A questão aqui proposta cinge-se a uma dúvida central: o juízo no qual tramitou a ação coletiva de conhecimento estará prevento para as liquidações e execuções individuais, promovidas com lastro na sentença proferida?
Deve-se, desde logo, afirmar que não há prevenção, consoante entendimento deflagrado pelo STJ:
RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA NO JULGAMENTO DE AÇÃO COLETIVA. FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PREVENÇÃO DO JUÍZO QUE EXAMINOU O MÉRITO DA AÇÃO COLETIVA. TELEOLOGIA DOS ARTS. 98, § 2º, II E 101, I, DO CDC.
1. A execução individual de sentença condenatória proferida no julgamento de ação coletiva não segue a regra geral dos arts. 475-A e 575, II, do CPC, pois inexiste interesse apto a justificar a prevenção do Juízo que examinou o mérito da ação coletiva para o processamento e julgamento das execuções individuais desse título judicial.
2. A analogia com o art. 101, I, do CDC e a integração desta regra com a contida no art. 98, § 2º, I, do mesmo diploma legal garantem ao consumidor a prerrogativa processual do ajuizamento da execução individual derivada de decisão proferida no julgamento de ação coletiva no foro de seu domicílio.
3. Recurso especial provido (STJ-3ªT., REsp nº 1.098.242-GO, rel. Minª Nancy Andrighi, j. 21.10.2010, DJe 28.10.2010).
A regra geral no sistema do CPC é que a execução deve ser movida, seja na hipótese de simples cumprimento de sentença, seja nos casos em que há verdadeiro processo autônomo executivo, perante os seguintes juízos:
(a) tribunais, nos casos de sua competência originária;
(b) juízo que processou a causa em primeiro grau de jurisdição;
(c) juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira homologada.
Ressalve-se que, para o exequente, há a alternativa de mover a execução no juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou no atual domicílio do executado (art. 475-P do CPC).
A sistematização aqui proposta considera as profundas reformas do processo de execução havidas por força das leis nº 11.232/05 e 11.382/06.
A doutrina cunhou a expressão "processo sincrético" para alocar, ulteriormente à sentença, a fase executiva do processo de conhecimento.
Remanesce, porém, alguns casos de execução como processo autônomo (execução contra a Fazenda Pública, execução de alimentos e execução fundada em sentença penal condenatória, sentença arbitral ou sentença estrangeira homologada).
De qualquer forma, não faria sentido - como afirmam Patrícia Miranda Pizzol e Athos Gusmão Carneiro - que a liquidação e a execução manejadas individualmente, com base em sentença proferida no bojo de processo coletivo, fossem vinculadas ao juízo prolator da decisão na fase de conhecimento.
Ricardo de Barros Leonel posiciona-se no mesmo sentido: "desse modo, considerando que hoje o próprio CPC admite juízos alternativos para a liquidação e execução (juízo da ação de conhecimento, juízo do domicílio do executado, e juízo no qual o executado tenha bens passíveis de execução – conforme o art. 475-P do CPC), interpretando-se de forma sistemática o CPC com o CDC (art. 98 e art. 101, I), chegar-se-á à conclusão que há alternativas pelas quais o beneficiário individual da sentença coletiva pode optar (lembrando que isso se aplica não apenas aos casos de relações de consumo, mas a todas as ações coletivas, por força do microssistema de tutela coletiva)".
Assim, para a liquidação e a execução intentadas pelo indivíduo, amparadas em sentença coletiva, são alternativamente competentes (interpretação sistemática do art. 475-P do CPC; arts. 90, 98, § 2º, e 101, inciso I, do CDC; e art. 21 da lei de Ação Civil Pública):
(a) o foro no qual tramitou a ação de conhecimento, sem prevenção do juízo que julgou a demanda coletiva;
(b) o juízo do foro do domicílio do exequente (indivíduo lesado);
(c) o juízo do foro do atual domicílio do executado; e
(d) o juízo do foro no qual o executado possui bens sujeitos a expropriação.
Admitir-se somente o aforamento da execução individual da sentença coletiva no juízo da condenação seria inviabilizar a fruição do benefício assegurado, com negativa de acesso à justiça para os lesados que residissem em lugares distantes, por exemplo.
Igualmente, haveria emperramento dos serviços judiciais, pois, com milhares de lesados liquidantes e exequentes, todos os feitos tramitariam no mesmo foro, gerando volume de processos instransponível aos cartórios judiciais.
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Bibliografia:
Athos Gusmão CARNEIRO. Jurisdição e competência. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Ricardo de Barros LEONEL. Manual do processo coletivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Patrícia Miranda PIZZOL. A competência no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
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* Guilherme Nascimento Frederico é advogado do escritório Angélico Advogados.