O impasse que divide o Supremo gira em torno do conceito de representação política, um dos mais delicados e complexos do direito público. A representação inclui um aspecto objetivo, que é o mandato, a delegação conferida às pessoas que representam o povo e que somente pelo povo poderia ser cassada; isto é, pelo Legislativo.
Cabe ao Judiciário suprimir os direitos políticos dos representantes condenados criminalmente, mas não decretar a perda do mandato dos condenados. A perda do mandato não se segue, automaticamente, da condenação pelo Supremo. De acordo com o princípio da separação de poderes, cabe ao Judiciário comunicar à Câmara a perda dos direitos políticos, entregando ao Legislativo a decisão sobre a perda do mandato. Este foi entendimento da ministra Rosa Weber, esposado pelo ministro revisor e acompanhado por Carmen Lúcia e Dias Toffoli. A palavra final sobre o tema não caberia ao Supremo, e sim à Câmara, aos representantes do povo. Somente este, que elege o parlamentar, é competente para decretar a extinção do seu mandato.
Tem lógica a posição de Rosa Weber e seus pares. Mas somente em termos. Pois, além do aspecto objetivo, consubstanciado no mandato, a representação política conta com seu aspecto subjetivo, que é a relação de confiança estabelecida entre o eleitorado e seus delegados no parlamento. O parlamentar, tanto na Câmara como no Senado, é escolhido como um único entre vários outros, pelo eleitor. Sem o nexo subjetivo da confiança, não há representação política. O conceituado “Dicionário de Política”, da autoria de Bobbio, Matteucci e Pasquino reconhece, expressamente, a representação como “relação de confiança”.
O eleitor vota naquele político que reflete sua maneira de ser e de pensar. Representação política significa afinidade entre mentes e corações. Portanto, é o nexo subjetivo que sustenta, alimenta e define a representação política no seu aspecto objetivo e institucional, o mandato. Por onde se explicam as palavras do relator
Joaquim Barbosa, ao desabafar: “-Causa espécie, desconforto, dizermos ao Congresso Nacional que uma pessoa condenada a 10, 12, 15 anos de prisão possa exercer um mandato parlamentar”.
Em outras palavras: quebrado o nexo de confiança entre mim, eleitor, e o político de minha preferência, subjetivamente, este não mais me representa. O Supremo pode não ter competência para suprimir mandatos suspeitos, mas a extinção dos direitos políticos, só por si, abala o mandato na sua base e na sua substância. Até ser extinto pelo Legislativo (e quem garante?) o mandato fica de pé, mas na mesma condição do elefante que, segundo se diz, permanece imóvel sobre as patas depois de morto, por tempo indefinido.
Esta, a ameaça: termos um Congresso de carcaças vazias, pagas pelo povo.
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista
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