Por meio da lei 12.989, publicada em 10 de junho de 2014, foi reaberto o prazo para mantenedoras de instituições de ensino superior aderirem ao Proies.
O baixo número de adesões em 2012 foi um dos fatores que contribuiu para a reabertura do prazo.
Sob a atraente chamada de que as mantenedoras poderiam trocar dívidas tributárias federais por bolsas de estudo, foi criado o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), pela lei 12.688, publicada em 19 de julho de 2012.
Acontece que, nos termos da lei, não há troca de dívidas tributárias por bolsas de estudo. O que há, na verdade, é a assunção de obrigações difíceis de serem honradas ao longo de quinze anos, tempo máximo de duração do parcelamento.
O estímulo à reestruturação e ao fortalecimento dá-se mediante a concessão de moratória de 12 (doze) meses das dívidas tributárias vencidas até 31 de maio de 2012 e o posterior parcelamento, com redução de multa moratória de 40%, em até 180 (cento e oitenta) prestações mensais e sucessivas, a partir do 13º mês subsequente ao deferimento do pedido de moratória.
Até 90% do valor dessas prestações mensais poderão ser liquidados com certificados do Tesouro Nacional, emitidos pela União, no valor correspondente ao das bolsas Proies efetivamente ocupadas.
As bolsas Proies são integrais e devem ser concedidas a estudantes, com renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio, de cursos de graduação presenciais não gratuitos e com avaliação positiva, ou seja, que obtiveram conceito maior ou igual a três no SINAES.
Para optar por liquidar até 90% das parcelas com certificados emitidos em contrapartida às bolsas Proies ocupadas, as mantenedoras de instituições de ensino devem aderir ao Prouni com oferta exclusiva de bolsas integrais, ao FIES sem limitação de valor destinado ao financiamento e ao FGEDUC.
As bolsas Proies e ProUni são concorrentes, porque se destinam ao mesmo público alvo e se sujeitam aos mesmos requisitos legais.
Desde a implantação do ProUni, em 2005, muitas entidades têm dificuldade para ocupar as bolsas integrais ofertadas, em razão do critério socioeconômico ser renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio.
Se não conseguirem preencher as bolsas Proies, dado que, primeiro, deverão ser ocupadas as bolsas ProUni, as mantenedoras terão de quitar as parcelas em dinheiro.
Além da quitação das parcelas, terão de pagar todos os tributos não abrangidos pela moratória e pelo parcelamento durante o período de 180 meses e, se for o caso, as prestações de outros parcelamentos.
Se a mantenedora deixar de pagar 3 (três) parcelas consecutivas ou alternadas, a moratória será revogada e o parcelamento rescindindo.
Se deixar de pagar um só mês os tributos federais não abrangidos pela moratória e pelo parcelamento ou de outro parcelamento, se houve, já haverá a revogação e o parcelamento.
Vê-se, pois, que não há troca de dívida tributária por bolsas de estudo.
Entretanto, sem margem para dúvida, a opção pelo pagamento de até 90% das parcelas com bolsas de estudos integrais constitui vantagem para a União.
As bolsas Proies efetivamente ocupadas contribuem para implementar a política social de acesso de jovens de baixa renda ao ensino superior nos próximos quinze anos (tempo máximo de duração do parcelamento).
Se a mantenedora da instituição de ensino for excluída do Proies, deverá manter as bolsas até a conclusão dos cursos pelos alunos beneficiados, sem custo para a União.
Excluída do Proies, a mantenedora não obterá certidão positiva com efeitos de negativa e, por isso, será desvinculada do ProUni.
Desvinculada do ProUni, terá, também, de manter as bolsas até a conclusão dos cursos pelos alunos beneficiados, sem custo para a União.
Por menor que seja o número de bolsas Proies e ProUni efetivamente ocupadas, ainda que as mantenedoras sejam excluídas dos programas, a União não sofrerá prejuízo algum. Pelo contrário, obterá ganho.
São feitas muitas críticas ao Proies e ao ProUni, sob o argumento de que a União está a ajudar as mantenedoras de instituições de ensino superior privadas.
No entanto, os críticos olham só um lado e se esquecem que a União utiliza o ProUni e o Proies para implementar sua política de acesso ao ensino superior, porque não tem condições de ampliar o número de vagas na rede pública para receber o público alvo desses programas.
Não nos esqueçamos que, ao tomar posse para o segundo mandato, em janeiro de 2007, o ex-presidente Lula afirmou: “O Brasil assistirá dentro de dez ou quinze anos o surgimento de uma nova geração de intelectuais, cientistas, técnicos e artistas originários das camadas pobres da população”.
Para receber as camadas pobres da população no ensino superior seria necessário ampliar o número de vagas na rede pública.
Como não há a ampliação, a União cria programas de bolsas a serem concedidas pela iniciativa privada e impõe aos mantenedores o dever de mantê-las até a conclusão dos cursos pelos beneficiários, diante de exclusão.
Mas isso não aparece nem transparece nas críticas.
O que transparece é a ideia de que a União está a financiar as instituições de ensino superior privadas.
Ora, as bolsas Proies e ProUni destinam-se ao alcance de uma das metas previstas no Plano Nacional de Educação.
