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O que todo empresário precisa saber sobre propriedade intelectual

Empresas de todo o mundo estão valorizando cada vez mais seus direitos de propriedade intelectual. Marcas, patentes e direitos autorais, que muitas vezes nem eram reconhecidos como ativos, têm sido objeto de avaliações e reavaliações, com reflexos importantes no balanço das empresas.

8/12/2005


O que todo empresário precisa saber sobre propriedade intelectual


Leila R. V. Gonçalves*

Ana Gabriela Kurtz*


Introdução

Empresas de todo o mundo estão valorizando cada vez mais seus direitos de propriedade intelectual. Marcas, patentes e direitos autorais, que muitas vezes nem eram reconhecidos como ativos, têm sido objeto de avaliações e reavaliações, com reflexos importantes no balanço das empresas.

No Brasil, até há poucos anos atrás, a propriedade intelectual era relegada a um segundo plano. As empresas, as universidades e os centros de pesquisa não tinham a preocupação em proteger invenções, que eram logo divulgadas em renomadas publicações internacionais. A divulgação desse conhecimento assegura reconhecimento profissional para os inventores, mas quase nenhum retorno financeiro. Esse comportamento vem mudando, mas ainda há muito a evoluir no sentido de criar uma cultura de proteção e exploração comercial da tecnologia gerada em nosso País e, com isso, propiciar um sustentável ciclo de desenvolvimento.

Há, ainda, o outro lado da questão. Além de procurar proteger e explorar seus próprios direitos de propriedade intelectual, as empresas e inventores precisam tomar precauções para evitar, mesmo que involuntariamente, infringir direitos de terceiros, sujeitando-se a sanções civis e penais. E sempre é bom lembrar que ninguém pode se eximir de pena alegando desconhecimento da Lei.

Nesse sentido, temos verificado que a luta contra os diversos tipos de infração aos direitos de propriedade intelectual, conhecida como Pirataria, e contra a concorrência desleal, estampa o noticiário quotidianamente, e deve se intensificar com a constante ameaça de sanções por outros países e organismos internacionais.

Vamos apresentar, a seguir, alguns tópicos sobre o assunto, os quais todo empresário precisa saber.

1. - O que são direitos de Propriedade Intelectual?

Os direitos de Propriedade Intelectual compreendem os (i) Direitos de Propriedade Industrial (marcas, patentes, modelos de utilidade, desenhos industriais, indicações geográficas) e (ii) Direitos Autorais (direitos de autor de obras literárias, artísticas, fotográficas, audiovisuais, software, dentre outros, e os direitos conexos de artistas, produtores fonográficos e empresas de radiodifusão). As nossas leis de Propriedade Industrial, Direitos Autorais e Software são bem modernas, e estão de acordo com os principais tratados internacionais em vigor. Há leis específicas, que estabelecem um sistema de proteção sui generis para os cultivares bem como projetos para a proteção à topografia de circuitos integrados, conhecimentos tradicionais, etc.

Estes direitos são considerados bens móveis para todos os efeitos legais, o que permite que os mesmos sejam licenciados (em equiparação ao aluguel de bens móveis), alienados (compra e venda) e até mesmo dados em garantia.

A proteção aos direitos de Propriedade Industrial depende de registro a ser efetuado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, sediado no Rio de Janeiro.

Contudo, como será melhor explicado mais adiante, os Direitos Autorais não dependem de registro

2. - Como posso proteger minhas marcas?

Somente mediante o registro no INPI, haja vista que o sistema de proteção de marcas adotado no Brasil é o atributivo. Isso significa dizer que a mera utilização da marca não confere proteção ao empresário, e não impede qualquer outro usuário de registrá-la no Brasil e obtê-la com exclusividade para seus produtos ou serviços. A proteção conferida pelo registro da marca é territorial e, portanto, é necessário requerer o registro da marca em todos os países nos quais o titular pretende oferecer seus produtos e serviços (exportação ou licenciamento de marcas no exterior).

As marcas são depositadas em classes específicas, que distinguem produtos ou serviços. O Brasil adotou o sistema de Classificação Internacional de Nice em 2000. O prazo de vigência do registro de marca é de 10 anos contados da sua concessão, podendo ser prorrogado indefinidamente desde que se requeira no prazo legal.

Antes de se depositar uma marca para registro, é recomendável efetuar uma criteriosa pesquisa no banco de dados do INPI para verificar se não há marcas idênticas ou semelhantes depositadas ou registradas para produtos ou serviços afins.

Isso porque, além do risco de não se obter o registro requerido, o uso não autorizado de marca registrada de terceiro é um dos crimes previstos em nossa legislação, e acarreta a possibilidade de pagar perdas e danos e lucros cessantes na esfera da responsabilidade civil. Mesmo que a marca de terceiro ainda esteja em processo de registro, o uso não autorizado pode se enquadrar em outros tipos de crime, como o de concorrência desleal. Assim sendo, a busca prévia é imprescindível antes do lançamento de um novo produto ou serviço.

Há casos excepcionais em que marcas estrangeiras estão protegidas em nosso território apesar de não estarem depositadas ou registradas no INPI. Tratam-se de marcas notoriamente conhecidas em seu ramo de atividade. Há ainda o caso das marcas de alto renome, que são marcas registradas no Brasil, mas tão famosas cuja proteção pode ser estendida pelo INPI para todas as demais classes.

3. - O que são patentes?

Toda invenção ou modelo de utilidade que atenda aos requisitos legais de novidade, aplicação industrial e decorra de atividade inventiva é patenteável, salvo exceções previstas em nossa lei, como técnicas e métodos cirúrgicos, métodos comerciais, contábeis, educativos, o todo ou parte de seres vivos, etc. A patente confere proteção territorial, assim como no caso das marcas.

Após o depósito, há um prazo de sigilo de 18 meses para a invenção. A legislação prevê o pagamento de uma taxa anual a partir do terceiro ano do depósito e o não pagamento poderá acarretar seu arquivamento ou extinção. Qualquer aperfeiçoamento ou desenvolvimento feito a uma invenção depositada ou patenteada poderá ser objeto de Certificado de Adição de Invenção.

O prazo de vigência da patente é de 20 anos, e o do modelo industrial é de 15 anos, sendo que, após a concessão pelo INPI, a proteção retroagirá à data do depósito.

O requisito mais sensível para a obtenção da patente é o da novidade. Isso porque a invenção e o modelo de utilidade somente podem ser considerados novos se não se encontrarem no estado da técnica, ou seja, se não tiverem sido divulgados ou tornados acessível ao público por qualquer meio, no Brasil ou no exterior. Assim sendo, a publicação de artigos científicos ou até mesmo a comercialização de uma invenção, antes de seu depósito no INPI, podem impedir a obtenção da respectiva patente. A nova lei prevê um período de graça de 12 meses para a divulgação em casos específicos, o que deve ser evitado, pois essa tolerância pode não ser reconhecida ao se depositar a invenção em outros países através dos acordos internacionais.

Caso haja a previsão de comercialização da invenção no exterior, é necessário efetuar um depósito através do sistema PCT, que consiste no Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes, ou pela Convenção da União de Paris – CUP, estendendo a proteção da invenção para os demais países membros. Para tanto, será necessário mencionar especificamente os países membros para os quais a proteção deva ser estendida e acompanhar os processos nos respectivos países, uma vez que tramitam de forma independente.

É importante ressaltar que a utilização não autorizada de invenção poderá se enquadrar em um dos diversos crimes previstos em nossa legislação, e, no âmbito da responsabilidade civil, ensejar o pagamento de perdas e danos. Assim sendo, é recomendável efetuar uma busca no banco de patentes do INPI antes de se lançar ou importar um produto, assim como nos bancos de dados dos demais países para onde os produtos poderão ser exportados.

4. -O que é desenho industrial?

Desenho industrial é a forma plástica ornamental de um objeto, ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.

O desenho industrial também é passível de registro no INPI, desde que atenda aos requisitos de novidade, já abordado, e de originalidade, verificado a partir da configuração visual do objeto, que deverá ser distintiva em relação a outros objetos anteriores.

A proteção é de 10 anos, prorrogável por mais três períodos de 5 anos a pedido do titular, podendo alcançar um total de 25 anos.

5. - Como utilizar obras artísticas, literárias ou científicas de terceiros?

As empresas precisam ter muita atenção com a questão dos direitos autorais. A utilização de música em espera telefônica ou ambiental e a inserção de textos e fotografias em brochuras ou websites, por exemplo, requerem cuidados especiais. Isso porque a utilização de obra objeto de direitos autorais, especialmente para fins comerciais, exige tanto a autorização prévia do autor quanto o pagamento de direitos autorais, sob pena de incorrer em crime e no pagamento de indenização.

Os direitos dos autores dividem-se em direitos morais e patrimoniais, que surgem, respectivamente, com a criação e a publicação da obra. Dentre os direitos morais, indisponíveis, destaca-se o direito à paternidade da obra, ou seja, o de ser mencionado como autor junto com a publicação da obra. Os programas de computador também são protegidos pelos direitos autorais, mediante lei específica.

