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Contratação de Advogados: refletindo sobre os processos seletivos

Os interessados nas vagas nem sempre ajudam. Sai a descrição da vaga e está lá, em letras garrafais, que é preciso fluência em inglês e recebo cinco currícula de advogados com nível de inglês, no máximo, intermediário.

11/8/2014

Confesso que toda vez que tenho uma vaga no departamento jurídico da empresa para a qual trabalho fico nervosa porque detesto fazer entrevista com candidatos. Quando a conversa vai mal, não “dá liga”, acabo perdendo o interesse e paro de prestar atenção. A pessoa fica falando, falando, e eu lá, pensando num jeito de passar daquela fase do “Candy Crush” que vem me desafiando há algum tempo.

Não me orgulho disso, tenho muita vergonha, mas é fato.

Percebo que durante o processo de seleção de candidatos o que tenho de pior acaba aflorando: a falta de paciência, os preconceitos escondidos, a preguiça.

Mas a culpa não pode ser só minha. Os interessados nas vagas nem sempre ajudam. Sai a descrição da vaga e está lá, em letras garrafais, que é preciso fluência em inglês e recebo cinco currículos de advogados com nível de inglês, no máximo, intermediário. A vantagem é que pelo menos, estes candidatos não mentiram. Já tive candidato desmascarado em cinco minutos de entrevista (o que também já me aconteceu) e fiquei com o que atualmente se denomina vergonha alheia.

Tento não fazer perguntas idiotas para não receber respostas imbecis (como dizia minha mãe). Leio o CV antes da entrevista e muitas vezes percebo que quando escreveu o CV, o candidato foi acometido de uma doença séria chamada “superlativo”. Ele participou de um projeto de M&A, mas no papel diz que liderou o dito cujo. Daí, quando faço perguntas que o líder do projeto saberia sem pestanejar, o cara se enrola. Ele era o responsável pelo contencioso e quando peço detalhes, percebo que quase tudo era feito pelo escritório externo, sem praticamente nenhuma ingerência do cidadão. O CV diz que a pessoa era excelente gestora de pessoas e quando pergunto detalhes, percebo que o time era formado por um estagiário. Ai que preguiça…

Também tenho visto gente suar frio quando peço para resolver uma determinada questão. Apresento um caso e pergunto qual seria a solução que o candidato daria para aquela questão, pedindo ainda para fundamentar a resposta. O “caso” nunca depende de um conhecimento jurídico muito específico (por exemplo, não pergunto sobre propriedade intelectual para alguém que nunca trabalhou nesta área). O que eu busco saber com esse tipo de pergunta é a maneira como a pessoa raciocina, sua lógica e a sua capacidade de solucionar problemas práticos, que é o dia a dia de todo advogado de empresa. Surpreendentemente, muita gente fica surpresa com o tipo de pergunta, como se fosse algo totalmente inesperado. Será que é? Alguém contrata um advogado com base, simplesmente, em sua conversa? Ninguém pergunta como o candidato faria para resolver um problema específico? Se alguém me diz que tem experiência em questões relativas a direito do consumidor, mando logo uma pergunta específica para saber se a “experiência” pode ser traduzida em capacidade técnica adequada. Se alguém tem experiência em negociação contratual peço, dou um caso de impasse na negociação e peço que liste qual seria a melhor solução, a segunda melhor solução e o que seria inaceitável. Porque o que eu quero saber é se a pessoa entende sobre alocação de risco, sobre capacidade estratégica de negociação. Simplesmente ele me dizer que “já negociou muito contrato” não me dá certeza de nada.

Outra praga que tem acometido uma série de candidatos é a dificuldade em expressar-se de forma concisa, resumida sobre os fatos que realmente importam. Porque não é possível que alguém com 15 anos de experiência ache que precisa falar em detalhes dos seus 6 meses de estágio num escritório minúsculo que pertencia ao tio. É nessas situações que o meu outro problema – falta de paciência – aparece novamente. Eu acabo tentando interromper, o que faço com certa dificuldade porque os candidatos às vezes mal param para respirar, e tento trazer a conversa para alguns pontos mais valiosos para a nossa discussão. Mas nem sempre eu consigo e lá vou eu para o desafio do “Candy Crush” outra vez.…

Mas o mais difícil mesmo, do ponto de vista de quem está contratando, é lidar com os próprios preconceitos. Aqueles pensamentos traiçoeiros que se escondem dentro da gente e ficam minando nossa maneira de ver o outro. Eu luto para tentar deixá-los de lado, mas nem sempre consigo e não saberia dizer se já perdi oportunidades de ter alguém bacana no meu time só porque a pessoa não se enquadrava na minha definição do bom profissional, que eu não vou revelar aqui para não dar dica de resposta “manjada” em entrevista. Mas é muito difícil todo esse processo e tenho a certeza de que já falhei, já deixei passar gente boa por causa de alguma bobagem.

Um dia vou me animar a escrever sobre as situações e respostas mais engraçadas ou irritantes dadas em entrevistas e prometo incluir algumas das perguntas mais estranhas que já me fizeram ou que me contaram, tudo parte da vida corporativa que vamos vivendo da melhor forma possível. Enquanto a inspiração para o novo artigo não vem (e nem a solução do “Candy Crush”), continuo tentando encontrar gente boa e interessante para trabalhar comigo.

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*Josie Jardim é diretora jurídica e integrante do grupo Jurídico de Saias.




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