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A vítima no crime

O desenvolvimento econômico do Brasil e a fortaleza de suas instituições democráticas são verdades incontestes, como sem polêmica a afirmação de que a injustiça campeia pelas cidades e a insegurança pública é o temor de todo brasileiro. Apesar de o Judiciário e a segurança pública constituírem caminho para o verdadeiro exercício da cidadania são segmentos não contemplados com a infra-estrutura mínima adequada para funcionarem.

14/10/2005


A vítima no crime


Antonio Pessoa Cardoso*

O desenvolvimento econômico do Brasil e a fortaleza de suas instituições democráticas são verdades incontestes, como sem polêmica a afirmação de que a injustiça campeia pelas cidades e a insegurança pública é o temor de todo brasileiro. Apesar de o Judiciário e a segurança pública constituírem caminho para o verdadeiro exercício da cidadania são segmentos não contemplados com a infra-estrutura mínima adequada para funcionarem.

A chamada teoria das “Janelas Quebradas”, ou seja, o combate ao pequeno delito, presta-se para diminuir o ilícito penal, conforme demonstrou a experiência do ex-Prefeito Rudolph Giuliani, em Nova York. A tolerância zero para todo tipo de infração ou delito, em contraposição com o “jeitinho” nacional certamente contribuirá para diminuir o mais acentuado problema pelo qual passa o cidadão brasileiro. O referendo marcado para o corrente mês não é fator de combate ao crime, mas atestado induvidoso da ineficiência dos órgãos públicos. É, aliás, excrescência a ser registrada nos anais do desperdício do dinheiro do povo, quando se sabe que o governo federal gastará em torno de 270 milhões de reais com a consulta, enquanto as despesas anuais com a segurança pública não passam de 170 milhões.

O resultado no Brasil é que a Justiça Criminal não dá solução para os crimes de pequeno porte e muito menos para as transgressões mais graves; entretanto, quando o Judiciário julga e condena, a polícia não consegue prender os malfeitores, seja por não dispor de recursos, seja por não ter onde colocá-los. Os processos e os mandados de prisão mofam nos cartórios.

A análise do tema torna-se mais complexa quando se sabe que toda a atenção dispensada pelas autoridades é direcionada para o delinqüente e não se confere a mínima insatisfação intelectual com a vítima, além do pouco interesse na prevenção contra o crime.

Constroem-se delegacias, edificam-se presídios, buscam a mais avançada tecnologia, contratam profissionais da mais variada especialidade sempre para fiscalizar, proteger e punir o criminoso. A vítima ou seus familiares não tem importância alguma na Justiça Penal. A população carcerária cresce a todo momento e já se situa em torno de 550 mil, correspondente as populações das cidades de Florianópolis e Tocantins juntas, implicando no custo anual de quase 4 bilhões de reais; os delinqüentes perigosos reclamam tratamento especial com espaços monumentais e o emprego de técnica apurada. O deslocamento de um destes marginais do presido para o fórum, onde devem ser ouvidos pelo juiz, provoca operação de guerra e desperdícios do dinheiro públicos.

O sistema não separa os marginais que cometem crimes patrimoniais, crimes contra a vida ou crimes contra os costumes, apesar de as estatísticas apontarem o percentual de 90% como sendo de delitos de ordem patrimonial: furtos, roubos, assaltos, estelionatos, receptação, etc. Todos recebem o mesmo tratamento, porque punidos com internamento, por pouco ou por muito tempo, nas acomodações de segurança máxima, ou não, dos presídios espalhados pelos grandes centros urbanos.

Apesar de nossas leis definirem o trabalho do preso como dever social e condição de dignidade humana, não se têm política séria voltada para a área. Tudo é feito aleatoriamente, de conformidade com a experiência e vontade desta ou daquela autoridade pública.

