A indústria farmacêutica brasileira é hoje uma das maiores do mundo. De fato, a empresa IMS Health, líder na obtenção e análise de dados do setor, recentemente estimou que o país poderá se tornar o 6º maior mercado global de medicamentos até 2015.
É inegável que a introdução dos genéricos e similares contribuiu significativamente para o crescimento do segmento. Em um país em que a renda média da população ainda se distancia daquela observada na Europa e nos Estados Unidos, o preço do remédio é um dos critérios de maior peso na escolha do consumidor.
Igualmente relevante foi o momento em que os medicamentos genéricos e similares foram inseridos no mercado brasileiro. As categorias ganharam as prateleiras de drogarias e farmácias justamente quando enormes parcelas da população ascendiam a patamares inéditos de renda e consumo. A combinação dos dois movimentos foi imbatível para trazer milhões de novos consumidores ao setor.
Entretanto, a recente revolução operada pelos genéricos e similares não se fez totalmente desacompanhada de contratempos, sobretudo no campo da concorrência entre os laboratórios.
Ao lado dos inegáveis efeitos benéficos que os genéricos e similares trouxeram aos consumidores de baixa renda, a indústria tem assistido ao surgimento de práticas comerciais que, sob a justificativa de serem tão somente agressivas, aproximam-se da ilegalidade, com evidentes prejuízos à concorrência.
Assim, por exemplo, há não poucos registros de fabricantes de genéricos e similares que, não se limitando à reprodução da fórmula do medicamento de referência, também copiam seus principais elementos de marketing, em violação à legislação brasileira.
De fato, a autorização para a cópia da fórmula do medicamento de referência não se estende aos demais elementos de marketing usados para conquistar o reconhecimento do consumidor, tais como embalagens, frascos, blísteres e outros componentes do chamado “dress code”.
Como bem colocado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível nº 0027367-83.2005.8.26.0564, a lei dos genéricos “refere-se somente às fórmulas utilizadas nos medicamentos, nada mais”.
Há ainda laboratórios que invocam uma suposta função social de sua atividade como justificativa constitucional para eventuais semelhanças entre os elementos de marketing do genérico de sua fabricação e os elementos correspondentes do medicamento de referência.
Alegam que o próprio Estado chancelaria tal semelhança, visando promover o produto sem marca, que é mais barato e acessível ao consumidor. Até mesmo uma suposta função social da propriedade patentária, de matiz constitucional, chegou a ser invocada para reforçar o argumento.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível nº. 2009.002.59430, já rechaçou a tese, lembrando que a matéria não envolve discussões sobre a função social da propriedade, mas tão somente a aplicação da lei de marcas e patentes (Lei 9.276/99). Lembrou ainda que mesmo os fabricantes de genéricos visam obter lucros e fatias do mercado consumidor.
Por óbvio, não se ignora aqui a existência de peculiaridades do setor que devem ser observadas quando se analisa se determinado medicamento genérico ou similar reproduz ou não o marketing do produto de referência. Não constitui ilícito, por exemplo, a eventual semelhança entre nomes se esta decorre do fato de que os produtos utilizam o mesmo insumo em sua composição.
Trata-se, aliás, de orientação do Superior Tribunal de Justiça. No recurso especial nº 1.105.422/MG, a Corte entendeu que a comercialização do medicamento SORINAN®, concorrente do SORINE®, não configuraria concorrência desleal, uma vez que o radical “SOR”, presente nos dois nomes, refere-se à solução isotônica de cloreto de sódio utilizada na composição de ambos.
Não se pode admitir, contudo, que as peculiaridade da indústria sejam utilizadas como salvo conduto para eventuais condutas desleais envolvendo genéricos e similares, sobretudo quando, muito além do nome, o seu fabricante imita a embalagem, a rotulagem ou a publicidade do medicamento de referência.
A respeito da publicidade, as campanhas de divulgação também têm se revelado um campo fértil para a concorrência desleal no setor. Com efeito, o judiciário é igualmente acionado para condenar propagandas abusivas, enganosas ou que visam deliberadamente transmitir ao medicamento genérico ou similar atributos que o produto de marca conquistou no mercado.
Na Apelação Cível nº 0390020-44.2009.8.19.0001, por exemplo, a justiça fluminense reconheceu que a utilização, na campanha de um determinado genérico, de temas já amplamente explorados nas campanhas do medicamento de referência, aproveitando-se da visibilidade e confiança que este havia conquistado no mercado nacional, configurava concorrência desleal, existindo a possibilidade de confusão nos consumidores.
Ainda no campo da publicidade, o CONAR (Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária) também vem reconhecendo a concorrência desleal em campanhas de genéricos e similares.
É o caso da Representação 138/06, em que o Conselho de Ética da entidade acordou pela sustação de uma peça publicitária de genérico que ressaltava o nome do medicamento de referência com mais destaque do que o próprio produto anunciado, confundindo os consumidores. A mesma infração foi analisada e condenada na Representação 302/05
Registre-se, ademais, que nem sempre a ilicitude das campanhas relaciona-se à reprodução de um elemento de marketing adotado pelo medicamento de referência.
Na Representação nº 328/12, por exemplo, o CONAR julgou irregular a divulgação de um anticoncepcional genérico na Internet. Como lembrado pelos conselheiros, tratando-se de medicamento de venda sob prescrição médica, a legislação sanitária só admitiria a publicidade se esta fosse dirigida exclusivamente aos profissionais da saúde. O produto, portanto, não poderia ter sido anunciado na rede.
Pelo exposto, resta evidente que a introdução dos genéricos e similares no mercado brasileiro, em que pese a sua enorme contribuição para o crescimento e o dinamismo recentes da indústria, tem sido acompanhada de práticas comerciais que podem ser facilmente caracterizadas como concorrência desleal.
Felizmente, não só o judiciário, mas entidades ligadas ao mercado, quando acionados, atuam com sucesso para cessar os ilícitos e obter reparações. A atuação destas e de outras instituições, incluindo da própria ANVISA, revela-se, assim, essencial para a correção de desequilíbrios e a preservação de um ambiente concorrencial saudável e ético, imprescindível para o futuro desenvolvimento do setor.
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* João Claudio Monteiro Marcondes é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.