Migalhas de Peso

O papel regulatório e de fomento das licitações públicas

"Os primeiros passos vêm sendo dados em direção a novas diretrizes regulatórias".

11/7/2013

I. Um novo modelo em ascensão: O Estado regulador por incentivos

A intervenção do Estado sobre os agentes privados é, tradicionalmente, fundada nas ideias de poder de polícia e da primazia, a priori, dos interesses da coletividade sobre os direitos meramente individuais, em benefício "dos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural".1

Porém, essas concepções clássicas que, durante muito tempo, justificaram as mais variadas e drásticas ingerências estatais sobre o particular, vêm sendo paulatinamente superadas e substituídas por outras modernas noções voltadas, principalmente, à solidariedade, à cooperação e ao estabelecimento de uma relação mais horizontalizada entre Estado e sociedade, sem a imposição de instrumentos jurídicos repressivos. Isto é, instrumentos tipicamente de "comando e controle", tais como a alocação de propriedade em prol do Poder Público, a instituição de tributos, a criação de subsídios e a imposição de modelos de padronização para o mercado.

Apesar de a intervenção pública invocar até hoje um papel crucial no desempenho de atividades privadas e econômicas, em razão, por exemplo, da demanda por bem-estar social e por políticas distributivas, as transformações no modelo de Estado passaram a demandar um novo fundamento de legitimidade que possa embasar a previsão sobre onde, quando e em que intensidade a interferência estatal irá (e poderá) ocorrer.

E, nesse contexto, o Direito, enquanto instrumento a disposição da atividade regulatória, tanto serve para organizar os setores privados, mantendo-os funcionando de forma eficiente, como assume função propositiva, utilizando a estrutura de mercado e os interesses nela envolvidos para o alcance de objetivos e metas socialmente desejáveis.

Com efeito, o Estado depende hoje, e cada vez mais, da intensa colaboração do particular pela sua crescente incapacidade de dar conta, por si só, dos múltiplos interesses e objetivos voltados ao bem-estar social e ao desenvolvimento econômico. Uma maior aproximação com os agentes privados demandará, portanto, o difícil balanceamento entre, de um lado, a preservação de liberdades privadas e, de outro, a promoção de valores sociais e metas político-econômicas.

No entanto, tem-se observado, com certa frequência, a uma má performance e a uma distorção do processo de implementação da regulação em determinadas atividades e setores, demonstrando ser (total ou parcialmente) incompatível com os defeitos e falhas de mercado que se quer sanar.

A esse respeito, Cass Sunstein denomina tais defeitos a que o processo regulatório está sujeito de "paradoxos do Estado regulatório", que resultariam em estratégias "autodestrutivas" por atingirem um fim oposto ao originalmente intencionado pelo agente regulador ou ao único que justificaria uma intervenção na esfera privada2. Como exemplos de tais paradoxos o autor cita, dentre outros, a produção de "sub-regulação" por uma regulação excessiva e aumento dos níveis de risco agregado através de programas regulatórios rigorosos.3

Tem-se, com isso, a necessidade de se definir de que forma cada específico setor socioeconômico e suas respectivas falhas devem ser regulados, isto é, em qual extensão e com qual intensidade, bem como os programas adequados para tornar seus objetivos efetivos, de acordo com cada contexto.

Isso porque, em determinadas atividades, o modelo de regulação que procura, ao invés de impor determinados padrões, induzir o comportamento dos agentes envolvidos em direção a práticas socialmente desejáveis, lançando mão de mecanismos de coordenação estratégica de interesses, pode mostrar-se mais eficaz para o alcance dos objetivos propostos.

Muitas vezes, normas jurídicas do tipo "comando e controle", com imposição de diretivas, podem dificultar sua aceitação no mercado privado ou serem tão rigorosos a ponto de se tornarem impraticáveis ou de difícil observância. Sem que se possa abdicar, porém, de alguma dose de interferência estatal corretiva, como alternativa, modelos menos invasivos sobre a esfera individual, com a preservação, na maior medida possível, da liberdade de escolha, e com o estabelecimento de sistemas de incentivo que chamem o particular a colaborar com os objetivos formulados podem revelar-se economicamente mais eficientes.