Não é honesto nem justo colocar as mantenedoras das instituições de ensino superior privadas, que atuam como parceiras do Estado, como beneficiárias de financiamento público, quando, na verdade, isso não se passa, uma vez que, ao aderirem a esses programas (Proies e ProUni), que são mais de governo do que de Estado, suas mantenedoras assumem mais ônus do que recebem bônus.
Ademais, importa assinalar que a permissão de quitar até 90% das parcelas de dívidas tributárias com certificados do Tesouro Nacional emitidos em contrapartida às bolsas de estudos ocupadas pode consistir em violação ao financiamento da seguridade social.
A Constituição Federal estabelece que a seguridade social será financiada, entre outros, com recursos provenientes da cobrança da contribuição previdenciária (quota patronal), da Cofins e da CSLL.
O pagamento de dívidas tributárias dessas contribuições com bolsas de estudo consistirá em desvio de finalidade, se a União não destinar os recursos correspondentes à seguridade social, inclusive, porque a Constituição Federal veda a utilização dos recursos oriundos da contribuição previdenciária (quota patronal) para realização de despesas distintas do regime geral de previdência social.
Não bastasse a transmissão da falsa ideia de que as mantenedoras podem trocar dívida tributária por bolsas de estudo, ao aderirem ao Proies, agora, em 2014, com a reabertura do prazo, surge o governo com mais uma chamada atraente: o perdão da dívida de IRRF das mantenedoras das instituições de ensino superior instituídas por leis estaduais ou municipais.
Sob a vigência das Constituições de 1946 e 1967, muitos Municípios e Estados criaram, por meio de leis, instituições de ensino superior, bem como suas mantenedoras, sob a forma de fundações, e eram estabelecimentos oficiais de ensino.
Essas mantenedoras podiam cobrar anuidade escolar e, por isso, não eram total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.
A Constituição de 1988 veda a cobrança de anuidade escolar por estabelecimentos oficiais de ensino. Todavia, estabeleceu que essa proibição não se estende a essas instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data de sua promulgação, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.
De acordo com a Lei nº. 12.989, publicada em 10 de junho de 2014, a adesão dessas mantenedoras ao Proies implicará a remissão dos valores devidos à União, a título de IRRF dos rendimentos pagos, a qualquer título, que tenham sido diretamente ou indiretamente quitados perante o Município ou o Estado até a data de sua publicação. A adesão implica, por conseguinte, a anistia das correspondentes multas de mora ou de ofício, dos juros e encargos.
Observa-se que a remissão será dos valores que tenham sido direta ou indiretamente quitados perante o Município ou o Estado.
A comprovação dos valores diretamente quitados será feita por meio de certidão do Município ou do Estado beneficiário da arrecadação.
A comprovação dos valores indiretamente quitados será feita nos termos estabelecidos por ato conjunto do Procurador-Geral da Fazenda Nacional e do Secretário da Receita Federal do Brasil.
Ora, se os valores foram quitados perante o Município ou o Estado, não há que se falar em remissão e anistia.
Esqueceu-se a União que a Constituição Federal determina pertencer aos Estados e aos Municípios o imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem ou mantiverem.
A Constituição diz que pertencem, não diz que a União entregará os recursos aos Estados e Município.
Porque, desde outubro de 1988, pertence o IRRF sobre os rendimentos que eles, suas autarquias e fundações pagam, a qualquer título, os Estados e os Municípios, a partir de 1989, editaram lei determinando que as fundações mantenedoras dessas instituições de ensino oficiais recolhessem esse imposto de renda diretamente para si e não mais para a União. Havia leis determinando, também, que essas fundações, recolhessem o IRRF indiretamente, mediante o encontro de contas com o repasse dos recursos públicos devido.
Entretanto, a União, violando a Constituição Federal, não reconheceu esses recolhimentos e constituiu créditos do IRRF dessas fundações, gerando um passivo ao longo de muitos anos.
Por meio da Lei nº. 12.989/2014, que reabriu o prazo de adesão ao Proies, a União vem dizer que perdoou os créditos do IRRF, bem como das correspondentes multas, juros e encargos, para as fundações que comprovarem a quitação, direta ou indiretamente, junto ao Estado ou ao Município que as criaram.
Ora, percebe-se bem que de remissão e anistia não se trata.
Por fim, é preciso assinalar que, para manterem-se no programa, entre outras exigências, as mantenedoras deverão cumprir integramente o plano de recuperação econômica e tributária aprovado e demonstrar, periodicamente, a capacidade de autofinanciamento e da melhoria de gestão, assim como deverão manter os indicadores de qualidade de ensino da instituição e dos seus cursos, sob pena de serem descredenciadas.
Deve ser considerado, também, o fato de a concessão da moratória e do parcelamento ser condicionada à apresentação da relação de todos os seus bens e direitos, discriminados por mantidas e da relação de todos os bens e direitos de seus controladores, administradores, gestores e representantes legais.
Essa exigência é feita porque se houver revogação da moratória e rescisão do parcelamento, o saldo será cobrado judicialmente. Então, a PGFN já saberá quais bens penhorar.
As mantenedoras de universidades e centros universitários devem ter em mente que perderão uma parcela da autonomia no período de duração do parcelamento, porque precisarão de autorização prévia do MEC para criação, expansão, modificação e extinção de curso, bem como para ampliação ou diminuição de vagas.
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* Maria Ednalva de Lima é advogada especialista em Direito Tributário e Educacional do escritório Maria Ednalva de Lima Advogados Associados e doutora em Direito Tributário pela PUC/SP.