Migalhas de Peso

Qual o papel o supremo tem a desempenhar?

Supremo precisa repensar seu papel institucional, fato que exigirá coragem para que se promovam reformas de ordem processual.

17/6/2014

Tomaremos por fio condutor a lição de GRAU1 no sentido de não haver uma “verdade dos fatos, porque os fatos que importarão na e para a construção” deste expediente “são aqueles recebidos/percebidos” por nós – o autor - e que “informarão/conformarão a produção/criação” do quanto se segue.

Em sua edição de número 3.383, veiculada aos seis dias de junho deste ano, Migalhas publicou editorial noticiando - mais uma vez - a aprovação pelo STF da Emenda Regimental 492, que alterou dispositivos do regimento interno da Corte, “transferindo do plenário para as turmas o julgamento de uma série de ações versando interesses individuais”, sinalizando assim os integrantes daquela Corte a necessidade “de que o plenário deveria ser reservado exclusivamente ao julgamento de questões constitucionais, afetas a toda a Nação.”

E observava ainda aquele editorial que

“no STF, desobstruído o plenário, urgem outras readequações que já estão sendo construídas, como uma eventual bipartição da sessão de julgamento, de modo que a sustentação oral tenha sua finalidade preservada; um certo lapso temporal para a devolução das vistas; e, por fim, não menos importante, um reestudo do instituto da repercussão geral que, conquanto nascido sob o império da celeridade, tem demonstrado algumas distorções.”

Ora, não é novidade o debate sobre a morosidade do Judiciário, pois desde os idos de 1966 e em diversos votos da lavra do saudoso Ministro Aliomar Baleeiro houve o enfrentamento de tal tema3 pela Corte Suprema.

Hoje, tendo à frente o papel protagonista4 exercido pelo STF, o assunto volta à carga com especial enfoque trazido no corpo do texto constitucional pela EC 45, de 8 de dezembro de 2004, com norma assegurando a todos, na esfera judicial e administrativa, “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação5.

E assim, a Corte Suprema de hoje , que não é o STF de ontem , necessita de fato repensar seu papel institucional, dinâmico e funcional que, por óbvio, exigirá coragem para que se promovam reformas de ordem processual, regimental e constitucionais a fim de viabilizar sua reclamada contribuição a conferir "eficiência e credibilidade à Justiça brasileira."8

Há o STF de exercer esse seu papel com sabedoria para evitar, como já alertava KAUFMANN, "o Tribunal transformar-se-á no principal artífice de uma espécie de ditadura do jurista que, obviamente, depõe contra os postulados democráticos e plurais que retoricamente são utilizados para ampliar a sua função institucional."9

Concluindo, cremos que fortalecendo sua estrutura e reforçando seus objetivos a Corte alcançará sucesso nesta espinhosa empreitada, cujo trajeto tortuoso e árido não permite tomar atalhos, mas, sim, reclama enfrentamento, disposição e serenidade para ser vencido, o que “pressupõe, como toda mudança, um período de crise e transformação. Na realidade, constata-se uma crise que não propriamente do Poder Judiciário, mas do Direito mesmo.”, conforme lições ministradas por BASTOS e TAVARES quatorze anos atrás10.

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1 "Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito". Eros Roberto Grau. 3ª ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2005, p. 33 (XII. O relato dos fatos)

2 DJE/STF, n. 108, p. 1 em 05/06/2014

3 "Memória jurisprudencial: Ministro Aliomar Baleeiro" AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006. – (Série memória jurisprudencial), pp. 44 – 47

4 "O STF tem hoje essa função precípua e assumiu um protagonismo bastante siginificativo ao abandonar uma parcela de seu papel jurisdicional de verdadeira quarta instância, para reconhecer-se o guardião da ordem constitucional." (NALINI, José Renato. “Tratado de direito constitucional, v. 1” coordenadores Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Válder do Nascimento. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 962)

5 Inciso LXXVIII do art. 5º da CF/1988

6 MIRANDA, Dalton Cesar Cordeiro de. “O Supremo Tribunal Federal e seu papel constitucional como ‘definidor’ de políticas públicas”. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 19. Vol 74. Jan-Mar./2011. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, pp. 357 -367

7 "(...). A neutralidade, tantas vezes apontada como sustentáculo da autoridade de uma instituição, servia também para construir a imagem – que não tardaria a expor suas consequências – de Tribunal sem papel político, que não se imiscui em assuntos que não estejam restritamente limitados à esfera de um julgamento jurídico. (...) Não há dúvida de que essa não é a única razão para uma atuação política tímida do Supremo Tribunal Federal em momento de impasse institucional, acanhamento esse que lhe retirou a envergadura e o peso político exigidos em momentos de abuso do exercício do poder (...).” (KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira. “Memória jurisprudêncial: Ministro Ribeiro da Costa” – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2012, p. 51)

8 op.cit. NALINI, José Renato, p. 963

9 "Direitos Humanos, Direito Constitucional e Neopragmatismo". Rodrigo de Oliveira Kaufmann. Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB. Maio de 2010. “in” https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/9165/1/2010_RodrigodeOliveirakaufann.pdf, acessado em 06/06/2014

10 "As tendências do direito público no limiar de um novo milênio". Celso Ribeiro Bastos, André Ramos Tavares. – São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 157 - 166

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*Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é consultor do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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