É importante destacar que os Direitos Autorais de textos, fotografias, músicas e outras obras não dependem de registro, o que é recomendado apenas para efeito de prova de titularidade e anterioridade, e pode ser efetuado na Biblioteca Nacional, na Escola de Belas Artes e na Escola de Música da UFRJ, dependendo do tipo de obra. O registro de software pode ser efetuado no INPI, em envelopes lacrados, para o mesmo efeito.

6. - Direitos da Personalidade

Compreendem a proteção à vida privada, à integridade física, ao nome (inclusive pseudônimos), à imagem, à voz, aos escritos, à transmissão da palavra, à honra, à boa fama e à respeitabilidade da pessoa. São protegidos pela Constituição Federal e foram objeto de novas disposições legais trazidas pelo Código Civil de 2002. São direitos indisponíveis, e podem ser aplicados até para pessoas jurídicas.

A proteção aos direitos da personalidade tem conseqüências diretas no dia-a-dia das empresas, e não apenas em suas peças publicitárias. Isso porque a utilização da voz e da imagem de qualquer pessoa, mesmo que em material utilizado internamente, deve ser objeto de autorização prévia e expressa da mesma.

No caso específico da publicidade, é necessário observar os direitos da personalidade das pessoas envolvidas, juntamente com os direitos autorais envolvidos em todos os elementos do material a ser divulgado, obtendo-se expressamente a autorização para divulgação da imagem e/ou voz.

A legislação prevê a possibilidade de adoção de medidas judiciais para impedir e fazer cessar a utilização não autorizada ou qualquer ato contrário a tais direitos, com a possibilidade de pagamento de perdas e danos e demais penalidades aplicáveis a cada caso.

7. - O que é Concorrência Desleal?

A concorrência desleal é um crime, e, se confirmado, dá margem ao pagamento de indenização pelo concorrente desleal. Para que se verifique, deve haver concorrência entre as partes envolvidas e ação fraudulenta para desviar clientela e confundir o público. Outras hipóteses envolvem fazer falsa afirmação sobre o concorrente, violação de sigilo profissional ou segredo de negócio ou corromper preposto de concorrente para obter vantagem indevida, entre outros.

A conceituação de concorrência desleal tem evoluído na doutrina e na jurisprudência, com o reconhecimento de novas modalidades, como a contrafação de trade dress, que pode ser definida como a cópia de um modelo de negócio ou estabelecimento com o objetivo de confundir a clientela e a concorrência parasitária.

8. - Como gerar receita com meus direitos de Propriedade Intelectual?

Além da comercialização direta de produtos e/ou da prestação de serviços objeto das marcas, patentes, modelos de utilidade e desenhos industriais, os titulares de tais direitos de propriedade industrial podem receber royalties mediante contratos de licenciamento a terceiros no Brasil. Estes contratos devem ser averbados no INPI para efeito de validade perante terceiros. Caso o titular do direito registrado no INPI seja domiciliado no exterior, a averbação também será necessária para permitir a remessa dos royalties e a dedutibilidade fiscal dos pagamentos.

Obras em geral e software podem ser objeto de diversos tipos de contratos visando sua exploração comercial, como licenciamento, distribuição, desenvolvimento por encomenda, adaptação, etc., gerando recursos para o titular dos direitos autorais.

Um modelo de negócio de sucesso também pode ser objeto de Franchising, que consiste em um contrato típico no qual o franqueador confere ao franqueado um pacote de direitos que inclui licença para usar marcas, patentes, know-how, trade dress, direitos autorais e a prestação de assistência técnica industrial e comercial. Para tanto, é essencial que as marcas e patentes estejam depositadas no INPI e que a Franquia seja estruturada sob o ponto de vista legal e comercial de forma bastante criteriosa. Os contratos de Franchising também devem ser averbados no INPI.

Caso haja o interesse em explorar objeto de direitos de propriedade intelectual no exterior, diretamente ou mediante licenciamento e franchising, é essencial providenciar o registro nos demais países.

Conclusão

O objetivo desse artigo é o de proporcionar aos empresários uma visão geral sobre a propriedade intelectual como forma de proteger seus investimentos e gerar riquezas, bem como para alertar sobre os principais cuidados a serem tomados no sentido de se evitar incorrer em crimes pela utilização não autorizada dos direitos de terceiros.
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*Advogadas do escritório Pinheiro Neto Advogados


* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


© 2003. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS








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