Migalhas de Peso

A inconstitucionalidade da contribuição social prevista no art. 1º da LC 110/01

Três questões supervenientes e não analisadas pelo STF tornam essa contribuição social violadora da Carta Federal.

6/5/2014

Seguindo a clássica doutrina tributária, já definiu o STF em inúmeras oportunidades que as contribuições sociais são espécie tributária cujo fundamento de validade encontra-se vinculado à finalidade prevista tanto na CF, quanto nas normas legais que as estabelecem.

De acordo com esses ditames, o art. 1º, da LC 110, de 29 de junho de 2001, instituiu a contribuição social nas hipóteses de demissões de empregados sem justa causa, devida pelo empregador e calculada à alíquota de 10% sobre a totalidade “dos depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), durante a vigência do contrato de trabalho, acrescidos das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.”

Referida contribuição social, conforme exposição de motivos do projeto que deu origem à LC, destinava-se à recomposição dos expurgos inflacionários das contas vinculadas do FGTS no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de abril de 1989, e no mês de abril de 1990.

Assim, foi criado pelo Governo Federal um mecanismo temporário para equilibrar as contas do FGTS, com o estabelecimento de um adicional de 10% nos casos de demissões sem justa causa, percentual esse que não era revertido ao trabalhador, que continuava a receber os 40% de multa rescisória sobre os depósitos realizados durante seu contrato de trabalho. Em outras palavras, os empregadores, no momento das demissões, passaram a contribuir com uma alíquota total de 50% sobre os depósitos realizados nas contas vinculadas do FGTS, dos quais 40% eram destinados às indenizações para os trabalhadores e 10% para saldar o citado déficit do fundo com os expurgos inflacionários.

A lei complementar foi objeto de apreciação pelo STF nos julgamentos das ADIns 2.556/DF e 2.568/DF, tendo sido declarada constitucional essa verdadeira "convocação da sociedade" para contribuir com a saúde financeira do FGTS, desastrosamente afetada por planos econômicos (Planos Verão, Collor I etc.). Julgou-se inconstitucional apenas e tão somente a possibilidade de cobrança da exação no mesmo ano de sua instituição, por ofensa ao princípio da anterioridade.

Ocorre que três questões supervenientes e não analisadas pelo STF nas referidas ADIns tornam essa contribuição social violadora da Carta Federal.

A primeira delas refere-se justamente à finalidade de sua instituição. Segundo manifestações públicas do Poder Executivo e do Congresso Nacional, a recomposição dos expurgos inflacionários das contas vinculadas do FGTS foi atingida em dezembro de 2006, possuindo o Fundo, desde então, capacidade econômico-financeira para suportar, com recursos próprios, a totalidade das despesas atuais e pretéritas com os complementos de correção monetária. Portanto, desde o fim do ano de 2006 não se pode exigir uma contribuição social cuja finalidade originalmente atrelada à sua instituição está exaurida.

É dizer: sendo a obrigação em questão ex lege, a própria lei instituidora da exação ? na qual, por óbvio, deve basear-se a análise acerca da legitimidade de sua cobrança, considerado o aspecto da exigência, na prática, dos valores devidos pelos contribuintes ? fixou um parâmetro balizador quanto ao seu fundamento primário de validade, centrado em aspecto temporal definido em razão, precisamente, do tempo necessário à recomposição do equilíbrio do Fundo, abalado por efeito dos expurgos inflacionários verificados quando da edição dos diversos planos econômicos.

Desta forma, a partir do início da cobrança passou-se a experimentar progressivo esgotamento de tal fator legitimador, na medida em que as perdas iam sendo recompostas. Até que, ao final, em dezembro de 2006, como já dito, a pretendida equalização financeira foi atingida, esgotando-se a própria "razão de ser" da contribuição em questão.

Pode-se argumentar até mesmo com o princípio da segurança jurídica, em sua vertente de proteção da confiança dos cidadãos nos atos do Poder Público, especificamente, no caso, em ato legislativo claramente vinculado a um fundamento legitimador que, por sua própria natureza, esvair-se-ia no tempo, até esgotar-se ? como de fato se esgotou ? por completo.

A segunda mácula dessa contribuição social à Constituição está no atual desvio de sua finalidade. Isto porque desde 2011 o Governo deixou de repassar toda a arrecadação do tributo às contas do FGTS, mantendo os recursos para si, a fim de aumentar seu superávit. E realizando o desvio do produto dessa arrecadação para finalidade diversa daquela constitucional ou legalmente prevista pelas normas instituidoras da exação, afetada está a própria obrigação tributária.

Como já noticiado pelo Migalhas em 25.7.13 (clique aqui), a presidente Dilma Rousseff vetou, na íntegra, o PLC 200/12, que extinguiria essa multa remanescente de 10% sobre o saldo do FGTS, sob o argumento de contrariedade ao interesse social, pois a “medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida”. Deve ser acrescentado que a própria Presidência da República apresentou no Congresso Nacional, em 2013, o PLC 328, o qual prevê a destinação do produto da discutida contribuição para o Programa Minha, Casa Minha Vida a partir de janeiro de 2014, se o texto tivesse sido aprovado, o que de fato não ocorreu. Veja-se, portanto, que o Pode Executivo é “réu confesso” no sentido de que está utilizando a arrecadação da contribuição social prevista no art. 1º da LC 110/01 para fins diversos daqueles estabelecidos quando de sua instituição.

Por fim, e como terceira ofensa ao texto constitucional, deve-se destacar a alteração do art. 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, introduzida na CF pela EC 33/01, que restringiu a materialidade das contribuições sociais gerais e das contribuições de intervenção no domínio econômico, nas hipóteses de alíquotas ad valorem:

1) ao faturamento;

2) à receita bruta;

3) ao valor da operação; ou

4) ao valor aduaneiro.

Assim, em nenhum desses conceitos se encaixa a “totalidade dos depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), durante a vigência do contrato de trabalho, acrescidos das remunerações aplicáveis às contas vinculadas”, como previsto no art. 1º da LC 110/01. Trata-se, pois, de uma clara “inconstitucionalidade material superveniente”, já que a EC 33/01 é posterior à citada LC.

Por essas razões, esse adicional de 10% sobre o saldo das contas do FGTS pagos pelos empregadores nos casos de demissões sem justa causa deve ser tido, atualmente, como inconstitucional, razão pela qual a Confederação Nacional do Sistema Financeiro Nacional – CONSIF, a Confederação Nacional do Comércio – CNC e a Confederação Nacional da Indústria – CNI ajuizaram novas ADIns perante o STF, autuadas respectivamente sob os números 5.050, 5.051 e 5.053, todas sob relatoria do ministro Roberto Barroso que, embora tenha aplicado o rito abreviado, ainda não as levou a julgamento pelo plenário da Corte.

Enquanto essa apreciação pela Suprema Corte não ocorre, possíveis são os ajuizamentos, pelos contribuintes, de ações declaratórias de inexistência de relação jurídico tributária, bem como repetições de indébito / ações compensatórias dos valores recolhidos nos últimos 5 anos.

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*Felipe Adjuto de Melo é advogado militante em Brasília e sócio da Advocacia Daniela Teixeira. Especialista em direito tributário e finanças públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

*Evandro Catunda de Clodoaldo Pinto é advogado militante em Brasília. Especialista em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas.

 

 

 

 

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