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A nova lei brasileira anticorrupção - PL 39/13

A eventual responsabilização da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de responsabilização individual daqueles que tiverem praticado, concorrido ou participado do ilícito, sejam eles dirigentes, administradores ou qualquer outro indivíduo.

11/7/2013

1. Introdução

Tudo indica que o PL 39/13 aprovado semana passada no Senado, originado do PL 6.826/10 da Câmara dos Deputados, será sancionado pela presidente da República em tempo recorde. A norma, a ser integrada ao ordenamento jurídico brasileiro, alinha-se aos esforços no âmbito internacional de proteção das melhores práticas comerciais e do combate à corrupção, em atendimento, nos termos do próprio Projeto, aos “princípios da administração pública” ou aos “compromissos internacionais assumidos pelo Brasil” (art. 5º, caput).

O PL 39/13, apesar de ter sido impulsionado nesta fase do processo legislativo pelas recentes manifestações públicas contra a corrupção, tem sua origem na Convenção de Combate à Corrupção de Agentes Públicos em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, de 1997, da qual o Brasil é signatário, que em seu artigo 2º prevê que cada país signatário deve tomar as medidas que se façam necessárias, de acordo com seus princípios legais, para estabelecer a responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção de agentes públicos estrangeiros.

Em dezembro de 2007 a OECD, após uma revisão das medidas tomadas pelo Brasil, por meio de seu Grupo de Trabalho sobre Corrupção (OECD Working Group on Bribery) formado por representantes de 37 países, recomendou que o Brasil deveria rapidamente modificar suas leis para responsabilizar as empresas pelo pagamento de subornos a agentes públicos, bem como para garantir a aplicação de sanções efetivas, proporcionais e dissuasivas com relação a tais condutas.

É nesse contexto de aplicação das regras da Convenção da OCDE, além de outras duas Convenções da ONU e da OEA, que o Brasil está prestes a contar com uma lei que responsabiliza as pessoas jurídicas por atos de corrupção. O PL 39/13 dispõe sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e traz como novidade a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas. O PL também prevê a responsabilização de sociedades estrangeiras, estendendo-se seus efeitos a qualquer sociedade que tenha sede, filial, ou representação no território brasileiro.

A eventual responsabilização da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de responsabilização individual daqueles que tiverem praticado, concorrido ou participado do ilícito, sejam eles dirigentes, administradores ou qualquer outro indivíduo.

2. O que há de novo na lei proposta

Nas primeiras opiniões quanto ao PL 39/13 e reações a sua aprovação no Senado, vários questionaram quanto a sua superposição com relação à lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), criticando-o e, até mesmo, considerando-o redundante. Salvo melhor juízo, entendemos que não se deva confundir o âmbito de aplicação do PL 39/13 com aquele da lei de improbidade, cujo foco são as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta ou indireta, e apenas por extensão pode ensejar a punição das pessoas jurídicas envolvidas.

É certo que a lei de improbidade administrativa estabelece em seu artigo 3º que suas disposições são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Contudo, à diferença do PL 39/13, não há qualquer referência ou previsão de responsabilidade objetiva - em que pesem as críticas que hão de ser feitas - das pessoas jurídicas que porventura se beneficiem do ato de improbidade, pois o artigo 5º da lei de improbidade estabelece que o ressarcimento do dano ao patrimônio público somente cabe nos casos de ação ou omissão dolosa ou culposa de terceiro (e mesmo do agente público). Isso fica ainda mais evidente na Seção II, que trata dos atos de improbidade que causam prejuízo ao Erário Público. O caput do art. 10. define como ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres da administração pública.

Sem sombra de dúvida, porém, o PL 39/13, ao dispor sobre a responsabilização de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, abarca muitas hipóteses cobertas pela lei de improbidade administrativa, mas com claras diferenças, começando pelo enfoque nas pessoas jurídicas envolvidas no polo ativo dos atos lesivos à administração pública. Além do foco exclusivo do PL nas sociedades empresárias, há grandes diferenças entre os textos legais, tais como a responsabilidade objetiva, a inclusão da administração pública estrangeira e de organizações públicas internacionais como potenciais vítimas que passariam a ser tuteladas pela lei, a aplicação de determinadas sanções mediante simples processo administrativo, a multa prevista no art. 6º, a punição de pessoa jurídica nacional por ato praticado no exterior, a previsão expressa de responsabilização de sociedades controladas, controladoras, coligadas ou consorciadas, a publicação ostensiva da decisão condenatória (por exemplo, nos estabelecimentos e no web site da condenada e em meios de comunicação de grande circulação), entre várias outras que mencionaremos adiante.

