Apesar da expressiva significação desse tributo, vez que atinge grande número de brasileiros e de valor bastante elevado, segunda maior arrecadação dos Estados, R$ 26.910 bilhões em 2012, não se tem emprestado maior atenção à sua cobrança, motivando abusos por parte do agente arrecadador, responsável pela prática de ilegalidades, como ocorre no campo tributário de maneira geral.
A inadimplência no pagamento do IPVA não pode implicar em apreensão do veículo e impedimento para expedição de licenciamento, da mesma forma que a inadimplência no caso do IPTU não conduz a apreensão do imóvel ou obstáculo para deferimento do alvará de licença para construção.
Apesar disso, o CTB, § único, art. 271, estabelece que a restituição dos veículos removidos somente acontecerá depois do pagamento das multas, taxas e despesas, em colisão direta com a CF que veda a utilização do "tributo com efeito de confisco"; desrespeita o CTN (LC 5.172/66), que não previu a existência nem a possibilidade de ser instituído esse imposto. Com efeito, a Constituição atual, art. 146, III, a) determina expressamente que cabe à lei complementar "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre" "a definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;".
A ação abusiva do Estado ainda viola princípios como a razoabilidade, fundamentalmente o fato de conceder a executoriedade para a cobrança de eventual crédito não inscrito na dívida ativa, providência indispensável para gozar de validade prévia para a exigibilidade de seu pagamento, conforme prevê a lei 6.830/80; desrespeita decisões do STF que assegura ser "vedado ao poder público criar medidas alternativas de cobrança de crédito tributário, que, diante da inadimplência do contribuinte, impeçam de forma desarrazoada e desproporcional o exercício de sua atividade profissional lícita…".
Esse posicionamento dos agentes estatais de submeter o contribuinte ao constrangimento de apreensão do carro e liberação somente depois de pago o valor do IPVA, além de outros abusos é manifesta aplicação da justiça com as próprias mãos, prática corrente na Idade Média.
A situação torna-se mais grave quando se sabe que alguns Estados chegam a inscrever o inadimplente no CADIN por dívidas, às vezes, prescritas ou inexistentes, a exemplo da cobrança do imposto sobre carro roubado. E o contribuinte, para evitar maiores dificuldades de contratação de advogado, morosidade da Justiça, prefere pagar, mesmo sabendo da arbitrariedade cometida.
A existência de dívida perante os órgãos públicos deve implicar no ajuizamento da ação cabível, através das procuradorias e departamentos jurídicos, mas nunca na apreensão arbitrária, na inscrição indevida em órgão de maus pagadores ou no impedimento da atividade do contribuinte.
O Estado, entretanto, através da arbitrariedade administrativa de seus governantes e sem que haja reação do contribuinte, que já se acostumou com tais abusos, autua, guincha, apreende, leiloa o veículo para apossar do valor da dívida.
Outra ilegalidade, que já se tornou comum, é o arbitramento aleatório do valor do veículo, obedecendo a tabela nacional que não representa a realidade do município e muito menos observa as peculiaridades de cada carro, a exemplo da depreciação, da desvalorização em virtude de batida para fixar o valor para efeito de cálculo; essa avaliação pode ser contestada, se o valor atribuído ao carro não condiz com o mercado, mas o cidadão também opta por pagar, porque sabe das dificuldades que terá no ajuizamento de ação judicial contra o Estado.
Outro questionamento reside na incidência do imposto somente sobre carros e motos, sem alcançar o bolso de todo cidadão que possui um veículo automotor, como é o caso da aeronave, do helicóptero, das lanchas e dos iates.
Sabe-se que o Brasil conta com a terceira maior frota de aviação do mundo, mas seus proprietários são beneficiados, porque não pagam IPVA. RJ, SP, AM e outros Estados obrigaram, através de leis, aos proprietários de aeronaves e embarcações, que, induvidosamente, são veículos automotores, a pagarem o IPVA, todavia, o STF entendeu ser inconstitucional as leis estaduais, sob o argumento de que esse imposto só é possível para quem possui veículos automotores terrestres, vinculando o imposto com a Taxa Rodoviária Única. Os doutrinadores entendem que houve confusão entre veículos terrestres e veículos automotores. Assim, até que haja definição sobre a PEC dos jatinhos o IPVA incide somente sobre carros e motos.
A PEC é de autoria do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, que muito apropriadamente e depois do pronunciamento do STF, tornou-se necessária para reparar a injusta isenção dos proprietários de aeronaves e embarcações. O Dieese - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos estima a arrecadação de R$ 2,5 bilhões ao ano, caso seja aprovada referida EC.
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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior.