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O dumping social no Direito do Trabalho

Esse tipo de situação começou a atingir patamares críticos, pois além de violar direitos materiais e processuais básicos das empresas, tem gerado insegurança jurídica e prejuízos econômicos desproporcionais.

21/10/2013

Tem sido cada vez mais comum, na JT, a condenação de empresas na obrigação de pagar elevadas indenizações a título de dumping social.

Com efeito, na maior parte das vezes, sem que haja pedido expresso nesse sentido na peça inicial, alguns magistrados têm convertido o que são infrações trabalhistas em fatos causadores de dano social.

Esse tipo de situação começou a atingir patamares críticos, pois além de violar direitos materiais e processuais básicos das empresas, tem gerado insegurança jurídica e prejuízos econômicos desproporcionais, convertendo reclamações trabalhistas individuais em problemas de grandes proporções.

De início, é preciso ressaltar que inexiste, em nosso ordenamento jurídico, a previsão de condenação de uma empresa por dumping social, figura do Direito do comércio internacional que não foi tipificada no Direito do Trabalho brasileiro. Princípios constitucionais dotados de grande abstração, que não são autoaplicáveis e que muitas vezes são apropriados como fundamentos dessas condenações, ao lado de enunciados não vinculantes de jornadas de Direito do Trabalho não são suficientes para embasar obrigações dessa natureza.

Além disso, não se justifica o raciocínio adotado por alguns magistrados no sentido de que qualquer infração trabalhista ou desrespeito a Direitos sociais configure um dano social ou um dano moral coletivo. A partir de um único caso concreto, não se pode deduzir que exista uma prática generalizada de descumprimento de direitos que afete toda uma comunidade. Tal ilação sempre demanda análise de inúmeros outros casos e seria matéria não para um dissídio individual, mas para uma ação coletiva.

Um aspecto central é que normalmente sequer existe pedido formulado pelo autor da ação quanto ao dumping social. Vale ressaltar que, ao julgar extra petita, alguns juízes não tem imposto a condenação por dumping social sem que fundamento legal para tanto, afrontando diretamente os arts. 128 e 460 do CPC, que preconizam que o juiz deve decidir nos limites em que foi proposta a ação, sendo-lhe vedado conhecer de questões que a lei exija a iniciativa da parte, proferir sentença em favor do autor de natureza diversa da pedida ou condenar o réu em quantidade superior ou em objetivo diverso do que foi demandado.

Nesse tipo de situação, há também violação direta do art. 5º, LIV e LV, da CF, pois, por não ter sido pleiteada a indenização por dumping social, as empresas sequer podem se defender dessa alegação, atingindo seus direitos de ampla defesa e de contraditório.

Esse posicionamento já está consolidado no TST em precedentes importantes, conforme ilustram as seguintes ementas:

I) INDENIZAÇÃO POR "DUMPING SOCIAL" DEFERIDA DE OFÍCIO – JULGAMENTO "EXTRA PETITA" - ARTS. 128 E 460 DO CPC. 1. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, ou conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Interpretação dos arts. 128 e 460 do CPC. 2. Na hipótese, o Regional condenou a Atento Brasil Reclamada, entre outras verbas, ao pagamento de indenização decorrente de "dumping social", sem que tal pleito constasse na inicial. 3. Dessa forma, verifica-se que o acórdão guerreado extrapolou os limites em que a lide foi proposta, tendo conhecido de questão não suscitada, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte, o que afrontou os arts. 128 e 460 do CPC (TST, 7ª Turma, PROCESSO Nº TST-RR-78200-58.2009.5.04.0005, Relator Ives Gandra Martins Filho).

"RECURSOS DE REVISTA DAS RECLAMADAS J.M. EMPREENDIMENTOS E COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS - AMBEV - IDENTIDADE DE MATÉRIAS - ANÁLISE CONJUNTA - INDENIZAÇÃO POR DUMPING SOCIAL - CONDENAÇÃO DE OFÍCIO - JULGAMENTO "EXTRA PETITA". 1. Em decorrência do princípio da estabilização da demanda e dos limites legais da atuação judicial, preconizados nos arts. 128 e 460 do CPC, é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. 2. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença em que se julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e seus consectários, condenando, de ofício, as reclamadas ao pagamento de indenização por "dumping social", não obstante a ausência de pedido nesse sentido. A condenação extrapolou os limites objetivos da demanda, violando, portanto, os arts. 128 e 460 do CPC, 5º, LIV e LV, da Constituição Federal. Recursos de revista conhecidos, nesse particular, e providos" (TST-RR-11900-32.2009.5.04.0291, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, DEJT de 24/08/12).

Nesse sentido, vale transcrever um trecho do inteiro teor do acórdão do caso suprarreferido: "contudo, resulta incontroverso a ausência de pedido do reclamante nesse sentido e, por consequência, as reclamadas não se defenderam, oportunamente, em relação aos fatos suscitados na sentença. Assim, é cristalino que o contraditório se firmou estritamente em relação aos pedidos constantes na reclamação trabalhista, concernentes, em síntese, ao reconhecimento de vínculo empregatício, à percepção das parcelas dele decorrentes e à natureza da responsabilização das reclamadas. Ora, é certo que a atividade jurisdicional não pode ser conivente com possíveis práticas abusivas de realizar contratações precárias de mão de obra, em inobservância às garantias trabalhistas, para, em contrapartida, proporcionar aumentos de lucros. Contudo, para eventual condenação pela prática de "dumping social", há a necessidade de ser observado o procedimento legal cabível, máxime em que se assegure o contraditório e a ampla defesa em todas as fases processuais, o que, no caso concreto, não ocorreu, ante a ausência de pedido, de contestação e de instrução processual, nesse sentido. Não se trata de adequação do pedido, tampouco se há falar em livre atuação judicial no enquadramento jurídico dos fatos da causa, na medida em que a "litiscontestatio" era restrita ao reconhecimento de vínculo empregatício e à percepção das parcelas trabalhistas que dele seriam decorrentes. Assim, ao condenar solidariamente as reclamadas ao pagamento de indenização por "dumping social", mesmo sem pedido do autor nesse sentido, o Tribunal Regional violou os arts. 128 e 460 do CPC, que estabelecem, respectivamente, que o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte, e que é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado".

Desse modo, ainda que o rigor na cobrança do cumprimento dos direitos trabalhistas seja um dos deveres primordiais da JT, não se pode permitir que as condenações elevadas por dumping social virem uma rotina na vida das empresas, por estarem ausentes os fundamentos legais para essa figura que, do modo como tem sido aplicada, viola direitos fundamentais das partes nos processos.

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* Marcelo Costa Mascaro Nascimento é sócio majoritário do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista.



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