Passado tanto tempo, fica mais fácil entender o que faltou nos nossos estudos e o que poderia ter sido objeto de mais dedicação, no curso de graduação em Direito. Num momento em que se discutem as grades curriculares nas faculdades, parece-me importante dividir esse assunto inquietante, sempre objeto de acirrado debate.
O primeiro ano na Faculdade de Direito mostra-se o mais frustrante, dada à conhecida fadiga do estudante pós-trauma do vestibular. Trata-se do momento em que se tem o orgulho de ter entrado na universidade, mas se encaram a sua desordem estrutural (e.g., greves), as péssimas bibliotecas e o pouco talento de alguns docentes. Cuida-se de um iniciar com decepção, pois, as primeiras aulas em nada cativam o calouro.
Na minha época, existiam as terríveis leituras, em classe, de Hans Kelsen e as aulas de sociologia, onde assuntos importantes eram trazidos, sem que a turma pudesse compreender o que dali seria útil ao futuro profissional do direito.
Não se vai objetar a relevância dos dois temas, afinal, o pensamento kelseniano serve para compreensão de como interpretar a norma jurídica e a sociologia convida o jurista a ver suas questões inseridas na sociedade de seu tempo.
Todavia, não se consegue entender o porquê de não se partir do começo, quer dizer, da introdução ao pensamento jurídico, da metodologia jurídica e da historia do direito. Isso, numa visão de conjunto, que permita o sujeito engatinhar pelo direito constitucional.
A consequência dessas ausências exibe-se a incompreensível pouca intimidade que alguns jovens advogados têm com direitos e garantias individuais. E, não há o menor cabimento, num mundo hoje globalizado, não se conhecerem tratados internacionais de direitos humanos, nem se ostenta razoável hesitar sobre o cabimento de writs para proteção de direitos postos em risco.
Essa observação não se limita àqueles vocacionados para o direito público, ou, em especial, para o direito penal, mas vale para todos profissionais que hão de enfrentar dúvidas de interpretação jurídica, com necessidade de pensar qual valor jurídico deve preponderar em determinada situação de fato.
Em realidade, o importante livro Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos anotado, coordenado por Flávia Piovesan, deveria ser como a Bíblia entregue aos seminaristas. Todos os estudantes de direito precisariam passar ao menos um semestre a examinar documentos internacionais e a discutir questões em torno dos direitos do Homem. Além da atualidade do debate, estar-se-ia a convidar o aluno brasileiro a pensar no direito comparado, a se perguntar sobre diferenças dos sistemas jurídicos e a se obrigar a aprender línguas estrangeiras.
Esse estudo dos direitos individuais teria, ainda, o condão de mostrar que o rol do artigo 5º, da Constituição da Republica, não exclui outros direitos individuais reconhecidos em tratados internacionais. Também, mostraria a sobreposição de princípios quando se examina a aplicação de uma determinada norma jurídica - algo que tem de ser incutido na mente do novel juiz de direito.
Com todo respeito, existem muitas bobagens ditas em matéria processual, em virtude da má-formação em direito constitucional e ao desconhecimento quanto a direitos humanos. Algumas visões, até mesmo de tribunais, acabam apequenadas quando se enxerga o ponto a contar da perspectiva dos direitos individuais. Fica aquela sensação de como as pessoas repetem a mesma ideia por anos, sem observar que os direitos individuais representam valores dinâmicos e que as interpretações anteriores, por exemplo, ao texto constitucional de 1988 acabaram por se tornar obsoletas.
Embora o Direito tenha sido construído, com séculos e séculos de acúmulo de conhecimento, é preciso apreender e saber destrinchar esse valioso material com olhos voltados a reconhecer, mais vezes e com a mais eficácia, a dignidade da pessoa humana nas relações sociais - o que vale para todos os ramos do Direito, para o direito privado, inclusive.
Convencer o estudante e o jovem operador do Direito a se dedicarem a tal tarefa constitui uma missão daqueles que almejam formar profissionais melhores, com mais aptidão para entender os dramas humanos.
I still have a dream.
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