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A superveniência de fato novo no projeto do novo Código de Processo Civil

Artigo 504 contempla situação na qual, sobrevindo à propositura da demanda, algum fato capaz de influir no julgamento de mérito, deverá ser considerado no momento da prolação da sentença.

4/12/2014

O artigo 504 do projeto do novo CPC contempla situação na qual, sobrevindo à propositura da demanda, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, capaz de influir no julgamento de mérito, deverá ser considerado, de oficio (neste caso sempre após oitiva das partes – parágrafo único) ou a requerimento da parte, no momento da prolação da sentença1, viabilizando que o julgamento reflita exatamente o estado de fato da lide no momento da decisão.

Deve ser aplicado a qualquer momento e sempre depois de fixados os limites da demanda, e também ser novo e diverso (não deduzido), para ser subsumido à regra.

O dispositivo não conflita com o princípio da congruência, apenas configura exceção à sua plena aplicabilidade, uma vez que possibilita ao juiz, na sentença, modificar a estabilidade objetiva da demanda2, de sorte que também revela maleabilidade à teoria da substanciação adotada pelo sistema, que exige, na inicial, o relato dos fundamentos de fato e de direito, tudo por tratar-se de fato que, ao tempo da propositura da demanda, não havia ocorrido e, portanto, não poderia ser objeto da lide.

Assim, apenas tem aplicação a fatos ocorridos depois da propositura da ação, para que seja levada em conta, no momento do julgamento, a realidade fática, pois, se relativa a fatos anteriores, deveriam ter vindo na inicial e na defesa e não depois, intempestivamente.3

Assim, embora a eficácia preclusiva da coisa julgada prevista no artigo 518 do Projeto do CPC e que recai sobre os fatos, trata apenas do que poderia ter sido deduzido e não o foi, o que não se aplica a fatos inexistentes à época em que poderiam ter sido alegados. De tudo, conforme acentua a doutrina, importa que tenha sido regularmente estabelecido o contraditório.4

A propósito, admite a doutrina que, ainda que tenha o fato sido introduzido tardiamente, mas com eficácia superveniente à propositura da demanda, conquanto amplamente debatida pelas partes, com a oportunidade de dilação probatória ou ainda sem a configuração de prejuízo, revela-se válida a aplicação da teoria.5, sendo, todavia, apenas para o réu a possibilidade de valer-se de fato que, já existente, teria sido conhecido posteriormente; não para o autor6, certo que o sistema convive com essa possibilidade, constando do artigo 343 do Projeto do CPC que “depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando: I – relativas a direito ou a fato superveniente; II- competir ao juiz conhecer delas de ofício.”

Numa análise sistemática, o Projeto do CPC admite ainda (art. 442), “(..) em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.” E “(..) a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente”.

Ainda a respeito, o artigo 1027 do Projeto do CPC admite que “as questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”.

A jurisprudência, não raro, confunde situações que não retratam a previsão legal, como, por exemplo, no caso de o réu posteriormente reconhecer o pedido ou praticar ato que configure esse reconhecimento, o que deve levar à procedência da demanda, nos termos do artigo 497,III,a, do Projeto CPC; ou se da mesma forma houver, pelo autor, renúncia ao direito ou ato que implique na renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (Projeto do CPC, art . 497,III,c), ainda que não haja homologação, no caso da prática de ato incompatível com o ânimo de demanda ou de defesa, mas que revele as mencionadas renúncia ou reconhecimento.

Acrescente-se a respeito que a doutrina considera que o fato novo será sempre admitido e não pode ser associado a qualquer elemento volitivo da parte, evitando má-fé ou estratagemas ou poderá ser confundido com o reconhecimento do pedido, situação retro abordada.7

A doutrina alerta que o fato impeditivo não foi contemplado pela regra processual, já que esse tem que ser anterior ou contemporâneo à ocorrência do fato jurídico e jamais superveniente.8

Nos casos de lei nova, súmula vinculante e do recurso repetitivo, onde existe a impositividade, sendo posteriores à demanda, devem ser considerados fato novo, hábil à consideração por ocasião da sentença.

Quanto à jurisprudência, assume no atual ordenamento posição diferenciada. O inciso VI do parágrafo 1º do art. 499 do Projeto do CPC, como visto antes, exige que a sentença faça aplicação do enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pelas partes, a não ser que possa demonstrar a existência de distinção, no caso em julgamento ou superação do entendimento. O artigo 521 do Projeto do CPC prevê nos incisos I a V, que regem a uniformização jurisprudencial a servir de orientação aos julgados e, em seu parágrafo 5º, dispõe que “o precedente dotado do efeito previsto nos incisos II, III e IV do caput deste artigo pode não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, mediante argumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de caso particularizado por situação fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.”

Assim colocado, a superveniência da consolidação de jurisprudência, exceto nos casos de demonstrada a não aplicabilidade ao caso concreto, revela-se como fato novo invocável para o efeito de aplicabilidade do disposto no artigo 504 do Projeto do CPC.

A doutrina diferencia a posição das partes – autor e réu – na interpretação do dispositivo, por considerar a situação particular de cada um, na conta de que ao Autor, caso ocorrida alteração fática, poderá repropor a demanda, não ocorrendo a mesma oportunidade ao réu9. De todo modo, considera-se que, ocorrido fato superveniente sob o molde permitido, tanto ao Autor quanto ao réu será oportunizada a alegação.

O artigo 504 do Projeto do CPC tem aplicação em todos os graus de jurisdição, ainda que na via estreita dos recursos especial/extraordinário seja vedada a análise de questões fáticas10, mas, uma vez ocorrida em grau inferior deve neste ser alegada e para alçar os seguintes deve haver o necessário prequestionamento11, salvo força maior (artigo 1027 do Projeto do CPC).

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1 AgRg no RMS 33.797/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 09/10/2012; REsp 780.509/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 25/10/2012

2 AgRg no Ag 1330124/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 23/05/2012

3 AgRg no Ag 1172500/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 26/10/2011

4 Candido Rangel Dinamarco, , Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo:Malheiros Editores, vol. II, 4ª edição 2004, p. 284

5 Ricardo de Barros Leonel, Causa de Pedir e Pedido- o direito superveniente. São Paulo:Método, 2006, p. 244

6 Araken de Assis, Extinção do processo por superveniência do dano irreparável. Doutrina e Prática do processo civil contemporâneo. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001, p. 198; Ricardo de Barros Leonel, Causa de Pedir, Causa de Pedir e Pedido- o direito superveniente. São Paulo:Método, 2006,p. 242-250

7 Daniel Raichelis Degenszajn, Alteração dos fatos no curso do processo e os limites de modificação da causa petendi, www.tesesusp.br> Acesso em 26.3.2013

8 Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil,vol.I, BA:Jus Podium,2013.,p. 380

9 Daniel Raichelis Degenszajn, Alteração dos fatos no curso do processo e os limites de modificação da causa petendi, www.tesesusp.br> Acesso em 26.3.2013

10 EDcl no REsp 1171688/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 04/12/2012

11 REsp 1288380/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 22/11/2012
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*Mirna Cianci é procuradora do Estado de São Paulo, coordenadora e professora da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP.

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