Como resultado de ofensas proferidas por torcedores gremistas contra o goleiro Aranha, do Santos Futebol Clube, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD aplicou severa punição ao Grêmio de Foot-ball Porto Alegrense, excluindo a equipe gaúcha da Copa do Brasil.
Como fundamento da sanção, o órgão julgador recorreu ao artigo 243-G, §1º, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, que prevê a possibilidade de perda de pontos, ou de exclusão de competição, para as entidades desportivas, caso pessoas vinculadas a elas incorram em prática de ato discriminatório.
A decisão confere margem para interessante controvérsia. Ao prever a possibilidade de punição dos clubes por atos de seus torcedores, o CBJD cria inusitada modalidade de responsabilidade por fato de terceiro.
A possibilidade de se atribuir as consequências da conduta de um indivíduo para outro é reconhecida, já há bastante tempo, na esfera do Direito brasileiro. No Código Civil, por exemplo, os pais são responsáveis pelos danos causados pelos filhos menores, e os empregadores arcam com a reparação dos prejuízos causados por seus empregados (artigo 932).
Por trás dessa disciplina, reside o propósito predominantemente reparatório, evitando-se que a vítima do dano fique sem reparação. Ao se atribuir a responsabilidade a terceiro, permite-se que aquele que sofreu o prejuízo busque indenização de quem – ao menos a princípio – possui condições mais adequadas de repará-lo.
Em contrapartida, a utilização dessa forma de imputação de responsabilidade com escopo punitivo – tal como previsto no CBJD – confere margens para questionamentos.
Na esfera penal, vigora o princípio de que a pena se limita à pessoa do delinquente. De forma semelhante, no âmbito do processo administrativo sancionatório – que, em certa medida, se aproxima daquele que tramita no STJD –, a regra geral é a imposição de eventual punição exclusivamente àquele que incorreu na infração.
Se a punição a determinado indivíduo por conduta alheia não se aplica sequer para a preservação da idoneidade da administração pública, e tampouco para o combate a condutas criminosas – as quais lidam com os interesses mais relevantes –, inexiste razão para sua utilização na esfera do esporte. Por mais significantes que sejam os propósitos dessa forma de atribuição de responsabilidade, é exagerado punir uma entidade – e, por conseguinte, seus milhares de torcedores – pela conduta de poucos.
Como contraponto a esse argumento, afirma-se que as sutilezas do âmbito desportivo admitem essa rígida disciplina sancionatória. A par da necessidade da criação de mecanismos para o combate a condutas inaceitáveis – tais como as de cunho discriminatório –, alega-se que a entidade desportiva e sua torcida constituem um único ente, afastando-se a necessidade da aplicação do regime da responsabilidade por fato de terceiro.
Todavia, as peculiaridades inerentes às práticas desportivas, e mesmo a questionável ficção que imputa personalidade única ao clube e sua torcida, não autorizam o excepcional regime do artigo 243-G, §1º, do CBJD. Sem prejuízo da relevância de seus objetivos, essa disciplina se revela desproporcional, ao responsabilizar o clube e seus inúmeros seguidores por fato praticado por alguns, e que – na maioria das vezes – não pode ser evitado.
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