Em resumo, o modelo de indução, em substituição a um modelo rígido e coercitivo, ao incentivar o estabelecimento de um sistema de cooperação voluntária, pode melhor atender aos objetivos de eficiência e racionalidade da atividade estatal. Afinal, confere-se maior legitimidade ao processo regulatório resultante de uma relação consensual entre ente público e particular, voltado à orientação estatal – e não à imposição – das escolhas privadas e dos resultados daí decorrentes.

O tratamento em conjunto dos diferentes interesses envolvidos tende, pois, a incrementar a capacidade de aceitação externa dos efeitos do ato estatal decisório, estabelecendo-se interações sociais de comprometimento e colaboração.

E justamente nesse contexto insere-se a utilização da licitação como instrumento regulatório e de fomento a determinadas atividades e resultados tidos como socialmente benéficos. Isso porque, ao invés do mero arranjo convencional marcado pela imposição de deveres e obrigações aos particulares que interagem com a administração, a licitação vem sendo crescentemente incluída em um sistema mais complexo de coordenação entre a racionalidade individual (voltada para interesses meramente egoísticos) e metas coletivas, como passaremos a descrever em seguida.

II. A inovadora adoção das licitações públicas como instrumento regulatório e de fomento

Partindo-se da premissa de que a norma jurídica incide, ao menos, de modo indireto no comportamento estratégico dos agentes, cumpre verificar em que medida o sistema jurídico atual – representado por uma função que transforma ações em consequências – incentiva os indivíduos a reagirem conforme as preferências político-sociais.

Este esforço pode ser observado no que toca especificamente à atividade licitatória da administração, em primeiro lugar, na regulação normativa que trata da sustentabilidade como um novo paradigma orientador das compras públicas.

Nesse sentido, em 2/8/10 foi instituída, por meio da lei 12.305/10, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, cujo art. 7º, inciso XI, dispõe, dentre seus objetivos, que seja dada prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para, por exemplo, (i) produtos reciclados e recicláveis; (ii) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; e (iii) o desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético.

Assim, na instauração de um processo de compra, caberia ao gestor público, na tomada de decisão, questionar quais produtos e/ou serviços podem causar menor impacto sobre o meio ambiente, levando-se em conta, por exemplo, o menor consumo de matéria-prima e de energia, a possibilidade de reciclagem, de reutilização e de descarte de materiais etc.

Mas foi principalmente a partir da edição da lei 12.349/104 que surgiu a possibilidade de utilização das licitações públicas como importante mecanismo de desenvolvimento nacional sustentável5.

Isso porque o forte potencial de mobilização de diversos setores da economia por via das compras governamentais – que, no Brasil, movimentam recursos estimados em 10% do PIB nacional6 – é capaz de gerar repercussão direta na iniciativa privada realizando-se pequenos ajustes no modelo convencional do procedimento licitatório.

Até o advento da lei 12.349/10, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública limitava-se a uma avaliação de aspectos meramente econômicos. Todavia, o sentido da lei 8.666/93 adquiriu novos e ampliados contornos com o surgimento da legislação que incluiu expressamente a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um dos objetivos da licitação7. A proposta mais vantajosa para a administração pública deixou de ser aquela que apenas demonstrasse possuir a melhor relação direta "custo-benefício" e passou a ser a que também propiciasse, mesmo que a longo prazo, benefícios sociais, ambientais e econômicos duradouros para o país.

Observa-se, portanto, uma tendência evolutiva do legislador pátrio em regular a intervenção na economia de uma forma menos impositiva e socialmente mais cooperativa. Esta tendência tem sido recentemente constatada na inserção de outros variados mecanismos de regulação estatal nos procedimentos licitatórios. Desta forma, a licitação passou a ser vista sob uma ótica constitucional, de consagração de valores pluralísticos, de onde deixou de ser tida como mero instrumento de compra do governo para se tornar mais um vetor de garantia dos interesses coletivos e do desenvolvimento nacional.

