Habitual alvo de críticas e elogiado em raríssimas oportunidades, o Poder Judiciário se reinventa, dentro de suas ainda precárias instalações, para entregar à população, ou seja, à coletividade de seus jurisdicionados, a solução de todo e qualquer conflito de interesses, reafirmando, assim, em cada singelo ato, a consolidação do sonhado Estado Democrático de Direito.
Árdua função, é verdade, exercida com afinco por todos os que, de alguma maneira, optam por dele participar.
Ainda assim, não obstante as vultosas cifras e os infindáveis esforços investidos, ambos, neste ponto comum, o fato é que a cobrança de uma maior efetividade persiste. Não sem razão, já que o fato também é que não se encontra uma resposta segura e relativamente rápida às questões submetidas ao seu crivo.
A segurança de tais respostas é abalada pela natural convicção das autoridades que, nele, atuam. As leis, grosso modo, devem ser interpretadas por aquele que as aplica, ou seja, as frias palavras do texto normativo ganham contornos humanos quando confrontadas com os casos reais e concretos. Nesse sentido, nada mais ordinário do que lembrar o conhecido dito popular: cada cabeça uma sentença.
Todavia, diante da gigantesca demanda e, por consequência, do gigantesco aparelhamento montado para atendê-la, tais divergências de percepções se tornam um tanto drásticas e excessivas, comprometendo até mesmo, em última análise, a segurança jurídica.
Dessa forma, seja para atender, ou não, os clamores da opinião pública, o Estado tem concentrado seus esforços para melhor cumprir o seu papel. A criação do CNJ, ainda que com um toque de interferência dos demais poderes, é, sem dúvida, fruto desta incessante busca por resultados.
A questão, no entanto, parece-me um pouco menos pontual. Extravasa o jurídico e alcança a cultura dos brasileiros.
É bom deixar claro que este texto não se fundamenta (consciente e intencionalmente) em princípio algum de ordem antropológica, filosófica, sociológica ou jurídica. A sua base é a mera observação da vida em sociedade, dia após dia. Nada mais.
Um Poder Judiciário forte significa, sem dúvida, uma sociedade desenvolvida cultural, social e economicamente. Há quem diga que é possível medir o grau de desenvolvimento de um determinado país pelo Poder Judiciário: quanto menor é a sua utilização, maior é o grau de desenvolvimento. Enfim, trata-se de um pilar sem o qual não se consegue construir uma sociedade justa e democrática.
Se tais considerações são verdade ou não, o fato é que, olhando para a realidade, aqui e agora, elas fazem sentido. Quem já experimentou qualquer percalço nesse sentido infelizmente sabe que, muito mais do que solução a eventual conflito de interesses, um processo pode gerar inúmeros dissabores. E, ao que parece, não há meta que impeça isso, ainda mais as impostas de cima para baixo, sem específicos conhecimentos técnicos, tornando automatizadas e, por isso, muitas vezes injustas as decisões judiciais. A impressão que se tem é que valem muito mais os números de produtividade do que a sua qualidade efetiva.
Apesar da atualidade deste tema, especialmente diante da tendência de desjurisdicionalização (ou desjudicialização) dos conflitos defendida, cada vez mais, por relevantes personalidades do meio intelectual, este assunto já foi deveras considerado por grandes juristas nacionais, dentre os quais se pode mencionar o Ministro Joaquim Barbosa, recém-aposentado do STF, que defende a premissa de que a combatividade dos brasileiros é atribuída à sua formação cultural.
Pois bem, superada esta digressão, é de se esclarecer que processo, segundo os ensinamentos dos bancos acadêmicos, é o meio pelo qual o Estado, exercendo seu papel de juiz, põe fim a um conflito de interesses instaurado por aquele que, titular de um direito, encontra resistência naquele que, titular de um dever, deveria cumpri-lo.
A simplicidade desta exposição, que certamente será criticada pelos mais estudiosos, justifica-se, essencialmente, pelo alcance que se quer dar a este ensaio: muito além dos poucos (mas necessários) letrados que compõem a elite intelectual.
Cada cidadão, por mera existência, é fonte de relações jurídicas. É inevitável. Direitos e obrigações são irradiados automática e constantemente. E o comportamento de cada um, dentro dessa rede interpessoal, refletirá, positiva ou negativamente, no Poder Judiciário de seu país e, em última análise, no respectivo desenvolvimento social e econômico.
Regras de convivência básica, munidas ou não de sanção, deixam de ser observadas a todo momento, gerando, atualmente, incontáveis demandas judiciais.
Respeitar as palavras, faladas ou escritas, sem querer levar vantagem sobre os demais, mais do que fundamental para coexistência numa sociedade, restabelece um sentimento há muito perdido: a confiança.
Com confiança, consumidor e fornecedor se entenderiam melhor, contribuinte e administração pública se respeitariam mais, empregado e empregador trabalhariam juntos. Enfim, questões relativas ao dia a dia se resolveriam no dia a dia, sem que toda e qualquer pretensão, ao ser resistida, resultasse num novo processo judicial.
E, assim, o Poder Judiciário, sem ter que entregar a cada um o seu respectivo direito ou sem ter que reeducar seus jurisdicionados, poderia se ocupar melhor das verdadeiras, ou melhor, das relevantes preocupações de cada um, individual ou coletivamente considerado.
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*Alexandre Gindler de Oliveira é sócio da Advocacia Hamilton de Oliveira.
Poder Judiciário – Para Onde Tudo Converge
Um Poder Judiciário forte significa, sem dúvida, uma sociedade desenvolvida cultural, social e economicamente.
19/11/2014