Todos esses esforços destinam-se à punição do delinqüente, mas a vítima é entregue à sua própria sorte, porque sem amparo do sistema que não se ocupa com sua recuperação emocional e material. Os bens que lhe foram surrupiados não voltam mais, porque o Estado não desenvolve qualquer ação imediata de proteção à pessoa que sofreu o ilícito penal. Toda a atenção estará voltada para o delinqüente. O drama da vítima, gerado pelo descaso, contrapõe-se com a atenção ao transgressor, originada pela punição. O descuido destrói a vida do primeiro e o desvelo com este não contribui para sua integração à sociedade.

Reclama-se para o Brasil a Justiça Comunitária já praticada em alguns estados americanos, onde a vítima á a peça prioritária, através de participação ativa da comunidade. No Seminário de Direito Ambiental e Sistema Judicial Norte-Americano, em Portland, Oregon, Estados Unidos, ao qual participamos, tomamos ciência do Tribunal do Circuito de Deschutes, que criou o Departamento de Justiça Comunitária, encarregado de cumprir as recomendações anotadas em resoluções, direcionadas para cuidar da vítima dos ilícitos penais.

Merecem destaques algumas recomendações: disponibilizar um escritório de advocacia para prestar total assistência à vítima; ressarcimento de prejuízos patrimoniais; aconselhamento sobre eventual trauma, a exemplo dos crimes contra os costumes; abrigo temporário; a depender da vontade da vítima, encontro com o delinqüente, no qual são expostas as conseqüências da infração, danos materiais e morais.

Dennis Maloney, um dos membros da Justiça Comunitária daquele Estado, explica:

“O sistema antigo questionava a cada caso de execução legal:

"Qual é a situação do delinqüente? Quais são suas necessidades? Quais serviços são necessários para mudar seu comportamento?" O novo sistema pergunta: "Qual é a situação da vítima? Qual é o grau da sua dificuldade? O que o delinqüente necessita fazer para compensá-la?"

“A mensagem levada à vítima é a seguinte:

"Você é membro importante da nossa comunidade; você foi prejudicado e nossa obrigação é fazer todo o possível para assegurar que se recupere da melhor forma possível. Ficaremos do seu lado até a sensação de segurança voltar."

A aplicação da lei ao delinqüente é assegurada, mas a prioridade maior volta-se para apuração de sua responsabilidade perante a vítima, além da punição consistente na prestação de serviços comunitários. Celebrou-se convênios com entidades filantrópicas e buscou-se a organização “Habitações para a Humanidade”, competindo aos delinqüentes construir casas sob direção desta entidade de nível mundial.

A Justiça Comunitária não reivindica simples extinção dos presídios, mas é certo de que o encarceramento dos marginais não leva a solução alguma para a vítima, nem para a comunidade e muito menos para integração do criminoso ao meio em que vive. Os estudos e as estatísticas não desmentem a afirmação, mas, ao invés, anunciam a contaminação originada das cadeias públicas. Os gastos com os presídios e toda a sua infra-estrutura não diminui a criminalidade. A busca de convênios semelhantes à Justiça Comunitária de Oregon indica-nos caminho mais adequado para salvaguardar os interesses da vítima, do criminoso e da sociedade.

No Brasil falou-se pela primeira vez em Justiça Comunitária no XIII Congresso Mundial de Criminologia, realizado pelo Instituto Jurídico Consulex e pela Sociedade Internacional de Criminologia, em 2003, no Rio de Janeiro. Nessa oportunidade Paulo McCold e Ted Wachtel, do Instituto Internacional por Práticas Restaurativas, afirmaram a necessidade de “uma nova maneira de abordar a justiça penal, que enfoca a reparação dos danos causados às pessoas e relacionamentos, ao invés de punir os transgressores”.

As autoridades públicas ainda não se sensibilizaram com a proteção à vítima do crime; o referendo poderá contribuir ainda mais para desproteção do cidadão brasileiro.
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* Juiz em Salvador






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