Não é mais novidade a briga travada pelos Estados pela fatia da arrecadação do ICMS no e-commerce. Com o famigerado protocolo ICMS 21/11 do Confaz - Conselho Nacional de Política Fazendária, os Estados1 que se sentiram prejudicados na arrecadação do imposto nessa modalidade de comercialização de mercadorias celebraram acordo para estabelecer que nas operações interestaduais que destinem mercadoria ao consumidor final, cuja aquisição tenha ocorrida de forma não presencial, o ICMS será repartido pelo Estado de origem e pelo Estado de destino.
Do ponto de vista econômico, as operações realizadas entre partes (vendedor e comprador) ambos localizados em Estados signatários do protocolo não trazem prejuízo financeiro aos contribuintes, eis que a alíquota será repartida entre os Estados envolvidos.
Nesse sentido, considerando a alíquota interna de 18%, o contribuinte deverá recolher o ICMS interestadual ao Estado de saída (7% ou 12% a depender do caso) e o diferencial ao Estado de destino (11% ou 6%).
Contudo, o grande problema surge nas operações em que a venda seja realizada para um indivíduo localizado em Estado signatário do protocolo, mas o remetente esteja situado em Estado que não aderiu à regra em questão. Isto porque, de acordo com atual Constituição Federal, o tributo estadual nas operações de e-commerce é devido apenas e tão somente ao Estado de origem sem qualquer repartição de alíquota ao de destino, como estipulado unilateralmente pelo protocolo 21/11.
Nesta hipótese, portanto, os contribuintes são obrigados a recolher a alíquota cheia na saída (18%, por exemplo) ao Estado de origem e, ainda, o adicional exigido pelo Estado destinatário, o que faz com que, no final das contas, o recolhimento de ICMS seja majorado exacerbadamente, podendo alcançar absurdos 29% do valor da operação.
Como se não bastasse o aspecto financeiro acima mencionado, sob a perspectiva operacional, a sistemática imposta pelo protocolo 21/11 tem se mostrado extremamente custosa às empresas, eis que o ICMS supostamente devido ao Estado destinatário deverá ser recolhido antecipadamente, via guia GNRE, documento este que deverá acompanhar cada remessa de mercadoria, o que exige um árduo empenho logístico das empresas de ecommerce.
Vale ressaltar, ainda, que a falta da GNRE poderá ensejar a apreensão da mercadoria na divisa do Estado destinatário como forma coercitiva de cobrança do ICMS, sendo liberada apenas com o pagamento do imposto ou via medida judicial.
Feitas essas considerações, vale lembrar que a questão da disputa entre os Estados pela a tributação das operações de comércio eletrônico já é pauta de análise do Supremo Tribunal Federal há algum tempo, eis que o protocolo 21/11 é objeto de algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tramitam naquela casa.
Ocorre que, com o julgamento do mensalão e outros temas de grande clamor popular, a análise das ações que tratam da matéria no STF ficou em segundo plano. Assim, o que se vê é que, muito embora nossa Corte Suprema tenha já demonstrado a tendência de julgar a inconstitucionalidade da regra esculpida no protocolo 21/11, fato é que não há como prever quando teremos uma posição do STF sobre o tema, sendo certo que a indefinição sobre a questão poderá ainda perdurar por muito tempo.
Paralelamente, sabemos que o Legislativo movimenta-se para promulgar EC que trate do tema, "constitucionalizando" regra semelhante à trazida pelo protocolo e que terá efeito vinculante a todos os Estados da federação, sejam estes compactuantes, ou não, do o protocolo 21/11.
Nesse sentido, originalmente, foram apresentadas três PECs acerca do tema, sendo que todos, hoje em dia, encontram-se reunidos na PEC 103/11. Vale dizer que a mesma, já aprovada pelo Senado, encontra-se em trâmite na Câmara dos deputados para análise.
A aprovação da PEC em questão, que estipula, via de regra, a repartição de alíquota do ICMS nas operações de e-commerce, ensejando, assim, a distribuição das receitas entre os Estados, resolveria a guerra fiscal nesse tocante, eliminando qualquer inconstitucionalidade hoje existente com a publicação do protocolo 21/11.
Todavia, o panorama político brasileiro não contribui para uma aprovação rápida e sem delongas da PEC em questão.
Atualmente, o Congresso Nacional enfrenta uma enorme discussão política com relação à repartição dos royalties do petróleo entre os Estados que pode afetar diretamente a questão da repartição de receitas tributárias no e-commerce, seja pelo instável ambiente político que está se formando, seja pelo acirramento das sanhas arrecadatórias pelos Estados da federação, o que faz com que aqui, da mesma forma como no Judiciário, não haja previsão de quando haverá uma definição acerca do tema.
Nesse cenário, as empresas que operam no mercado eletrônico, segmento este com crescimento exponencial na econômica brasileira, continuam sujeitas aos efeitos da bitributação, acarretando, por conseguinte, atrasos na entrega de produtos e aumento dos preços aos consumidores.
Enquanto não há uma solução definitiva para a guerra fiscal entre os Estados, seja pelo STF, seja pela aprovação da EC aqui tratada, a única saída das empresas para se protegerem contra a cobrança indevida do ICMS nas divisas fiscais é, ainda, a propositura de ação judicial individual para o afastamento das regras do protocolo 21/11, expediente que está sendo cada vez mais adotado pelas empresas do setor, mostrando-se um rápido e eficaz remédio contra as inconstitucionalidades praticadas pelos Estados signatários.
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1 Estados signatários: Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal.
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* Fernando Vaisman e Andrew Laface Labatut são advogados do escritório Almeida Advogados