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Os limites da atuação do Fisco em face da confidencialidade em arbitragem

A questão atinente à legalidade da atuação do Fisco é controvertida, sendo conveniente que as partes contratantes estejam atentas às próximas manifestações do Poder Judiciário sobre o tema.

17/12/2013

Foi amplamente noticiada na imprensa a liminar recentemente concedida pela 4ª vara Federal de São Paulo no âmbito de mandado de segurança1 impetrado pela CCBC - Câmara de Comércio Brasil-Canadá com vistas a reprimir ato praticado pela Delegacia da Receita Federal, que requisitou a apresentação de documentos e informações relativas a procedimentos arbitrais em curso perante a citada câmara, sob a justificativa de verificar possíveis irregularidades fiscais.

De acordo com a referida decisão liminar, o árbitro deve atuar com discrição, como impõe o § 6º do art. 13 da lei de arbitragem, o que o obriga a manter sigilo sobre os fatos (e documentos) envolvidos na demanda. Além disso, o Regulamento de Arbitragem e Mediação da CCBC atribui caráter sigiloso ao processo arbitral e veda expressamente a divulgação de informações obtidas em decorrência da participação na arbitragem.2 Por tais razões, foi concedida a liminar requerida pela CCBC, para que a autoridade coatora se abstenha de exigir quaisquer documentos protegidos por sigilo profissional ou cláusula de confidencialidade. Atualmente, a liminar se encontra suspensa, por determinação do TRF da 3ª região, até o julgamento de recurso interposto pelo Ministério Público Federal.

A disputa entre o Fisco e a CCBC é apenas um dos casos dessa natureza de que se tem notícia3 e ilustra discussão que merece atenção, a saber: quais os limites da atuação da Receita Federal no sentido de obter informações de processos arbitrais? Seria possível que a Receita Federal obtivesse informações relativas a processos arbitrais mesmo quando (i) as partes contratam cláusula de confidencialidade e/ou (ii) os litígios são submetidos a câmaras que preveem sigilo em seus regulamentos?

Como se sabe, a possibilidade de convenção de cláusula de sigilo é uma das vantagens da arbitragem como forma de resolução de conflitos, especialmente para companhias que não têm interesse em divulgar ao público em geral informações que possam ter impacto no seu nicho de mercado ou na cotação de suas ações. A pretensão investigatória do Fisco, portanto, põe em risco esse importante fator atrativo da arbitragem.

Outro argumento invocado pela decisão mencionada – e no qual também esbarraria a solicitação de documentos do Fisco – é no sentido de que as câmaras arbitrais investigadas não integram o rol previsto no art. 197 do Código Tributário Nacional, que elenca as entidades obrigadas a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação a bens, negócios ou atividades de terceiros.4

A Lei de Arbitragem não determina expressamente a confidencialidade na arbitragem5 (seja pelas partes ou pelas cortes arbitrais), ficando tal deliberação a critério das partes, que podem optar pela inclusão de cláusula de sigilo. Nesse sentido, ao suspender a eficácia da liminar até decisão final no recurso contra ela interposto, o TRF da 3ª região, além de invocar a obrigação acessória dos contribuintes de prestar informações no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos, na forma do art. 113, § 2º, do CTN, asseverou que a lei de arbitragem não prevê o sigilo sobre o procedimento.

A despeito dos rumores acerca da possível inclusão, no projeto de reforma da lei de arbitragem, de norma instituindo o sigilo como regra em processos arbitrais,6 assim como ocorre em outros países, a comissão de juristas responsável por sua elaboração optou por manter a sistemática da lei em vigor.7

De fato, nem todas as leis estrangeiras de arbitragem preveem expressamente a confidencialidade nos processos arbitrais.8 No entanto, os regulamentos de diversas câmaras arbitrais nacionais e internacionais já a consagram,9 o que certamente contribui para a captação de partes interessadas em impedir a divulgação de informações sobre seus litígios.

Vê-se, portanto, que a questão atinente à legalidade da atuação do Fisco é controvertida, sendo conveniente que as partes contratantes estejam atentas às próximas manifestações do Poder Judiciário sobre o tema.

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1 Processo nº 0012499-73.2013.4.03.6100.

2 Nesse sentido, vide artigo 14 do Regulamento em vigor.

3 Outras câmaras arbitrais também vêm sofrendo fiscalização da Receita.

Vide: https://www.valor.com.br/legislacao/3262754/receita-nao-pode-fiscalizar-arbitragem.

4 Vale ressaltar que, mesmo no que toca a tais entidades, o parágrafo único do dispositivo ressalva a prestação de informações quanto a fatos resguardados por segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

5 Existem autorizados juristas, contudo, que sustentam (i) que a confidencialidade constitui dever lateral das partes contratantes, como corolário da boa-fé objetiva que deve pautar as relações privadas e (ii) que, ao determinar a atuação do árbitro com discrição, a lei estaria a impor o sigilo relativamente aos fatos envolvidos na causa.

6 Veja-se:https://www.valor.com.br/legislacao/3262756/juristas-pretendem-incluir-sigilo-em-lei.

7 Vide íntegra do anteprojeto, disponível em https://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=137553&tp=1

8 Entre os países com maior tradição em arbitragem, as normas específicas de Alemanha, Inglaterra, Suíça e Estados Unidos não têm disposição expressa. A lei francesa, por sua vez, previu a confidencialidade nos processos arbitrais, salvo convenção em contrário (ver parte final do art. 1.464 do Código de Processo Civil francês, que tem um Livro específico para arbitragem).

9 Com destaque para os regulamentos da CCBC, CIESP, CBMA e CAMARB, no âmbito nacional; e ICC, Swiss Chambers of Commerce e LCIA, no âmbito internacional.

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* Marcelo Levitinas é advogados do escritório Lobo & Ibeas Advogados.

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* Renato Ferreira são advogados do escritório Lobo & Ibeas Advogados.

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