Há muito tempo que ultrapassamos todos os níveis de violência em São Paulo e no Brasil. Temos visto exemplos de brutalidade e crueldade que fariam corar os czares, ditadores e imperadores mais sanguinários da história: motorista arranca braço de ciclista, assaltante põe fogo em dentista, monstro em pele de criança estupra adolescente, estudante assalta banca de jornal, jovem quebra vidro de estação de trem com seu skate, manifestantes espancam policial e este, por sua vez, atira em jornalistas.
Os defensores dos direitos humanos, perdidos que estão, parecem sempre olharem para o lado errado. A mídia fala sozinha, já que quem poderia responder não escuta e quem tem medo se cala.
O brasileiro não é um povo acostumado ao terrorismo clássico, com agentes suicidas carregando bombas nos próprios bolsos, mas, infelizmente, tem se acostumado à miséria humana permeada de pânico, violência, escárnio, impunidade e anarquia e esse caldo faz o mesmo efeito daquele, que é desestabilizar as sociedades e desacreditar as instituições. Estamos exatamente nesse ponto e ainda pensamos pequeno. Parece que tudo o que conseguimos fazer é baderna por conta do aumento do preço do transporte público, sem dar-nos conta de que mortos não andam de ônibus; estamos morrendo feito moscas e tudo o que nos preocupa são os torneios de futebol, em que ainda aproveitamos para vaiar a presidente da república, como se a pessoa dela fosse a responsável pela nossa incapacidade de organizar uma única passeata sequer, sem desgraçar o trânsito das cidades e sem causar mais prejuízo a um país já empobrecido moral e financeiramente. Parece que ninguém percebeu que até mesmo nossos policiais, desaparelhados, mal pagos e mal treinados, têm medo de confusão. Quando não são corruptos, são coitados. Somos todos dignos de pena.
A maioria deste país trabalha, estuda, paga impostos, anda de transporte público, gira a economia, desfruta de algum lazer... não é possível que seja aprisionada por minorias armadas e descontroladas.
Será que conseguimos pacificamente, só com alguma inteligência, demonstrar a distância entre as necessidades da sociedade e os atos da autoridade? Nossos governantes são responsáveis, sim, pela implantação da ordem e progresso, mas estão desorientados, quiçá inebriados pela impunidade que a eles também se aplica. Urge que consigamos, no pleno exercício da democracia, mostrar a eles que estamos apavorados, acuados, perdendo dignidade, poder econômico e vida. E será que conseguimos fazer isso sem tumultuar ou quebrar nada? Conseguimos boicotar os jogos da Copa simplesmente não comprando ingressos? Conseguimos nos unir e fazer um minuto de silêncio apenas, em dia e hora determinados, que seja, pelas redes sociais?
Talvez a mídia compre esse desafio e, em vez de apanhar da polícia, organize a sociedade num movimento histórico para demonstrar que estamos todos doloridos e cansados.
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* Luciana Gualda é Diretora Executiva Jurídica da Aché Laboratórios e membro do Jurídico de Saias.