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O juiz: julga ou auxilia

Sacrifica-se enormemente o jurisdicionado quando se retira um juiz de sua função específica de julgar, simplesmente porque não há quem ocupe o espaço deixado pelo juiz afastado.

12/11/2013

O primeiro artigo da Constituição assegura que todo o poder emana do povo; os magistrados que compõem o Judiciário, diferentemente dos legisladores e dos membros do Executivo, não passam pelo crivo do povo para exercer o munus público. Diante dessa dificuldade, estabeleceu-se que o concurso público seria o meio apto a substituir a vontade popular.

O questionamento desse trabalho limita-se a analisar o desvio do ofício específico de julgar para o exercício da função administrativa.

Gera polêmica essa situação, seja quando o magistrado deixa sua comarca ou a vara para a qual foi nomeado, seja, e principalmente, quando é designado para auxiliar desembargadores ou ministros em funções administrativas.

A lei complementar 35, LOMAN, dispõe que "em caso de vaga ou afastamento por prazo superior a trinta dias, membros dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, poderão ser convocados juizes, em substituição, escolhidos por decisão da maioria absoluta do Tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial".

No STJ e nos tribunais a convocação é prevista nos Regimentos Interno, mas somente para os casos de vaga ou afastamento de ministro ou desembargador por mais de 30 dias.

A maioria dos ministros do STF entende que a designação de juizes de primeiro grau para substituir não fere o princípio do juiz natural, mas gera desentendimentos quando o julgamento ocorrer na Câmara do Tribunal e esta for composta somente por juizes de primeiro grau. Em 2008, a 5ª turma, HC 110.340, negou anulação de julgamento feito por câmaras compostas por juizes; posteriormente, em 2010, no HC 147.022, entendeu que acórdão de câmara que conta somente com juizes de primeira instância viola o princípio do juiz natural, além dos artigos 93, III, 94 e 98 da Constituição Federal.

No STF, essa figura foi criada em sessão administrativa, no dia 28/11/07, na qual nove dos onze ministros, modificaram o Regimento Interno para acrescentar dispositivo, permitindo a designação de "magistrados para atuação como juiz auxiliar do Supremo Tribunal Federal em auxílio à presidência e aos ministros, sem prejuizo dos direitos e vantagens de seus cargos, além das que são atribuídas aos juizes auxiliares do Conselho Nacional de Justiça".

O precedente aconteceu antes da alteração do Regimento, quando o ministro Nelson Jobim convocou o juiz Federal Flávio Dino para assessorá-lo no CNJ e posteriormente como assessor da Presidência. Nesse caso, foi além da função judicante e o magistrado tornou-se assessor administrativo.

Depois da decisão da Corte, a primeira convocada, em abril de 2007, foi a juiza Federal Salise Sanchotene, do Rio Grande do Sul, especializada em crimes financeiros; designada para o Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais, vinculado à Presidência, à disposição do gabinete do ministro Joaquim Barbosa.

A convocação do professor e juiz Federal Sérgio Fernando Moro, da 2ª vara Federal Criminal de Curitiba, para a assessoria da ministra Rosa Maria Weber, no início do ano de 2012, gerou certa confusão, porque havia incompatibilidade de horário com o desenvolvimento da atividade acadêmica na Universidade Federal do Paraná, mas o juiz buscou a Justiça Federal para dirimir o conflito, porém não obteve êxito.

Há, como já se disse, uma "república de juizes auxiliares", que implica em sérias consequências, a exemplo da morosidade no andamento dos processos que aguardam a desconvocação.

Acerca do assunto, o ministro Celso de Mello entende que a designação de juizes para a Corte superior não é constitucional e o ministro Marco Aurélio classifica como indelegável o ofício de julgar.

Mas a dificuldade maior aparece quando tais designações ocorrem para retirar o magistrado de seu sagrado ofício de julgar e conferir-lhe missão administrativa que mais se ajusta aos excelentes servidores dos gabinetes com vasto curriculo, especialização e bons salarios.

A lei orgânica da magistratura, gerada no governo militar de 1964, proibe terminantemente o afastamento do julgador de sua atividade, excetuando apenas para frequentar cursos de aperfeiçoamento, para prestar serviço "exclusivamente" à justiça eleitoral e para exercer a presidência de associação de classe, art. 73 lei orgânica da magistratura.

Veda ainda, art. 107, a "convocação ou designação de juiz para exercer cargo ou função nos Tribunais, ressalvada apenas a substituição ocasional de seus integrantes".

A maioria dos tribunais, consentâneos com orientação do CNJ, passsaram a deslocar juizes de primeiro grau para auxiliar na administração. É o caso das designações para auxiliar Presidentes, Vice-Presidentes e Corregedores. Não se questiona os bons serviços que esses juizes prestam, mas melhor seria se houvesse preparo de bacharéis para, no mínimo, diminuir o espaço vazio que deixam os julgadores.

Sai o magistrado da judicatura de sua exclusiva competência para desenvolver função atípica na area administrativa. Vai redigir ofícios, fiscalizar os serventuários e os próprios juizes, além de outras atividades. Antes da Resolução do CNJ tratando do assunto e limitando o número de magistrados a serem convocados, as designações eram muitas: São Paulo chegou a manter 39 juizes em funções burocráticas; em outros Estados a situação mostra-se semelhante.

As convocações começam pelo próprio CNJ, responsável pelo chamamento de 36 juizes auxiliaries de outros estados somente no ano de 2012. Imaginem as dificuldades criadas para esses tribunais que já queixam da falta de juizes.

Essa interrupção de atividade, de judicar para administrar, significa impedir a continuidade de julgamentos, vedar a distribuição de processos e autorizar o exercício de função estatal atrípica. Considere-se que nenhum membro dos outros poderes, nenhum outro profissional pode ser chamado para ocupar o espaço deixado pelo magistrado. Assim, sacrifica-se enormemente o jurisdicionado, quando se retira um juiz de sua função específica de julgar, pois os processos recebidos e aqueles a serem distribuídos sofrem substancial atraso, simplesmente porque não há quem ocupe o espaço deixado pelo juiz afastado. Somente um novo concurso é capaz de reparar os danos com a paralisação total do acervo do magistrado que foi indevidamente designado para outra função.

A diferença entre a ação judicante e a administrativa é que esta pode ser desempenhada por outros profissionais, enquanto aquela é exclusiva do magistrado; de forma que quando há tais designações o espaço deixado fica vazio, pois somente outro magistrado poderá substitui-lo e assim mesmo nas condições indicadas em lei.

Isto resulta em desvincular o magistrado da atividade fim, ou seja julgar, para vinculá-lo a outra ocupação. Passa, então a auxiliar desembargadores ou ministros no exercício de função que não é judicante. Se não se peca por retirar o magistrado de um ofício para outro, censurável esta permissão, porque desguarnece exatamente a atividade mais fraca do Judiciário, consistente na falta de julgadores nas comarcas e nas varas.

Há verdadeira banalização de assessoramento conferido a juizes que já são questionados, porque seu poder não emanou do povo e passam também a enfrentar a violação ao princípio do juiz natural e da desvinculação da judicatura para a administração.

Essa situação não é bem aceita no meio jurídico e assemelha-se a um gestor na area privada que busca maiores lucros na unidade que passa a dirigir ao troco da requisição de bons funcionários de uma filial para aquela onde está. Evidente que uma será beneficiada e outra prejudicada.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior.

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