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Recuperação da grande empresa

Willian O. Douglas, aos 32 anos, professor de Yale; aos 34, chefe do Departamento de Reorganização (de empresas) da SEC (equivalente nos EUA à nossa CVM); aos 38, presidente da SEC e, a partir de 1939, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde permaneceu 46 anos, recorde jamais igualado, foi um dos precursores do moderno “Direito da Crise Econômica da Empresa”.

28/11/2005


Recuperação da grande empresa


Jorge Lobo*


Willian O. Douglas, aos 32 anos, professor de Yale; aos 34, chefe do Departamento de Reorganização (de empresas) da SEC (equivalente nos EUA à nossa CVM); aos 38, presidente da SEC e, a partir de 1939, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde permaneceu 46 anos, recorde jamais igualado, foi um dos precursores do moderno “Direito da Crise Econômica da Empresa”.


Liberal por vocação, Douglas opôs-se ao Macartismo, à guerra do Vietnam e ao governo Nixon, decidiu, no início de sua notável carreira de magistrado, cruciantes demandas decorrentes do crash da Bolsa de Nova York, em 1929, e ocupou-se, com brilho e lucidez, a partir do paradigma do New Deal, ao complexo e inesgotável tema da Reorganização da Empresa (Corporate Reorganization).


Num trabalho minucioso (Securities and Exchange Comission Report on the Study and Investigation, Personal and Functions of Protective and Reorganization Comittees), em oito volumes, em que elaborou os estudos metodológicos fundamentais (A Functional Approach to the Law of Business Associations), são pesquisadas, examinadas e debatidas, com espírito crítico e absoluta imparcialidade, “as questões fundamentais” de uma empresa em dificuldades econômico-financeiras, por ele denominadas de “as forças econômicas e sociais em jogo”.


Para isso, Douglas (a) partiu de dados empíricos, sobretudo quanto à “conduta humana”; (b) combateu o “conceitualismo imperante”, segundo o qual os procedimentos concursais são rigidamente eliminatórios; (c) analisou as questões relativas ao funcionamento e ao controle da macro-empresa e à distribuição dos custos da crise; (d) dissertou sobre o papel do juiz nos processos judiciais de reorganização e falência, entre outros assuntos.


As lições de Douglas, compartilhadas por quantos se dedicam ao estudo do “Direito da Empresa em Crise”, aqui e alhures, ontem e hoje, assentam nos seguintes princípios básicos: (a) a reestruturação, saneamento e recuperação da empresa, em especial da mega-empresa, abarca uma variegada gama de direitos e interesses e atinge, direta ou indiretamente, acionistas, investidores do mercado de capitais, empregados, ex-empregados, pensionistas, prestadores autônomos de serviços, financiadores, fornecedores, consumidores, comunidade, fisco e o Estado; (b) a pré-insolvência, o estado de crise econômica e estado de falência da grande empresa são fenômenos patológicos de relevante interesse público, que não podem ser deixados ao alvedrio das partes.


Mas, se as partes, isto é, o devedor e seus credores, não podem resolver, satisfatoriamente, o estado de crise econômica do devedor comum e, muito menos, o estado de falência, quem estará apto a fazê-lo?


O Judiciário, apesar da precariedade de sua infra-estrutura e do que Guido Rossi chamou de carência de conhecimentos de economia, finanças, auditoria e contabilidade dos magistrados (Il fallimento nel Diritto americano, CEDAM. Padova, 1956, p. 202)?


O Judiciário, cujo papel, acentua Douglas, ao tratar da natureza estritamente econômica de sua intervenção nos procedimentos falimentares, na reorganização é limitadíssimo, pois “a reorganização é antes de tudo um exercício de financiamento e direção da empresa (corporate finance and management); só incidentalmente os processos de reorganização são processos judiciais e jamais são processos no sentido ordinário que têm por finalidade resolver conflitos entre particulares”?


Se o problema da empresa, particularmente da grande empresa, fosse exclusivamente de ordem jurídica, o Poder Judiciário por certo o resolveria a contento; se exclusivamente econômico e financeiro, os credores e o devedor, imbuídos de idêntico propósito, talvez o solucionassem.


