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Hipoteca reversa

Não existe em nosso sistema jurídico tratamento legal para a figura da hipoteca reversa.

26/11/2012

Há no direito europeu e norte-americano uma figura jurídica, ou melhor, um produto financeiro, lastreado em uma clássica garantia real que veio a fomentar o mercado de empréstimos, assim como o sistema financeiro como um todo nos países nos quais encontra-se aludida figura jurídica devidamente prevista e regulamentada.

Mencionado produto, denominado nos países de língua inglesa como “reverse mortgage”, podendo ser traduzido para “hipoteca reversa”, não encontra tratamento legal em nosso sistema jurídico até o presente momento, o que nos levou a estudar o tema a fim de verificar sua viabilidade jurídica e econômica.

Como conceito do instituto, podemos afirmar que consiste a “hipoteca reversa” em uma modalidade de empréstimo, destinado à população idosa, no qual o mutuário fornece como garantia imóvel em que resida ou ao menos do qual seja proprietário, podendo receber os recursos provenientes de diversas formas distintas.

Mencionado negócio jurídico permite ao proprietário-hipotecante receber o pagamento do empréstimo, sem que tenha que quitá-lo em vida ou mesmo se desfazer do imóvel garantidor da dívida, sendo certo ainda que poderá, pelo modelo proposto, utilizar-se do valor proveniente do empréstimo de diversas maneiras como, por exemplo, (i) receber o valor total do empréstimo em montante único, dito à vista; (ii) em pagamentos mensais regulares; (iii) na forma de linha de crédito a ser usufruída pelo proprietário do imóvel e (iv) poderá valer-se da combinação das modalidades anteriores.

Portanto, a “hipoteca reversa” possibilita, a pessoas de idade avançada, converter seu patrimônio imobiliário em renda mensal, sem que, para tanto, tenham que dispor de seu imóvel ou mesmo arcar com eventuais gastos.

No que tange à sua viabilidade e expectativa de adesão, devemos atentar para o fato de que seu público alvo - a população idosa – encontra-se em plena ascensão devido à crescente expectativa de vida da população, principalmente em países nos quais o instituto já se mostra vigente, como Estados Unidos, Inglaterra e Espanha.

Não obstante o crescimento da população idosa seja patente em países desenvolvidos, é hoje também uma realidade no Brasil, razão pela qual devem ser estudadas maneiras de incrementar a qualidade de vida da população nessa faixa etária, principalmente tendo em vista o precário sistema de previdência estatal brasileiro.

Quanto à diferença entre um empréstimo normalmente contratado mediante a constituição de uma hipoteca, e aquele contratado no sistema de “hipoteca reversa”, podemos afirmar que, neste último, apesar de o imóvel encontrar-se vinculado ao empréstimo, na posição de garantia real, seu proprietário não deverá realizar pagamentos regulares para a quitação da dívida contraída, uma vez que o pagamento do empréstimo, tanto principal como os juros, se dará quando do falecimento do mutuário, venda do imóvel hipotecado ou mudança definitiva de endereço por parte do devedor.

Dessa forma, temos que não somente não deverá haver o pagamento mensal por parte do devedor-hipotecante para quitação do empréstimo contraído, como deverá haver o recebimento por parte do tomador do empréstimo de quantia mensal, caso não prefira receber o valor integral de forma única, sendo certo que no caso da primeira opção, o fluxo mensal de renda decorrente da “hipoteca reversa” dependerá de alguns fatores, como a idade e expectativa de vida do proprietário do imóvel.

Por fim, no que pertine especificamente às suas características, pelo modelo por nós proposto, levando-se em conta a configuração do instituto nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, na “hipoteca reversa” deverá haver quatro maneiras distintas de o hipotecante receber os recursos em razão do empréstimo garantido pelo imóvel.

Na primeira opção, poderá o devedor-hipotecante receber o valor em montante único; poderá ainda receber o valor do empréstimo na forma de pagamentos mensais regulares, que poderiam servir como forma de complementação de sua renda, ou quiçá como aposentadoria; na terceira, abrir-se-ia linha de crédito para o proprietário do imóvel, podendo o beneficiário dela utilizar-se quando melhor lhe aprouvesse. Como última modalidade, podemos citar aquela decorrente da combinação das modalidades anteriores, cuja configuração dependerá da conveniência do contratante tomador do empréstimo.

Portanto, nos parece que a “hipoteca reversa”, na condição de produto financeiro visando disponibilizar capital para uma faixa específica da população, lastreada em uma garantia real clássica, certamente encontraria guarida no sistema jurídico pátrio, podendo, sem dúvida alguma, fomentar o mercado de crédito de forma direta, assim como estimular o mercado secundário de crédito, crescente em nosso país, mas de certa forma ainda embrionário quando comparado ao seu amadurecimento em outras realidades jurídicas e econômicas.

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1 As legislações estrangeiras que adotam o instituto da Hipoteca Reversa preveem diferentes idades para sua concessão.

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* André Cordelli Alves é sócio do escritório Ferriani e Jamal Sociedade de Advogados, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

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