Na esteira do novo objetivo introduzido pela lei 12.349/10, a função regulatória da licitação manifestou-se, no que tange à busca do desenvolvimento sustentável, em mecanismos que estabelecem tratamentos mais benéficos para empresas/licitantes que exercerem suas atividades buscando o desenvolvimento do país. Assim, a fim de incentivar a indústria nacional, de modo a gerar mais empregos e renda, estimular a inovação tecnológica e aumentar a arrecadação de tributos, dentre outros objetivos, o § 5º da lei 8.666/93, incluído pela lei 12.349/10, previu a possibilidade de se estabelecer, nos procedimentos licitatórios, margens de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras. Também foi prevista, no § 7º da lei de licitações, a possibilidade de se estabelecer margem de preferência adicional para os produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país.

Cabe, no entanto, ao Poder Executivo Federal fixar os percentuais referentes às margens de preferência por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços, de acordo com o § 8º da lei n.º 8.666/93. Esta regulamentação tem, assim, sido implementada para cada tipo de objeto por meio da edição de decretos federais. Primeiramente, adveio o decreto 7.546/11, disciplinando a aplicação da margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais e de medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou de acesso a condições vantajosas de financiamento, bem como para instituir a Comissão Interministerial de Compras Públicas, que possui atribuições específicas relativas à proposição e ao acompanhamento da aplicação das margens de preferência.

Após a definição, pelo decreto Federal, dos critérios gerais para fixação das margens de preferência nas licitações públicas, outros normativos foram expedidos para disciplinar a aplicação do referido benefício para aquisição de objetos específicos. Assim, por exemplo, o decreto 7.709/12, estabeleceu que os editais de licitações realizadas no âmbito da administração pública Federal, para aquisição de motoniveladores e retroescavadeiras, deverão contemplar a aplicação das margens de preferência de 25% e 15%, respectivamente. Já o decreto 7.713/12, dispôs sobre a aplicação de margens específicas de preferência para aquisição de fármacos e medicamentos manufaturados no país. Ainda no ano de 2012, foram expedidos outros decretos que fixaram a aplicação de margens de preferência para a aquisição de produtos manufaturados nacionais específicos, tais como o decreto 7.756/12 (para produtos de confecções, calçados e artefatos), o decreto 7.767/12 (para produtos médicos que observem o Processo Produtivo Básico) e o decreto 7.816/12 (para caminhões, furgões e implementos rodoviários).

Em 2013, o Poder Executivo Federal publicou o decreto 7.903/13, que passou a estabelecer a aplicação de margens de preferência normal (para produtos manufaturados nacionais) e adicional (para produtos manufaturados nacionais que tenham sido desenvolvidos no país) para aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e comunicação em licitações realizadas no âmbito da administração pública Federal.

Como se consegue vislumbrar, portanto, esse programa normativo faz parte de uma política nacional que prioriza as compras públicas como meio para desenvolvimento da indústria brasileira e para incentivo ao investimento em inovação e avanço tecnológico no país. Logo, é possível concluir que os procedimentos licitatórios no âmbito da administração pública Federal representam um terreno fértil e ainda não integralmente explorado para novas vertentes regulatórias.

Outro exemplo de manifestação desse novo paradigma verificado no âmbito dos procedimentos licitatórios encontra-se consubstanciada no decreto 7.174/10, que regulamenta a contratação de bens e serviços de informática e automação. Neste decreto, restaram regulamentadas as preferências já previstas no artigo 3º da lei 8.248/91 (lei nacional de informática), no sentido de que caberá ao órgão licitante dar preferência na contratação de bens e serviços de informática e automação que, na seguinte ordem: 1) Possuam tecnologia desenvolvida no país e sejam produzidos de acordo com o Processo Produtivo Básico (PPB), na forma definida pelo Poder Executivo Federal; 2) Com tecnologia desenvolvida no país e; 3) produzidos de acordo com o PPB, na forma definida pelo Poder Executivo Federal8. O exercício do direito de preferência, portanto, deverá ser concedido aos licitantes que estejam enquadrados nas condições acima e deverá ser concedido após a obtenção da classificação das propostas (quando for adotada a "técnica e preço") ou após a fase de oferta de lances (quando for pregão), nos termos do artigo 8º, caput e parágrafos do referido decreto.