O PL, apresentado pelo Senado, ajustou ainda uma questão deixada de lado pelo PL 6.826, que diz respeito à possibilidade de acordo de leniência. A lei de improbidade, em seu artigo 17, §1º, veda expressamente a transação, acordo ou conciliação nas ações judiciais que tratam de atos de improbidade, ao passo que o PL 39/13, em seu artigo 16, autoriza expressamente a celebração de acordo de leniência com pessoas jurídicas responsáveis pelas infrações ali previstas, desde que colaborem efetivamente com as investigações, e cuja colaboração leve à identificação dos demais envolvidos, a rápida obtenção de documentos e informações que comprovem o ilícito. O § 1º do artigo em comento exige, para que se celebre acordo de leniência, que a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar, que cesse completamente sua participação no ilícito, admita sua participação e coopere plena e permanentemente com as investigações.

Mediante o acordo de leniência a proponente poderá obter isenção das sanções previstas no inciso II do artigo 6º (publicação da condenação) e do inciso IV do artigo 19 (proibição de receber incentivos, subsídios, empréstimos etc.), além da redução da multa em até dois terços. A proponente ainda estará obrigada a reparar o dano causado à administração em função dos ilícitos por ela praticados. Acrescenta-se, ainda, que o PL também estende a possibilidade de acordo de leniência com relação às infrações à lei 8.666/93, com vistas à isenção ou atenuação das sanções estabelecidas em seus artigos 86 e 88.

Ainda visando apresentar as novidades trazidas pelo PL em relação à lei de improbidade, em relação às condutas condenáveis, o melhor exemplo, talvez, seja o inciso I do artigo 5º, que define como ato lesivo à administração pública o simples fato de prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada, independentemente da consumação da violação ou desvio de conduta por parte do agente público, prejuízo para a administração pública, enriquecimento ilícito ou ato contrário aos princípios da administração pública. A leitura da lei de improbidade deixa claro que é imprescindível para a caracterização do ato de improbidade que tenha havido enriquecimento ilícito (art. 9º), prejuízo ao erário (art. 10) ou que o agente público tenha efetivamente praticado ato que atente contra os princípios da administração pública (art. 11). No caso do PL em comento, basta a promessa ou oferta de vantagem indevida pelo agente econômico, ainda que o agente público a recuse.

3. Programa de Compliance

O grande salto a ser festejado pela introdução de uma norma deste tipo, que vinha sendo chamada de lei da empresa limpa, é a de finalmente criar uma previsão legal expressa para que as empresas estruturem um programa efetivo de compliance. Na esteira de práticas consolidadas de integridade e compliance empresarial, e de políticas anticorrupção, o projeto prevê que se beneficiarão, em caso de investigações, as empresas que adotem práticas de prevenção deste tipo de conduta, demonstrando pró-atividade e preocupação com o padrão de conduta cultivada pela empresa, por meio de seus funcionários e colaboradores. Malgrado o fato de a questão não ter sido tratada com o devido cuidado e técnica, no inciso VIII do artigo 7º, o PL reconhece o valor e a importância da existência de “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”, que serão levados em consideração na aplicação das sanções. Ainda que de forma um tanto atabalhoada, e da falta de clareza quanto ao sistema de crédito que será aplicado a sociedades empresárias que contem com um programa eficiente de compliance, o dispositivo em comento cria importante incentivo para que as empresas estruturem programas de compliance, e que façam investimento na prevenção de atos de corrupção ou demais atos lesivos à administração pública. Mais do que nunca, diante da gravidade das sanções e da responsabilidade objetiva previstas no PL, não resta senão prevenir – mas não só, uma vez que a disseminação de valores éticos e de conduta conferem valor e amálgama aos atributos da empresa, seus serviços ou produtos e seus profissionais.

