Migalhas de Peso

Supremo Tribunal Federal: o processo de nomeação dos ministros

Dilma acena com a possível indicação do novo ministro do STF para esta semana, e aproveitando o ensejo os autores elencam os critérios de escolha dos ministros.

20/2/2013

Novamente está em pauta a indicação pela presidente da República de ministros do Supremo Tribunal Federal. Com as aposentadorias de Cesar Peluso e de Carlos Britto, surgiram duas vagas a serem preenchidas. Com rapidez aplaudida por alguns e criticada por outros, a Presidente Dilma indicou o Ministro do STJ, Teori Albino Zavascki para a primeira vaga.

Saudável o debate e a cobertura que a mídia vem dando ao tema, pois opera no sentido de avivar a consciência da cidadania. Não obstante a indicação seja prerrogativa do Presidente da República, o povo e a sociedade devem, de algum modo, participar dessa escolha, para que a indicação não se circunscreva a um pequeno colóquio de poucos na República, sem que os principais protagonistas do mundo jurídico e político sejam ao menos consultados, direta ou indiretamente, e possam pelo menos opinar.

Uma coisa é a indicação e outra coisa é a nomeação. Entre uma e outra existe um caminho, um processo constitucionalmente estabelecido, que deve ser rigorosamente observado. De início, convém deixar claro que a indicação, em si mesma, não é livre, mas condicionada. Ministro do STF não é cargo em comissão, de livre provimento. A indicação somente pode recair sobre quem preencha os requisitos constitucionalmente estabelecidos.

Enganam-se aqueles que pensam que os critérios da indicação são puramente subjetivos. A Constituição Federal estabelece requisitos objetivos e claros ao pretendente a Ministro do STF (homem ou mulher) e o problema não raro situa-se no desrespeito desses mesmos critérios, vistos em uma lógica mais abrangente e pragmática.

Diz o artigo 101 da CF que o Supremo compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Em relação a idade, apesar da Constituição autorizar essa aparente margem ampla de 30 (trinta anos) entre o limite mínimo e máximo, a experiência demonstra ser muito difícil e raro encontrar um candidato (homem ou mulher) com menos de 50 anos em condições efetivas de ocupar o cargo. É claro que é possível, mas raro, excepcional. Isso porque, é preciso somar à idade de formação universitária, a eventual obtenção de títulos de pós-graduação, a evolução profissional nas diversas carreiras jurídicas, a aquisição de experiência e a formação de um acervo profissional pessoal.

Aqui emerge uma primeira barreira pouco explorada pela imprensa. Evidentemente que além do requisito formal há o substancial, para alguns, o mais importante (na verdade todos são). A Constituição menciona dois conceitos jurídicos que ensejam algumas indagações, a saber: a) notável saber jurídico e b) reputação ilibada. O que significam? Para quem são dirigidos? Por quem são avaliados?

As respostas são claras. Tais requisitos devem ser avaliados, num primeiro momento, pelo presidente da República, pois é ele quem indicará, dentre todos os membros da comunidade jurídica, alguém que, na sua avaliação (preliminar) detém tais requisitos. Em um segundo momento é o Senado quem deveria confirmar ou não, a avaliação (subjetiva, mas passível de ser objetivada), do Presidente da República.

Notável saber jurídico é um conceito amplo, mas não destituído de significado e conteúdo, e que pode ser aferido no caso concreto. O candidato indicado deve ter em seu histórico de vida profissional um conjunto de elementos que, juntos, sejam reconhecidos pela comunidade do direito e também pela sociedade em geral como reveladores de sua ampla capacidade técnica para exercer o elevado cargo. Alguns pontos são fáceis de verificação. Títulos acadêmicos, obras publicadas, cargos e funções exercidas são bons indicativos para essa verificação global. Isoladamente tais requisitos podem significar muito pouco. Alguém pode ter passado a vida escrevendo livros jurídicos e jamais ter tido contato com a experiência jurídica o que não preenche o requisito constitucional, pois saber jurídico notável é muito mais do que o bom domínio de uma isolada província do direito.

Do mesmo modo, alguém pode ter exercido exaustivamente a advocacia (pública ou privada) ou ser um bom juiz com muitos anos na carreira (em segundo grau minimamente), e ser reconhecido como um grande nome do direito em sua especialidade, mas não se encaixar no conceito constitucional que exige, reafirme-se, a análise de todos esses elementos em conjunto.

Já o segundo requisito, reputação ilibada, parece menos difícil de ser aferido objetivamente. Basta que se pergunte: como o candidato se comportou até o momento ao longo de sua vida pública e privada? Há algum deslize moral em sua conduta, que comprometa o exercício do almejado cargo? Ética é um requisito absolutamente fundamental em qualquer atividade jurídica, pois o direito cuida, fundamentalmente, do comportamento das pessoas.

Note-se que são irrelevantes a orientação sexual do candidato, (ou da candidata), sua convicção religiosa, seu estado civil, sua convicção ideológica ou partidária. Tais elementos não devem ser levados em conta nessa avaliação, salvo evidentemente casos patológicos. Um fundamentalista religioso ou um extremista exacerbado (de esquerda ou de direita) jamais poderiam ser indicados para a Suprema Corte, como também não se imagina um anarquista como postulante a vaga. As funções do cargo exigem isenção, imparcialidade e sensibilidade pessoal e jurídica.

