O Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais há algum tempo vem insistindo na cobrança de direitos autorais pela execução de músicas em festas de casamentos.
Para justificar a cobrança dos direitos autorais, o Ecad se utiliza do disposto no artigo 68, da lei 9.610/98, segundo o qual "sem prévia e expressa autorização do autor e titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas em representações e execuções públicas".
No entanto, para essa breve análise aqui nos interessa o que dispõem os §§2º e 3º, do art. 68 da lei 9.610/98, que define o conceito de "execução pública" e apresenta rol exemplificativo dos "locais de frequência coletiva".
Nos termos da lei, considera-se execução pública a utilização de composições musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva.
O rol que enumera os locais de frequência coletiva, por sua vez, não é taxativo, mas sim exemplificativo, e por essa razão dá azo a inúmeras interpretações subjetivas, entre elas o fato de se entender que o espaço onde é realizada festa de casamento é local de frequência coletiva.
De acordo com Walter Morais, in Artistas e Intérpretes e Executantes, p.92 e 93, 1973, execução pública em local de frequência coletiva é aquela acessível a qualquer pessoa. Nos seus dizeres "execução pública não é a ocorrida em lugar público necessariamente, pois o artista pode executar para o público a partir de um ambiente privado [...]; pode, por outro lado, atuar em lugar público uma execução não pública, como a pessoa que canta ou declama num parque ou numa praia para um círculo privado. Tampouco se trata de um critério numérico ou quantitativo; pública não é necessariamente a execução dirigida a uma multidão de pessoas, porque o artista que interpreta para uma multidão de convivas não realiza com isso uma execução pública".(Walter Moraes, Posição Sistemática do Direito dos Artistas Intérpretes e Executantes, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais S/A, 1973, páginas 91/92)
Fato é que recentemente, o Ecad, utilizando-se do rol exemplificativo do §3º do art. 68 da lei de direitos autorais, efetuou a cobrança de direitos autorais a um "Espaço de Eventos" localizado na cidade de São Paulo, em razão de, naquele local, ter sido realizada uma festa de casamento.
O espaço de eventos repassou aos noivos o valor que pagou ao Ecad em razão da execução de músicas durante a festa de casamento, e o noivo, por sua vez, ajuizou uma ação contra o Ecad requerendo a devolução em dobro dos valores cobrados, sob a alegação de que se trata de uma festa particular, não incidindo a cobrança de direitos autorais pela execução de músicas.
A ação que tramita no Juizado Especial Cível da Comarca de São Paulo foi julgada parcialmente procedente em 1ª instância, para declarar a inexigibilidade da taxa do Ecad, condenando-o a reembolsar o valor cobrado, com incidência de correção monetária desde o desembolso da quantia e juros legais de mora de 1% ao mês desde a citação.
O juiz entendeu pela aplicação do disposto no art. 46, inciso VI, da lei 9.610/98, que autoriza a execução musical no recesso familiar, desde que não haja intuito de lucro. De acordo com a sentença "festas de casamento" não podem ser considerados locais públicos, por representar uma "espécie de prolongamento da casa dos noivos".
Nas palavras do Julgador "o clube locado para a realização de festa de casamento é uma espécie de prolongamento da casa do noivo, não podendo ser considerado local público com execução coletiva de músicas".
A decisão judicial ao destacar que o casamento "trata-se, portanto, de festa particular, cujo local em que se realizou deve ser considerado como extensão da casa dos nubentes, já que não estava aberto ao público", se amolda ao disposto no §3º do art. 68 da lei de direitos autorais, não podendo incidir a cobrança dos direitos autorais por se tratar de uma festa particular, restrita a amigos e familiares.
E quanto ao fato da festa ser realizada em um clube, boate, hotel ou qualquer outro espaço de evento, ainda que previsto no rol de locais de frequência coletiva do §3º do art. 68 da lei 9.610/98, o que se deve analisar é a natureza do evento realizado, se particular, como na hipótese de festas de casamentos, não deverá haver cobrança dos direitos autorais.
A propósito, é de se destacar, ainda trecho da decisão que ressaltou "Não há diferença em se realizar uma festa de casamento no salão de festas de um condomínio, em um espaço próprio para eventos ou na residência dos noivos ou familiares. É irrelevante o número de pessoas que participaram do evento. Somente os convidados, familiares e amigos compartilharam com os noivos dessa festa. Não houve cobrança de ingressos ou aferição de proveito econômico por parte dos organizadores do evento, ou seja, o autor e sua esposa.". (Processo n. 061.5789-25.2012.8.26.0016. Juizado Especial Cível da Comarca de São Paulo, Capital)
Por todos esses motivos é que o Prof. Newton Silveira, em seu artigo "Direito Autoral: Princípios e Limitações" sugere que seja acrescido ao final do rol exemplificativo do §3º do art. 68 da lei 9.610/98, "exceto quando tais locais estejam interditados ao público em geral para uso ou evento privado".
É exatamente essa a interpretação justa, adequada e coerente que devemos dar à lei de direitos autorais.
____________
* Lyvia Carvalho Domingues é advogada, especialista em Propriedade Intelectual e Direito das Novas Tecnologias e integra o escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.