Comecei minha sustentação oral perante o STF (Supremo Tribunal Federal) em defesa de Simone Vasconcelos na ação penal 470 (alcunhada de “mensalão”) saudando os ministros e citando logo em seguida “a dupla existência da verdade” do poeta português Fernando Pessoa, assim descrito: “Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro. Mas cada um via uma coisa diferente, e cada um portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”
Muitos dos que assistem ao julgamento histórico, que já dura mais de dois meses, no STF podem estar perplexo como um mesmo fato pode compreender interpretações diversas. Como ministros e ministras da mais alta corte do país podem julgar igual caso com visões avessas.
Realmente, para aqueles que não são versados nas questões jurídicas, tudo pode parecer muito confuso e, até, bizarro. Ocorre que o direito e a norma assim como os fatos compreendem interpretações nem sempre coincidentes. Daí, porque, é preciso que, mesmo discordando sejam respeitadas as decisões daqueles que julgam de acordo com a sua consciência e a livre convicção.
Ataques e ofensas a um ou outro magistrado não condiz com o Estado de direito. As decisões sim podem e devem ser questionadas e refutadas.
É necessário lembrar que em nosso sistema processual penal não há hierarquia entre as provas, ou seja, a prova documental não vale mais que a testemunhal ou vice-versa, caberá ao magistrado avaliar de acordo com o seu livre convencimento, qual ou quais provas fundamentarão sua decisão, seja ela condenatória ou absolutória. Certo é que o juiz togado, diferentemente do jurado (juiz de fato), precisa fundamentar sua decisão conforme determina a Constituição Federal (art. 93, IX). Neste diapasão o Código de Processo Penal prevê que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação....” (art. 155). Assim, o juiz deve motivar sua decisão diante dos meios de provas constantes dos autos, afinal “quod non est in actiis non est in mundo” (o que não está nos autos não está no mundo).
Mas, apesar dos princípios e das normas em toda decisão judicial, gostemos ou não, há certa subjetividade. O juiz como qualquer ser humano carrega as vicissitudes da vida. O julgador, não se pode negar, não está livre das influências que recebe ao longo da sua história. Como bem dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset, “eu sou eu e minha circunstância”.
Contudo, como dizia Guimarães Rosa, “quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado”.
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*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal da PUC/MG
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