Há, entretanto outras dificuldades que, não raro, deixam a sociedade insatisfeita com as indicações. Essencialmente há a eterna desconfiança não só de que o nomeado tenha firmado um compromisso político com o presidente da República que o nomeia. Não se diz isso abertamente, mas muitas pessoas pensam que ao ser nomeado um novo Ministro, certamente as autoridades participantes do processo de nomeação, quer do Executivo, quer do Legislativo, de algum modo, não só querem saber o que ele pensa do Direito e da vida (o que é natural), como também como julgaria, em tese, diante de questões sensíveis ao Estado e a sociedade, mas também, e aí estaria o problema, exigem um compromisso de comportamento em determinado sentido, em face de casos concretos. Ou seja: um seguro garantia de decisão em um determinado sentido. Quanto menos qualificado o pretendente, tanto mais disposto a firmar tal compromisso.

De todo modo, a orientação, a postura política do candidato em sentido amplo, não é um dado desprezível se entendermos por “política” como a forma pela qual o candidato (ou candidata) vê o mundo, seus valores, suas escolhas, suas opções, seus juízos. Evidentemente que um alinhamento partidário com o partido no poder a priori parece condenável, pois teríamos juízes ligados ao PT, ao PSDB, ao PPP, ao PSB, ao PV etc., enfim, ao partido da situação, o que converteria a Corte Suprema do País em um tribunal político-partidário, o que certamente não imaginou o constituinte de 1988, quando formulou a disciplina do processo de nomeação de integrantes da Suprema Corte.

Por fim há a questão grave que a imprensa não tem discutido. Fala-se em nomear para a Corte Suprema do País, pessoas que integram o governo, só por essa razão. Evidentemente que isso é intolerável. Cargo de Ministro de Supremo Tribunal Federal, como de Tribunal de Contas da União ou de qualquer outra Corte não pode ser visto como uma premiação por boa atuação junto ao Poder Executivo. Até porque essa boa atuação pode ter diversos significados. É evidente que, se determinada pessoa reunir os requisitos constitucionais e ocasionalmente também for um Ministro de Estado, esta última condição não pode ser um fator impeditivo; mas não pode ser o fator determinante.

Estar no governo e estar no Supremo são coisas de certo modo até antitéticas. Realmente preocupante é a possibilidade de que algum integrante do primeiro escalão do governo federal (também candidato ao STF) tenha por missão entrevistar postulantes à vaga. O conflito de interesses é insuperável e evidente. Que isenção teria esse entrevistador, sendo que ele mesmo deseja o posto vago? Com fica o componente ético? Isso certamente merece maior atenção por parte da imprensa.

Por fim, há a relevante questão do perfil do candidato, requerido pelo Presidente da República no momento da escolha. Até que ponto a personalidade do candidato deve ou pode influir na escolha? Essa é outra questão pouco tratada na literatura jurídica e política brasileiras. Comenta-se que a Presidente da República buscava um candidato com perfil "discreto" em sua última indicação. Esse requisito não está na Constituição, mas também não é proibido. Nada impede que, dentre os possíveis candidatos que preencham os requisitos constitucionais, a Presidente tenha se inclinado por um de perfil mais discreto. Notoriedade profissional não se confunde com popularidade.

É preciso cuidado ao erigir perfis. A qualificação não pode ser determinada por sexo, etnia, religião, origem regional, vinculação a determinada profissão jurídica etc., pois isso é puro preconceito, ainda que dissimulado, e acaba por desqualificar o indicado.

É certo que, salvo algumas exceções, de 1988 até hoje não foram tantos os erros cometidos na indicação de ministros do STF. Mas é preciso cuidado. Indicações de pessoas totalmente desprovidas de reconhecimento no meio jurídico são intoleráveis. O Supremo Tribunal Federal não é local para fazer política pública de cotas, não é lugar para premiar Ministros de Estado, ou altos funcionários do governo, não é lugar para recompensar advogados ou consultores do governo. Não é lugar para contemplar grupos políticos partidários ou para praticar fisiologismo ideológico. Mais do que nunca o Senado deve estar atento para o dever de exercer, com seriedade e eficácia, a competência que a Constituição lhe confere.

O processo de nomeação de ministro do STF foi copiado do modelo norte americano para a nomeação de integrantes da Suprema Corte. Porém, lá, o Senado efetivamente exerce sua função de controle e, por diversas vezes, já rejeitou indicações presidenciais. No Brasil, ao que se sabe, isso somente ocorreu com indicações feitas pelo presidente Marechal Floriano Peixoto, mas como fruto de uma queda de braços entre a presidência e o Senado. Nada impede, e tudo recomenda, que o Senado, diante de cada caso concreto, verifique se o indicado efetivamente preenche os requisitos constitucionais e se afigura como alguém que provavelmente irá exercer suas funções com dignidade, independência e probidade.

É preciso reprovar e reagir a indicações de compadrio.

Possivelmente por isso, há um movimento forte no Senado para aprovar projeto de Resolução de autoria do Senador Roberto Requião, de 16 de Março de 2011 que amplia a participação popular nesse processo (via internet), inclusive e eventualmente com audiência pública na indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal e de outras autoridades. Sem entrar no mérito da propositura, é certo que, aprovada ou não a Resolução, ela desde logo representa um alerta contra a prática atual consistente na automática "homologação" do indicado, precedida de um simulacro de arguição, sem que se verifique a efetiva e concreta qualificação da pessoa indicada, em desrespeito à Constituição e com evidentes prejuízos para a cidadania e a República.

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*Marcelo Figueiredo é advogado do escritório Marcelo Figueiredo Advogados Associados, professor e Diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.

**Adilson Abreu Dallari é advogado, jurista e professor.





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