Segundo artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal, o ICMS é não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante recolhido nas operações anteriores. Desse modo, como regra uma empresa que seja contribuinte desse imposto tem o direito de se creditar do valor do ICMS constante da nota fiscal relativa à aquisição feita junto ao seu fornecedor.
Porém, segundo o artigo 23 da lei complementar 87/96, esse direito de crédito, para efeito de compensação com débito do Imposto, “está condicionado à idoneidade da documentação”, tendo referido dispositivo o seu fundamento de validade no artigo 155, § 2º, XI, c, da Constituição Federal, segundo o qual “cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto”, e também no artigo 146, III, b, dessa Carta, pelo qual só a lei complementar pode “estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre” “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários”.
Todavia, o Estado de São Paulo ao legislar sobre a situação de créditos de ICMS e seu regime de compensação, o que fez pelo artigo 59, § 1º, do RICMS, fez mais do que lhe era permitido, pois além de exigir a documentação fiscal hábil como condição para o aproveitamento de crédito de ICMS e a sua compensação com o débito do imposto, exigiu também que o fornecedor estivesse em situação regular perante o fisco, entendendo-se como tal, segundo item 4 desse § 1º em comento, o contribuinte que “à data da operação ou prestação, esteja inscrito na repartição fiscal competente, se encontre em atividade no local indicado e possibilite a comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao fisco”.
E em função desse dispositivo e pela interpretação que lhe foi dada pela Fazenda Estadual Paulista, sistematicamente os contribuintes de São Paulo começaram a sofrer autuações em razão da glosa de créditos de ICMS decorrentes de operações mercantis realizadas com fornecedores declarados inidôneos pelo fisco, em razão da cassação de sua inscrição estadual com efeitos retroativos, tanto de acordo com as regras da revogada Portaria CAT nº 19, de 21/03/2001, como da hoje vigente Portaria CAT nº 95, de 24/11/2006, pelo fato de se entender que a declaração de inidoneidade mediante a cassação da inscrição estadual do fornecedor tem efeito meramente declaratório, podendo assim retroagir à data da verificação da inidoneidade.
Essa situação pune sobremaneira a empresa de boa fé que adquire de fato a mercadoria de seu fornecedor, com a emissão de documento fiscal regular, pagando-o normalmente, mas que posteriormente a isto, às vezes anos depois, tem o crédito de ICMS dessa operação glosado, pelo fato de o fisco considerar esse fornecedor inidôneo, após declarar os efeitos dessa cassação a momento anterior à referida aquisição, ainda que quando da operação realizada o fornecedor estivesse ativo e regular perante a Fazenda Estadual, conforme informações cadastrais do Sintegra.
No âmbito administrativo, os contribuintes em geral vinham perdendo a discussão, pois o Tribunal de Impostos e Taxas – TIT não reconhecia essa boa fé como suficiente para considerar legítimo o crédito de ICMS glosado, e a exemplo disso podem ser citados os seguintes processos: DRT05-2331991/2009, DOE 10.04.2010, 1ª Câmara; DRT1-4083831/2009, DOE 13.03.2010; 100031.710271/2009, DOE 23.04.2010; e DRT12-1000296-2175341/2008, DOE 25/04/2009, todos indicados por Adolpho Bergamini em seu livro ICMS (volume I), ed. Fiscosoft, São Paulo:2012.
Mas aí essa questão foi julgada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos em 14/04/2010, envolvendo a legislação do Estado de Minas Gerais, no ponto idêntica à de São Paulo, ocasião em que se decidiu que “o comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação”.
Após essa decisão, o Tribunal de Impostos e Taxas TIT de São Paulo, em sessão de sua Câmara Superior realizada recentemente em 29/05/2012, no julgamento do processo nº DRTCIII-296166-2010, pacificou o entendimento pela possibilidade de se permitir o aproveitamento desse crédito de ICMS relativo à aquisição feita de fornecedor que posteriormente é declarado inidôneo, na mesma linha do que decidido pelo Superior Tribunal de Justiça mesmo, privilegiando assim o contribuinte que age de boa fé.
Desse modo, de ora em diante há a tendência de os autos de infração que foram lavrados pelo fisco estadual no bojo da discussão tratada neste artigo serem cancelados, no âmbito da instância administrativa mesmo, ou ao menos judicialmente, pois embora os juízes de primeira instância não sejam obrigados a seguir essa posição do Superior Tribunal de Justiça, esse entendimento consolidado acaba dando o norte das demais decisões, daí a relevância do instituto do recurso repetitivo pelo qual foi julgada essa questão, até porque se houver divergência, posteriormente esse Tribunal Superior julgará da mesma forma de sua jurisprudência, pacificando a questão.
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* Flavio Augusto Antunes é advogado e sócio do escritório Flavio Antunes, Sociedade de Advogados, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e especialista em Direito Tributário e em Direito Societário pelo CEU-SP
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