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Ainda sobre as origens da Moda

Compreender as origens da Moda e alcançar seu conceito talvez seja investigar a própria noção de mundo atual.

23/7/2014

Frequentemente o artista percebe os ventos que sopram, vale dizer, as causas, as responsabilidades, os motivos, muito antes que qualquer outro cidadão” (Thomas Paine, “La Nuit de Varennes”, Ettore Scola)

Continuamos a falar sobre teorias que explicam a origem da Moda. Em artigo anterior, discorremos sobre as teorias do status. Falamos agora sobre outra: a teoria do “Zeitgeist”.

A expressão alemã “Zeitgeist” pode ser traduzida como espírito do tempo ou espírito da época. Embora usada anteriormente, é atribuída ao filósofo alemão Hegel (1770-1831), que fala em “Geist der Zeit”, como espírito do tempo e “Weltgeist”, como espírito do mundo. Para ele, seria uma espécie de forma cósmica que se materializaria historicamente, permitindo a formação da arte, da religião e da filosofia. Assim, a mentalidade, a vida social e os produtos culturais compartilhariam desse espírito comum e, a partir dele, se efetivariam em modos e obras.

Nosso objetivo não permite digressão mais aprofundada sobre a complexidade do termo num filósofo tão profundo quanto Hegel. Diz-se, em síntese, que paira no ar um conjunto abstrato de ideias que são captadas pelos indivíduos, fazendo-os pensar e agir de forma assemelhada num determinado período do tempo.

Com base em tal noção, o sociólogo americano Herbert Blumer (1900-1987), em seu artigo “Fashion: from class differentiation to collective selection” (publicado na revista Sociological Quarterly, v. 10, p. 275-291, 1969), apresenta a tese de que a Moda não advém de diferenciação de classes, mas de uma seleção coletiva. Diz ele, em tradução livre:

“Os esforços de uma classe de elite para colocar-se em apartado quanto à aparência tem lugar dentro do movimento da moda ao invés de configurar sua causa. (...) As pessoas de outra classe que conscientemente seguem a moda o fazem porque ela é a moda e não por conta do prestígio distinto de um grupo de elite. (...) O mecanismo da moda aparece não em resposta a uma necessidade de diferenciação ou emulação de classe, mas em resposta a um anseio de estar na moda, de estar a par do que parece ser bom, de expressar novos gostos, os quais emergem num mundo constantemente dinâmico”. (p.281/282)

Para Blumer, a origem da moda não estaria na diferenciação de classes ou na dialética entre universal e particular, mas em uma espécie de gosto coletivo, proveniente da dinâmica do mundo, que se materializaria nos modos de vestir-se e apresentar-se. A moda seria a apreensão material e, portanto, histórica, do espírito de uma época, quanto à sua produção cultural relacionada ao vestuário e objetos e modos ligados a este.

A diferença central para a teoria do status é que, nesta, a diferenciação de classes é colocada como causa anterior ao processo de formação da moda. Para a teoria do Zeitgeist, a moda é um processo no qual a elite também está envolvida, porém, teria condições de apropriar-se desse anseio abstrato comum mais rapidamente que as demais classes, mantendo-se em sintonia com seu tempo.

Enquanto teoria, ela se sustenta melhor, pois explica de forma mais adequada o problema da difusão da moda. Por outro lado, sua deficiência é apresentar um conceito, o de espírito do tempo, que não possui conteúdo semântico definido, compondo o que os linguistas chamam de lugar retórico comum. O que é o espírito do tempo? Seria o imaginário, o inconsciente coletivo, o espaço da cultura? A explicação disso é hoje um dos grandes problemas da psicologia social.

Soma-se que, em nossos “tempos hipermodernos”, como diz Lipovetsky, nos quais o consumo se insufla e se dispersa em todas as parcelas da vida social, baseado numa lógica hedonista, de busca desenfreada pelo prazer, como seria possível recolher o espírito do tempo? Se tudo o que era sólido se desmanchava no ar, hoje esse ar tornou-se rarefeito em demasia e é difícil respirá-lo.

Compreender as origens da Moda e alcançar seu conceito talvez seja investigar a própria noção de mundo atual e, para o Direito, enquanto relacionado à indústria da Moda, colocar em jogo toda sua estrutura de entendimento até o presente. Eis o grande desafio para o futuro fashion lawyer.

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* João Ibaixe Jr – advogado, escritor e produtor cultural, é Diretor-Presidente do Instituto Ibaixe e Vice-Presidente da Comissão de Estudos em Direito da Moda da OAB-SP.








 

* Valquíria Sabóia – editora do Blog Fashion Law VS, é Coordenadora Executiva da Comissão de Estudos em Direito da Moda da OAB-SP e Curadora do painel jurídico do Circuito de Moda e Arte.















 

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