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A Constituição: 25 anos depois

A Constituição Cidadã festejou neste mês de outubro, as bodas de prata, um quarto de século de vigência.

23/10/2013

A Constituição Cidadã festejou nesse mês de outubro, as bodas de prata, um quarto de século de vigência.

Quatro anos antes de sua promulgação, em 1984, a Câmara dos Deputados rejeitou a "Emenda Dante de Oliveira", que restabelecia as eleições diretas, apesar do vasto apoio popular; a escolha do Presidente de República, no ano seguinte, em 1985, deu-se de forma indireta; mesmo assim, a oposição venceu ao eleger Tancredo Neves.

Em seguida, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal foram completamente renovados, em 1986, tornando um Congresso Constituinte, formado por 559 parlamentares. Não houve portanto uma constituinte exclusiva, como era pretensão dos movimentos sociais.

A Constituição com 315 artigos tornou-se bastante extensa, mas não alcançou a indiana com 395 artigos, a colombiana com 380 ou a venezuelana com 350; na sua elaboração, houve efetiva participação popular, envolvendo empresários, sindicalistas, estudantes, professores, juízes, políticos enfim todos os segmentos da sociedade com boa dose de densidade social.

Contrapõe-se com a Carta americana do século XVIII, a mais curta, que fixa apenas as diretrizes básicas da organização do Estado, garantindo a autonomia das unidades federadas para legislar, além das liberdades individuais. Não há país algum que confira tamanha autonomia aos Estados federados, ao ponto de consignar certo procedimento como crime num Estado e no outro não, ou punir com a morte em um e no outro não.

Os teóricos explicam que as Constituições dos séculos XVIII e XIX eram sintéticas, porque traziam apenas dois tipos de normas, consistentes na garantia do direito do cidadão, e a outra que organiza o Estado.

Um fato altamente positivo pode-se creditar à Constituição de 1988 consistente na estabilidade institucional, porquanto as crises econômicas, entre as quais a do orçamento, o impeachment de um Presidente e outros movimentos que não foram capazes para remover o arcabouço de direitos, diferentemente da de 1934, que durou apenas três anos ou da Carta de 1937, quando a normalidade constitucional foi cessada pela ditadura instaurada que duraria até o ano de 1945.

A experiência democrática de 1946 a 1964 não se mostrou tão tranquila, porquanto o presidente Dutra, um militar, foi eleito praticamente no Estado de Emergência, revogado apenas dois dias antes das eleições; seguiu-se o governo de Getúlio Vargas, ditador em período anterior, e que se suicidou. Na verdade, a Constituição de 1946 restaurou os princípios democráticos, que permaneceram até 1961, quando a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart possibilitaram a mudança da forma de governo para parlamentarismo de curta duração, até 1963. O governo militar de 1964, mais uma vez, interrompeu o período democrático que só foi restabelecido em 1985.

A Constituição foi pródiga na concessão de benesses. É o caso do salario mínimo, dos juros fixados em 12%, da instituição da pensão integral para a viúva de servidores públicos.

No livro "Lanterna na Popa", Roberto Campos classifica de "ridícula hipocrisia", o disposto no § 3º do art. 192 que limitava os juros a 12% ao ano, quando a era Goulart deixou esse percentual em 8% ao mês. Esse dispositivo só foi revogado 15 anos depois, pela Emenda Constitucional n. 40/2003.

A Carta política de 1988 trouxe significativas inovações a exemplo da amplidão das garantias individuais, responsável pela adoção do conceito de direitos coletivos; na Ordem Social, elevou os direitos sociais à característica de direitos constitucionais, e assegura o direito universal à educação, à saúde, e à seguridade social; cria mecanismos para facilitar o acesso do pobre à justiça. O racismo passou a constituir crime inafiançável, os índios tornaram-se cidadãos, além de, pela primeira vez, haver o reconhecimento de seus direitos linguísticos; as crianças, os adolescentes, os idosos e o consumidor receberam a proteção por meio de leis especiais. Conferiu-se o voto para os analfabetos, consignou-se o direito de greve, a liberdade sindical, a licença maternidade de 120 dias e a paternidade de 5 dias, institui-se o décimo terceiro salario para os aposentados.

É, como se vê, bastante rica em previsão de direitos fundamentais, mas de difícil efetividade material, a exemplo das normas de direito econômico e social.

A imperfeição, como toda obra do homem, rondou a Constituição, "mas será útil, pioneira, desbravadora...", de conformidade com manifestação do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães.

A manutenção do sistema político-eleitoral arcaico e cheio de erros talvez seja a maior omissão dos constituintes: os partidos políticos são criados por casuísmos; insere-se mecanismos parlamentarista num regime presidencialista; o sistema proporcional de 1946 continua e não se tocou no financiamento das campanhas políticas, possibilitando o desvio da vontade popular através da compra de votos; a cassação de mandatos pelo Judiciário poderia ser substituída pela competência conferida ao próprio povo que elegeu, diminuindo inclusive a interferência do sistema judicial na política. A má distribuição de riquezas não foi corrigida, na medida em que continua a alta carga de tributos indiretos, incidentes sobre o produto, sem considerar a renda de cada um, o que provoca maior tributação para a classe de baixa renda. Passados mais de 25 anos não se cuidou da regulamentação do texto constitucional que prevê o imposto sobre as grandes fortunas. Isso demonstra o domínio da classe dominante sobre o aparelho estatal.

O mecanismo criado para obrigar o governo a aplicar percentual do orçamento em educação e saúde, não tem surtido o efeito desejado, pois o serviço público da educação continua sendo responsável pelos semianalfabetos e os hospitais tem sido cemitérios dos pacientes nas filas.

Muitos dispositivos constitucionais figuram como utópicos, a exemplo do inciso IV, art. 7º, que garante salário mínimo ao trabalhador "capaz de atender às necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social...".

Apesar das dificuldades criadas pelos próprios constituintes para aprovação de mudanças no texto, seja quando não aceitaram a proposta de revisão a cada cinco anos, seja quando exigiram o quórum de três quintos dos parlamentares na Câmara e no Senado, em dois turnos, a verdade é que muitas alterações aconteceram e encontram-se no Congresso mais de 1.500 Propostas de Emendas Constitucionais de autoria de deputados e senadores, aguardando discussão para tornarem-se norma constitucional. Aliás, a primeira emenda constitucional de autoria do então deputado Amaral Neto foi apresentada logo após a promulgação e destinava-se a aplicar a pena de morte no Brasil para casos de roubo, sequestro e estupro, se resultassem na morte das vítimas. A pretensão foi barrada no Congresso.

A revisão prevista para cinco anos depois de promulgada a Constituição, deu-se em 1993, quando se fez seis modificações; daí em diante foram 74 propostas de emendas que acrescentaram, retiraram ou alteraram dispositivos ao texto constitucional.

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior.

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