Ocorre, repita-se, à exaustão, que o problema da pré-insolvência e da insolvência da grande empresa é, sem dúvida, jurídico, econômico e financeiro, mas é, sobretudo, um problema público e social e se é sobretudo um problema público e social as soluções devem ser de ordem política, tendo em mente e em conta os reflexos sociais que produzirão a curto, médio e longo prazos.


Douglas advertiu para os “fenômenos sociais” da insolvência há 75 anos! A sua doutrina, todavia, é atualíssima, como se pode constatar da excelente conferência do Prof. Gerardo Santini, “Soluções jurídicas para o estado de crise da empresa nos sistemas de economia de mercado” (exatamente o “mercado” de que tanto falam as autoridades do Ministério da Fazenda e os dirigentes do BNDES como escusa para não se empenharem no processo de reerguimento da VARIG).


O Catedrático da Universidade de Bolonha, Itália, após tratar da evolução histórica do Direito da Insolvência, discorre, com maestria, sobre a “valoração dos interesses públicos em jogo na crise da empresa” e acentua, com profundo conhecimento de causa, que “o elemento novo, que vem a ultimar um quadro formado no decorrer dos séculos, está representado, (...), pelo interesse público na continuação da empresa(...). Tal interesse é público não apenas porque se apresenta como distinto do interesse do devedor ou dos credores, senão sobretudo porque se refere a categorias ou grupos sociais mais amplos que podem coincidir com toda a coletividade...” (in La reforma del derecho de quiebra. Madrid, Editorial Civitas, 1982, p. 42).


Iñigo del Guayo Castiella, Catedrático de Direito da Universidade de Almeria, Espanha, na monografia “Setor Público Empresarial e Instituições Paraconcursais”, destaca que “as soluções das crises empresariais perseguem não só a garantia de pagamento a todos os credores, mas também uma função social e o Direito concursal não é hoje uma parte do Direito repressivo que se satisfaça com a mera condenação do devedor, nem tampouco um expediente dirigido à mera expulsão do tráfico jurídico do insolvente e à liquidação de seu patrimônio, se não que incorpora interesses sociais, tratando de satisfazer várias finalidades simultaneamente e, concretamente, tratando de proteger determinados créditos públicos (como os da Fazenda Pública e da Seguridade Social) e sociais (como os dos trabalhadores), ao mesmo tempo em que fomenta a conservação da empresa. De fato, o Estado social insiste na incorporação da finalidade de conservação da empresa ao ordenamento concursal, mas não exclusivamente sobre a base dos interesses privados dos credores na cobrança, se não porque entende que, para a estabilidade econômica e a proteção dos interesses gerais, é preferível a conservação à liquidação” (Madrid, Marcial Pons, 2004, p. 34/35).


Destarte, o Presidente Lula, que fez da estabilidade econômica e da proteção dos interesses gerais, particularmente dos interesses sociais, suas principais metas de campanha e de governo, e os seus qualificados auxiliares no Ministério da Fazenda e no BNDES, não podem recusar-se a participar do esforço de reestruturação da VARIG a pretexto de cumprirem a “lei do mercado”.


“Lei do mercado” que não impediu os Estados Unidos da América - a maior economia de mercado do mundo - de “socorrerem”, literalmente “socorrerem”, “as companhias aéreas”, pasme leitor, “as companhias aéreas, através de uma lei proposta por Bush, e aprovada em setembro do ano passado, que autorizou US$ 5 bilhões em compensações por perdas relacionadas ao atentado de 11 de setembro – três vezes mais do que os prejuízos reais causados pela paralisação, segundo críticos da medida – e mais US$ 10 bilhões em garantias financeiras” (cf. Antonio Luiz M.C. da Costa, “Políticas de Bem-Estar Corporativo”, in Carta Capital, ed. de 08.06.05, ano IX, n. 345 [On-line]).


“Lei de mercado” que não impediu o “chanceler alemão, Gerard Schroeder, de elaborar um plano de salvamento de US$ 400 milhões para o grupo de telecomunicações MobilCom, depois que sua controladora francesa, a France Télécom, decidiu não mais investir na parceira alemã; o governo francês de socorrer a France Télécom – talvez a empresa mais endividada do mundo – com US$ 9 bilhões; o governo inglês de rolar a dívida de US$ 1 bilhão” (mesma fonte).

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*Mestre em Direito da Empresa pela UFRJ e Doutor e Livre Docente em Direito Comercial pela UERJ





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