Notícias neste prestigioso Migalhas, do dia 8/4/14 nos deram conta que a Receita Federal passou a equiparar os bitcoins a ativos financeiros para o fim de sua informação como "outros bens" nas declarações de bens e, quando for o caso, objetivando o pagamento do imposto correspondente pelos seus titulares. A notícia não diz, mas parece que a Receita não aceitará pagamento em tal "moeda", mas apenas no nosso não muito velho, mas já bem conhecido real.
Mas, afinal de contas, o que é um bitcoin? Para simplificar a explicação, trata-se de uma moeda eletrônica que foi criada no ambiente virtual e que nele circula.
Suponhamos que este autor desejasse criar uma moeda dessa espécie, à qual desse o nome de bitduclerc. Assim sendo, eu anuncio no mercado que emiti um bilhão de bitduclercs e que aceito fazer negócios os dando em pagamento. Já que tal moeda seria virtual, naturalmente os bens a serem comprados também deveriam ter a mesma característica e, de tal forma, eu teria apenas criado mais um joguinho do tipo banco imobiliário, embora eletrônico.
Não é essencial para tal fim, mas eu poderia fazer outra coisa, para dar maior credibilidade à moeda da minha invenção. Se eu tivesse, eu poderia separar um bilhão de reais (patrimônio de afetação) e os destinaria como capital do meu banco eletrônico, fazendo um registro em cartório. Isto seria o lastro da minha nova moeda.
Mas o meu interesse é fazer negócios no mundo real, dando em pagamento a minha moeda eletrônica, mais ou menos a mesma coisa que a Coréia do Norte procura fazer com o que quer que seja usado como moeda naquele país fora da curva, em palavras da moda.
Digamos que eu ache pessoas interessadas em fazer negócios comigo, dada a facilidade operacional, que leva a pagamentos e recebimentos instantâneos, sem fronteiras e sem regulação. Basta que as partes passem a ter confiança umas nas outras, o que dependerá de muitos fatores. E isto parece já ter acontecido, pois se teria formado um mercado da ordem de bilhões de bitcoins.
Considerando que viesse a existir um mercado de bitduclercs, então eu poderia comprar qualquer coisa do mundo físico usando-os em pagamento. Mas o pressuposto seria o estabelecimento de uma taxa de câmbio entre a minha moeda e as do mundo real, uma vantagem considerável, especialmente se ela viesse a evoluir para a categoria moeda conversível, isto é, aceita em todos os mercados do mundo.
Dado um sistema de câmbio flutuante, como seria o do Brasil (tem que ainda acredita em contos da carochinha), o mercado estabeleceria a taxa, que mudaria conforme diversos fatores, inclusive o humor dos governantes; o resultado de campeonatos internacionais; a escalação de um candidato a presidente; um PIBÃO; ou um pibinho, etc.
Cabe uma perguntinha indigesta? Onde estarão depositados os meus bitduclercs? A resposta é simples, numa conta que eu mesmo abri e que eu mesmo administro no Banco Eletronico Duclerc (fora da esfera de atuação do Banco Central do Brasil), fazendo lançamentos a débito e a crédito conforme os negócios efetuados. O meu ganho estará em dois momentos: (i) no lucro que eu tiver ao comprar um bem no mundo real pagando em bitduclercs e na venda por preço mais elevado, de volta ao mundo físico pela mesma moeda. Isto tem o nome de arbitragem. feita entre mercados diversos.
Mas suponhamos que eu não tenha cabeça para negócios e aplique boa parte do meu dinheiro no mundo real no ramo do pré-sal, ou empreste para certos países que andam para lá de inadimplentes aqui pela América Latina. Neste caso eu terei um grande prejuízo em real, dólar, ou seja lá o que for e não terei condições de retornar para o meu banco de bitduclercs a mesma quantidade que saquei nele. Então eu não serei capaz de honrar minhas obrigações em tal moeda eletrônica. Se a coisa chegar a um nível extremo, meu banco quebrará e a minha moeda passará a se chamar bitconceição, que, pelo que eu me lembro muito bem, onde está ninguém sabe, ninguém viu.
Mas o inverso poderá ter o mesmo desfecho. Eu perco a maior parte dos meus bitduclercs em maus negócios no mundo eletrônico e eu e os meus credores estaremos quebrados no mundo real.
Poderia demorar um pouco mais, mas já que eu sou muito burro para negócios – não façam mal juízo de mim pensando que eu cedi à tentação e saquei todo o meu lastro em moeda real e me mandei para um país que não tem acordo de deportação com o Brasil – é que eu não era mesmo do ramo mercantil, um verdadeiro Rei Midas ao contrário, que quebraria de qualquer jeito.
Um fator relevante quanto aos meus bitduclercs é que eles não têm valor forçado, pois não são moeda emitida pelo Estado, de sua responsabilidade. Desta forma, sua aceitação não pode ser determinada por um juiz e se dará como o cartaz no caixa das padarias: "Não aceitamos cheques... nem bitduclercs". Somente os aceita quem assim desejar, sob o seu próprio risco.
Os economistas que me digam se essa invenção tem alguma base econômica, e se ela seria uma expressão da famosa criatividade dos comerciantes, que vem desde a Idade Média. Eu estou perplexo. Por enquanto sinto o forte cheiro de uma corrente da felicidade, na qual os primeiros serão os primeiros e os últimos os últimos mesmo, que ficarão vendo os navios carregados de bitcoins afundando no oceano distante, sem qualquer possibilidade de resgate.
Tudo bem. Alguém já disse que a coisa mais difícil do mundo é manter um trouxa junto do seu dinheiro.
E cá para nós, Dona Receita, qual a cotação pelo qual eu deverei declarar os meus bitduclercs se um dia os emitir, para fazer a minha declaração? Um por um não dá, não é verdade? Seria covardia, um verdadeiro caso de expropriação descarada.
Ah, sim, e o que têm os bitcoins com a "velocidade de 'dobra'"? Fácil. Se o capitão Kirk acerta todas as vezes que engata a marcha de sua nave para alcançá-la e assim chegar ao outro lado do universo, duvido que o mesmo aconteça com tal moeda. Mais fácil será ela bater de cara com a lua ou bem mais perto, no Pico do Jaraguá quando lançada aqui de São Paulo.
_______________