nós gostamos de compartilhar conhecimento (alguns não chamariam exatamente de "compartilhar", mas vamos lá...) e de ensinar, sejam estagiários, alunos, advogados mais juniors, as mazelas e os atalhos que não nos ensinam na faculdade. É aí que acredito estar a chave para acessarmos a nossa liderança como advogados que lideram advogados.
Ser um verdadeiro líder significa doar-se à equipe. Exige sacrifício. Significa dividir os créditos e assumir as derrotas. Envolve observação atenta e um bom par de antenas para detectar problemas e humores que não serão compartilhados espontaneamente. Aquele que DESEJA ser líder vibra com as conquistas de seu liderado como se fossem (e são) suas e sofre em silencio quando precisa repreendê-lo.
Sendo o líder que cada um desejaria ter, não precisará se preocupar com a sua equipe deixá-lo. E caso o façam, com certeza terá sido para uma oportunidade muito melhor também graças a algo que você proporcionou. E se você for um líder de verdade estará tão feliz por ele (a) que isso não fará diferença!
E você? Quer ser líder? Já parou para pensar por quê? E se já for um chefe, já se perguntou se é um líder de verdade?
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*Tayná da Rocha Leite é palestrante da ESG Corp, gestora jurídica e blogueira em Selfdh.blogspot.com.br