Migalhas de Peso

Teofilândia: Mega X Fórum

Na cidade onde vários ganharam a "mega da virada", a riqueza parece ter passado longe das portas do Judiciário : as instalações são precárias, sem segurança, "sem juiz, sem promotor e sem defensor público".

8/1/2014

O município de Teofilândia, situado no nordeste da Bahia, foi criado em 1962 e, atualmente, tem pouco mais de 22 mil habitantes. Recentemente foi manchete na imprensa falada e escrita em todo o Brasil face à aposta da Mega Sena da Virada, que distribuiu mais de 200 milhões entre quatro apostadores; um deles foi resultado de um bolão envolvendo 22 funcionários do hospital municipal de Teofilândia.

Os ganhadores desapareceram, temendo sequestro, vez que a cidade não oferece segurança. Aliás, os jornais divulgaram queixa do delegado de polícia, alegando a falta de pessoal na delegacia, vez que dispõe de apenas dois agentes e um escrivão.

Semelhante é a situação do Judiciário em Teofilândia e em todo o interior do Estado.

A imprensa enfatizou os números da produtividade dos tribunais de Justiça e a Bahia é colocada em péssima posição, servindo a comarca de Teofilândia como amostragem para explicação do baixo rendimento dos juízes baianos.

Não há fórum e a prestação dos serviços da justiça ocorre em uma casa velha, estragada, pequena e mal conservada, com telhado antigo, gambiarra na parte elétrica, sem higiene, sem salão para júri, sem a mínima segurança para os magistrados, para os servidores e para a guarda dos processos, dos documentos e dos bens apreendidos; dispõe de poucos cômodos, transformados em cartórios, sendo que um deles, o do registro civil, funciona na antiga garagem da casa. Mas não fica por aí a desventura da comarca, espelho de muitas outras, porque continua sem juiz, sem promotor e sem defensor público.

O quarto que acolhe o cartório dos feitos cíveis é pequeno, em torno de oito metros quadrados, insuficiente para movimentação das duas servidoras, onde deveria ter um escrivão, dois subescrivães, cinco escreventes e dois oficiais de Justiça, num total de dez; e mais, a maioria dos cartórios judiciais não tem titulares e são ocupados, da mesma forma que os extrajudiciais, por escreventes; tudo provisoriamente há mais de cinco, dez anos; os feitos estão amontoados em armários, mesas velhas e até no chão. Tramitam na comarca mais de 3.500 processos. O mesmo destino é reservado para o cartório criminal, que funciona em sala idêntica e não difere das unidades notariais e registrais.

A importância dessas serventias é significativa, porque oferece ao cidadão a garantia de fé pública, a redação técnica e a perpetuidade de documentos registrados, além de arquivo seguro dos atos jurídicos praticados. Toda essa importância é desmantelada, na medida em que, nos cartórios judiciais e extrajudiciais do interior, as goteiras, a umidade, as traças e os cupins, dilapidam boa parte do patrimônio histórico e cultural. Comarcas que guardam documentos de alta importância, a exemplo de Caetité e Cachoeira de São Felix, têm livros esfarelados pela ação das traças e pelo descuido dos órgãos competentes. Pouco valeu a ação da corregedoria das comarcas do interior, pois o mosteiro de São Bento não se mostra em condições de recuperar rapidamente os farelos dos livros destruídos.

A delegação, que seguiu à privatização, ocorrida em 2012, ainda não chegou em Teofilândia, assim como na maioria dos cartórios extrajudiciais do Estado, porque o titular desta ou daquela unidade não aceitou a incumbência em virtude das exigências e o TJ não realizou concurso público para provimento das inúmeras vagas.

O cidadão deve ter ciência de que não recebe bons serviços dos ofícios e serventias da Justiça, porque falta pessoal, material de trabalho, e às vezes até telefone e internet; muitos cartórios, a exemplo de alguns de registro civil com funções notariais, funcionam na casa do servidor ou deslocados para as sedes das comarcas, dificultando enormemente a vida dos moradores da zona rural da Bahia.

Diante desse quadro, qual o estímulo oferecido ao servidor que busca ascensão funcional? Não há incentivo e muito menos atenção para a atividade dessa gente sofrida que se obriga a trabalhar sem as mínimas condições. Já dissemos que muitos servidores da Justiça da Bahia estão submetidos a verdadeiro regime de escravidão. Depois de concursados assumem as comarcas sem nenhuma orientação e a fiscalização aparece para punir ou cobrar produtividade.

Não fora a ajuda dos municípios, que tem disponibilizado funcionários do seu quadro para as comarcas, certamente a Justiça do interior já teria fechado as portas, pois o último concurso realizado data de mais de sete anos.

Grande parte dessa gente descuida de sua saúde, de sua família, sacrifica o lazer para atender à mãe aflita que perdeu seu filho e precisa do documento para sepultá-lo, ao cidadão que busca reconhecer firma ou registrar documento, ao empresário que questiona negativação indevida de seu nome e em tantas outras situações.

A frustração, o nervosismo, a depressão, problemas na coluna são males adquiridos no desempenho da atividade funcional e originam-se da sobrecarga de trabalho dos poucos servidores que ainda restam nos cartórios; o desagaste físico é suportado à base de medicamentos. São transformados em máquinas de trabalho, mas ainda assim, não tem condições para evitar as filas ou o atraso na prestação dos serviços judiciais.

Esse é o retrato da comarca de Teofilândia, que não difere muito da de Presidente Jânio Quadros, de Abaré, de Paratinga, de Luis Eduardo, de Dias Davila, de Camaçari e de tantas outras.

E esse é o testemunho de quem, antes de aposentar-se, como corregedor das comarcas do interior, tendo visitado todas as comarcas da Bahia, denunciou tais absurdos à presidência do TJ e ao CNJ, noticiou esses fatos deprimentes aos desembargadores e ao colégio de corregedores do Brasil, através de vários pronunciamentos; enfim, fez-se tudo que podia, mas deixou o cargo sem o alívio de ver saneado o drama do cidadão, do advogado, do servidor e dos juízes.

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador aposentado do TJ/BA.

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