Em meio ao desencontro de impressões e opiniões desencadeado pelo fenômeno do chamado "rolezinho" (muito curioso inclusive nesta denominação tão sugestiva) destaca-se a análise de James Holston, professor da Universidade da Califórnia, que tem ligações familiares com o Brasil e passa temporadas em São Paulo. Seu ponto de vista, bastante maduro e sem traço de improvisação, foi publicado em entrevista na Folha de S.Paulo, em 19 de janeiro deste ano, assinada por Eleonora de Lucena.
Antropólogo, estudioso dos movimentos na periferia de São Paulo, Holston começa por lembrar que os rolezinhos existem há tempos. "A diferença foi o número de pessoas. Deu medo nos lojistas. Passear, brincar, paquerar nos shoppings se politizou agora por causa da repressão policial e das reações dos donos de shoppings."
O rolezinho, no começo manifestação inocente, "agora virou movimento, uma expressão de conquista de espaço." Como classificar esse novo papel agora representado pela juventude suburbana? O antropólogo americano tem a palavra que lhe parece a mais adequada: "cidadania insurgente". A terminologia é forte e contundente. Não obstante, para mostrar como o tema é delicado, contraditório e ambíguo, o entrevistado apressa-se em declarar que "a rapaziada dos rolezinhos não quer ser politizada em demasia." Seu negócio é outro: "Querem voltar à praia do shopping para paquerar, zoar." Quase o fenômeno do "señorito satisfecho" mencionado por Ortega em "A rebelião das massas" (digo "quase").
Como se vê, esta entrevista não é de amador. O conceito de "cidadania insurgente" , na minha opinião, pode ser generalizado a todo tipo de cidadania emergente. Aplica-se a todos os povos que enfrentaram o poder absoluto das monarquias, lutando por liberdade e justiça. Assim na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França a partir da Revolução de 1789. A cidadania insurgente no caso das revoluções assume um perfil dramático, sanguinário e radical, guiado pelo mandamento escatológico "fiat justitia pereat mundus" (faça-se justiça e que o mundo se acabe).
A diferença do rolezinho é que este é um movimento descontraído, sem violência intrínseca nem dramatismo, risonho, sem ideologia, mas essencialmente lúdico e irresponsável. Tanto espírito lúdico, na medida em que se traduz em irresponsabilidade, faz desses jovens grupos indefesos, sujeitos a infiltrações estranhas dedicadas ao vandalismo ou à politização demagógica. E é aí que mora o perigo. Não nos participantes em si, mas nos possíveis desvios e perversões do objetivo inicial.
Chegou a hora de trocar a cega repressão pela diplomacia de sintonia fina por parte dos lojistas e das autoridades. O risco faz parte necessária de todas as inovações sociais.
Outra contribuição inteligente para colocar no devido lugar a súbita irrupção da juventude nos shoppings é o artigo publicado no Estadão, naquela mesma data, pelo escritor José Garcez Ghirardi, Footing Cibernético. Ghirardi é intelectual de ampla formação humanística, autor de um ensaio notável sobre a dramaturgia de Shakespeare, O mundo fora de prumo (Almedina, 2011).
Em sua notável reflexão vamos nos limitar à citação do trecho mais interessante e original, que encara por ângulo diverso os passeios no shopping de nossa juventude menos dourada. Motivo subjacente? Simplesmente, este: o tédio da linguagem virtual própriada Internet. Senão vejamos: "o rolezinho – escreve Ghirardi no artigo - , versão atualizada do footing na praça do coreto, é o momento em que os relacionamentos virtuais se tornam, finalmente, presenciais." Quer dizer, o tédio do virtual move a juventude a ir ao encontros das pessoas e das coisas ao vivo e em cores. "Olha, vocês estão aí, e nós estamos aqui, na sua frente!" Percepção muito bem bolada.
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