Neste sentido, destacamos a carência de diretrizes mais claras quanto ao que será considerado um programa eficiente de compliance, ou a “aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. O parágrafo único do artigo 7º do PL prevê que os parâmetros de avaliação de tais mecanismos e procedimentos serão estabelecidos em regulamento pelo Poder Executivo Federal. Na falta destes, e em preparação para a iminente sanção da nova lei, e de sua entrada em vigor em 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação, as empresas podem procurar amparo nas recomendações da própria OCDE, ou mesmo no manual denominado FCPA Resource Guide, publicado em novembro de 2012, conjuntamente pela Divisão Criminal do Departamento de Justiça e pelo setor da Securities and Exchange Commission responsável por investigar e punir empresas por violações à lei norte-americana anticorrupção ou “FCPA”, ambos órgãos do governo dos Estados Unidos.

4. Pontos Controvertidos

Conforme mencionado acima, o PL traz diversas modificações na abordagem do tema anticorrupção, algumas das quais bastante inovadoras, tais como a extraterritorialidade da lei, que é inédita no Brasil, além da própria responsabilidade objetiva, que não é da nossa tradição jurídica. A nosso ver, há considerável potencial de conflitos de interesse, senão colidência direta, entre a defesa dos dirigentes ou administradores potencialmente envolvidos e suas declarações e atos em nome da empresa. Some-se a isso o fato de que, no sistema anglo-saxão, o indivíduo tem o direito de se calar, mas não pode mentir em sua defesa, sob o risco de cometer perjúrio, ao passo que em nosso sistema o acusado não tem obrigação de produzir prova contra si mesmo nem pode ser responsabilizado por não dizer a verdade, exceto nos casos de autoacusação falsa ou falsa atribuição de crime a terceiro.

Todos estes são problemas que podem decorrer da tentativa de, acelerando o processo legislativo pelo clamor das ruas, importar um modelo de responsabilização que nasceu na Common Law, que muitas vezes não se encaixa adequadamente em nosso modelo romano-germânico.

É preciso, portanto, estarmos atentos para que não se repitam experiências malsucedidas vividas no passado recente, cujo maior exemplo é a lei do colarinho branco (7.492/86) redigida e aprovada às pressas, sem nenhum cuidado ou apego pela boa técnica legislativa, diante da necessidade de uma resposta estatal ao clamor popular crescente diante de escândalos financeiros que na época se verificaram.

Basta verificar a mensagem de veto presidencial que contém um pedido de desculpas implícito, ao dizer que “as críticas ao resultado dos trabalhos da Comissão de Juristas, feitas por quantos desejarem trazer-lhe aperfeiçoamentos, estão em fase final de catalogação e avaliação, para eventual incorporação ao anteprojeto, o qual, tão logo esteja em condições de ser apreciado pelo Congresso Nacional, encaminharei como projeto de lei à aprovação de vossas excelências. Sem embargo da providência acima referida, entendi dar sanção ao Projeto que o Congresso houve por bem aprovar”. Trocando em miúdos: a lei é ruim e precisa ser revista, mas mesmo assim resolvi sancioná-la. A revisão, entretanto, nunca veio e continuamos a conviver com um diploma legislativo recheado de tipos vagos e abertos e de outras falhas técnicas, e que não atende ao fim primordial de qualquer lei, consistente em estabelecer regras claras de conduta, gerando segurança jurídica.

Essas seriam as primeiras reflexões que gostaríamos que fossem disseminadas na comunidade jurídica visando ao aprimoramento da prática e melhoramentos normativos que ainda poderão ocorrer até a sanção presidencial. Estamos certos de que o PL 39/13 representa progresso no arcabouço jurídico brasileiro voltado ao combate à corrupção, e de que o assunto será incluído como prioridade na pauta das empresas que atuam no país.

__________

*Rafael Mendes Gomes, sócio, e Priscila Akemi Beltrame, advogada associada de Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Cortês, Rennó e Aragão Advogados.


 
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