Ou seja, o direito de preferência em questão foi instituído com o objetivo de incentivar e favorecer sociedades que atendam a determinadas condições, consistindo, em suma, na realização do desempate ficto. Isto quer dizer que as ofertas apresentadas por estas empresas serão consideradas empatadas com as propostas apresentadas por empresas não enquadradas nas mesmas categorias, mesmo quando forem superiores em até 5% ou 10%, conforme o caso.

Ainda, no que se refere às preferências previstas na LC 123/06 (que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), o mesmo decreto fixou prioridade para exercício do direito de preferências às micro e pequenas empresas em face dos licitantes enquadrados nos demais critérios de tratamento favorecido disposto no seu artigo 5º e no art. 3º da lei 8.248/91.

Além do direito de preferência, o decreto 7.174/10, no inciso II, do art. 3º, estabeleceu, ainda, que, nas aquisições de bens de informática e automação, o edital deverá conter exigências, para a fase habilitação, de certificações emitidas por instituições públicas ou privadas credenciadas pelo Inmetro que atestem a adequação a requisitos de segurança para o usuário e instalações, compatibilidade eletromagnética e consumo de energia. Com tal exigência, é possível concluir que seu objetivo foi incitar um maior controle, pela administração pública, da qualidade e eficiência dos bens de informática licitados e contratados, adotando-se, para tanto, modelos de padronização técnica internacional e de qualidade. Com efeito, a padronização internacional, ao romper com barreiras técnicas, facilita o comércio internacional de produtos do setor de tecnologia.

Como se verifica, portanto, o incipiente programa regulatório que utiliza a licitação como instrumento de fomento – ao integrar considerações ambientais e sociais em todos os estágios da contratação administrativa, beneficiando aqueles que atenderem a requisitos técnicos e de desempenho eleitos como relevantes – propicia a cooperação voluntária dos agentes privados no processo de desenvolvimento nacional, inclusive direcionando, de forma consciente, as formas de produção e consumo. Relega-se, assim, à coerção papel secundário.

III. Como equilibrar, porém, o papel regulatório das licitações públicas com a obtenção da proposta mais vantajosa pela administração?

Em que pese à relevância das normas descritas acima enquanto instrumentos de indução de práticas de mercado desejáveis, se, de um lado, o processo de criação do Direito deve voltar-se para uma atuação estratégica, capaz de afetar as escolhas individuais e canalizá-las na direção de critérios socioeconômicos eleitos, não se deve esquecer, de outro, das peculiaridades do entorno com que a política regulatória irá, em cada caso, interagir9.

Transpondo-se, assim, esse raciocínio para a atividade licitatória, importa verificar em que medida a sua utilização como instrumento público de fomento pode acabar prejudicando o alcance da sua principal finalidade: a obtenção da proposta de preços economicamente mais vantajosa para a administração, assegurada sobretudo pela mais ampla participação entre os agentes econômicos interessados.

Isso porque, em primeiro lugar, o estabelecimento de determinados requisitos que restringem a participação no certame licitatório tende a comprometer a competitividade e, consequentemente, a disputa entre os participantes por meio da redução dos respectivos preços ofertados à administração.

Adicionalmente, o favorecimento de determinados setores (como daqueles que produzem de acordo com um PPB) ou a imposição de critérios de qualidade (como os de sustentabilidade ambiental), em regra, oneram os custos de produção ou de execução do objeto licitado, custos que, inevitavelmente, acabam sendo repassados para a administração.

Como forma de solucionar, portanto, esse impasse entre, de um lado, o incentivo a determinadas práticas de mercado e, de outro, a economicidade visada pela administração em suas licitações, impõe-se que o material normativo listado acima seja sempre interpretado no sentido de que é tão somente facultado à administração a adoção dos diferentes instrumentos de fomento, de acordo com as peculiaridades envolvidas em cada caso.

Ou seja, importará avaliar a natureza do específico mercado fornecedor do objeto pretendido pela administração e se o mesmo já se adequou devidamente às exigências estabelecidas. Medidas excessivas podem acabar afastando potenciais interessados em participar do certame, colocando-se o procedimento licitatório como um todo em risco. Ou, igualmente grave, onerando demasiadamente os custos com que terá de arcar o Poder Público.

