Em 02 de junho de 2014 entrou em vigor a Lei 12.984/2014, a qual, dentre outras providências, criminaliza condutas discriminatórias em ambiente de trabalho praticadas em desfavor de portadores de HIV ou doentes de AIDS: De acordo com os incisos II a IV do artigo 1° de referido diploma legal àquele que negar emprego ou trabalho; exonerar ou demitir de cargo ou emprego ou então segregar em ambiente laboral o portador do vírus em razão de sua condição, poderá ser apenado com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.
Tal inovação legislativa se coaduna com a tendência contemporânea de se utilizar o direito penal como ferramenta auxiliar para ações afirmativas perante o mercado de trabalho e tem sua origem na conjugação das disposições democráticas da Constituição Federal de 1988 e do fortalecimento e quase naturalização do vigente modelo de produção, esboçado pela derrocada socialista e consolidado pelas políticas econômicas liberais da década de 90. Tais fatos compuseram uma sociedade global cada vez mais plural, desafiada em alocar dentro de uma única estrutura produtiva seus variados grupos de diferentes matizes ideológicos, políticos, etários e sexuais.
Desse modo a Lei 7.716/89 (de combate ao preconceito), em seu artigo 3° determinou como crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos a conduta de impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos, ou então obstar sua promoção funcional em razão de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Em campo privado (art. 4°), aplica-se igual pena para quem, com igual motivação, negar ou obstar emprego; impedir a ascensão funcional ou obstar outra forma de benefício profissional e proporcionar tratamento diferenciado em ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. Tal dispositivo legal também sujeitará às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.
A Lei 7.853/89, de apoio aos deficientes, por sua vez, tipificou como crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa a conduta de obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de deficiência, bem como a de negar à alguém, por igual razão, emprego ou trabalho. Já o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2013), em seu artigo 100 apena com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa àquele que por motivo de idade obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público ou negar emprego ou trabalho.
Em que pese a louvável iniciativa de proteção penal conferida a tais grupos, tais delitos encontram algumas dificuldades práticas comuns. A primeira delas diz respeito à dificuldade probatória para configurar a materialidade do crime, pois os métodos de seleção e avaliação de candidatos e funcionários se valem dos mais variados diagnósticos, testes e fases, permitindo camuflar atitudes discriminatórias por meio de justificativas pseudotécnicas. A segunda diz respeito à determinação de autoria delitiva. Em prestígio ao caráter personalíssimo da responsabilização penal, quem poderá responder por tais crimes não é a empresa, mas sim determinada(s) pessoa física(s), integrante da estrutura empresarial. Desse modo, são autores do crime àqueles que efetivamente praticam atos discriminatórios ou determinam sua prática, o que também nem sempre é fácil de averiguar dentro de grandes companhias. Tais constatações colocam em xeque a real efetividade de tais dispositivos no cumprimento dos objetivos a que se destinam.
Por fim, por uma questão de coerência sistemática, seria prudente uma revisão das penas impostas aos crimes citados, visando sua uniformização, afinal de contas teria o legislador entendido que na seara do mercado de trabalho discriminar um idoso (reclusão de 6 meses a 1 ano) é menos gravoso do que praticar idêntica conduta em face de um deficiente (reclusão de 1 a quatro anos e multa)? Ou ainda, seria preferível discriminar um portador do vírus HIV (reclusão de 1 a 4 anos) do que um negro (reclusão de 2 a 5 anos)? Sem dúvidas resta latente a injustificável discrepância entre a valoração de tais condutas, demonstrando ou um risível ato de discriminação das diferentes práticas discriminatórias ou, é preferível acreditar, mais um exemplo da habitual desordem do processo legislativo penal pátrio.
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* Fabio Lobosco Silva é advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados.
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