Isso significa, portanto, a realização de uma ponderação entre os valores visados pela medida regulatória e os interesses econômico-financeiros da máquina administrativa, sobretudo por meio de uma análise de custo-benefício da medida de incentivo.

Importante ressalvar, porém, que o afastamento em concreto dessas regras sempre irá impor uma detalhada fundamentação por parte do administrador, justificando-se as razões que orientarem a não adoção do instrumento em cada caso. Caso contrário, seria deixado um espaço decisório muito amplo a favor da administração, em detrimento dos objetivos que se quer com a política de fomento atingir.

Acrescente-se, por fim, que a adoção equilibrada desses instrumentos demanda, ainda, uma regulamentação normativa clara e minuciosa, sem que se deixem ao critério de cada administração a forma e as hipóteses de sua aplicação, sob pena de restar ampla e indevidamente adotada em detrimento do escopo principal da licitação.

Esse foi, aliás, o entendimento recentemente exposto pelo Tribunal de Contas da União, no acórdão 1.317/13 – plenário, no sentido de que "as políticas públicas ... que visam à adoção de medida da restrição entendida como necessária para garantir a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, por envolver aparato normativo complexo para a sua concretização, dependem de regulamentação a fim de afastar qualquer possibilidade de discricionariedade". Dessa forma, "a preferência deve ser viabilizada mediante a ação normativa e reguladora do Estado, visando a promover maior eficiência e qualidade do gasto público". (...) "enquanto não for publicado decreto estabelecendo os percentuais das margens de preferência e discriminando a abrangência de sua aplicação, não cabe ao gestor adotar, ao seu juízo, restrições objetivando a aquisição de produtos nacionais nos editais licitatórios, em detrimento aos produtos estrangeiros".

Conclui-se, assim, que, apesar de ainda incipientes, os primeiros passos vêm sendo dados em direção a novas diretrizes regulatórias, voltadas para o estímulo à cooperação voluntária e para a inserção da solidariedade no âmbito do Direito, prometendo um futuro de superação de modelos repressivos que, muitas vezes, em razão do seu rigor, distanciam-se das finalidades sociais originalmente propostas.

Mas, justamente pela novidade do tema, sua aplicação, com destaque aqui para o âmbito da atividade licitatória, impõe que as escolhas do administrador sejam cautelosas, de forma que não sejam gerados efeitos empíricos reversos dos originalmente propostos pelas medidas de incentivo.

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1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008. p. 108.

2 SUNSTEIN, Cass. Paradoxes of the Regulatory State. The University of Chicago Law Review, v. 57, n. 2, p. 407.

3 Ibid. p. 413-424.

4 Vale mencionar que, já no ano de 2005, foi editado o decreto 49.674/05, do Estado de São Paulo, estabelecendo procedimentos de controle ambiental para a utilização de produtos e subprodutos de madeira de origem nativa em obras e serviços de engenharia contratados por aquele ente da Federação.

5 O conceito de desenvolvimento sustentável foi amplamente disseminado nas últimas décadas, sobretudo a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad — Unced em inglês —, mais conhecida como Rio 92). Tornou-se um divisor de águas nas políticas internacionais, com a assinatura de importantes documentos, tais como a Agenda 21, a Convenção Quadro sobre Clima, a Convenção de Biodiversidade e o Protocolo de Florestas, tal como relata o "Guia de compras públicas sustentáveis – ICLEI" – Governos Locais pela Sustentabilidade, Secretariado para América Latina e Caribe (Lacs), p. 13, produzido em parceria com o Centro de Estudos sobre Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (GVces). Disponível em: https://www.gvces.com.br/arquivos/36/Guia-de-compras-publicas-sustentaveis.pdf. Acesso em: 04 jul. 2013.

6 Ibid. p. 11.

7 Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifo nosso)

8 Art. 5º do decreto 7.174/10, o qual regulamenta o art. 3º da lei 8.248/91.

9 Ibid., p. 72.

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*Jéssica Acocella e Juliana Cabral Coelho Rangel são advogadas e coordenadoras do departamento de licitações do BNDES.



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