O contrato de casamento traça caminho diametralmente oposto. Ele se convalida e se legitima pelo desinteresse de ambos em proveito material. Caso contrário, negócio é. A identidade de sentimento é a sua única moeda de valor. Não se tolera a sujeição.
O casamento genuíno não promete nada e nem exige nada. O amor se encarrega da harmonia, da fidelidade, do respeito. Não há entre nubentes o princípio da adoção que pressupõe a obrigação de prover um o sustento do outro. O estágio final da evolução do Instituto consiste no reconhecimento da absoluta independência entre si dos participantes.
Entretanto, apesar dos avanços, o Estado teima em se meter. Parece que não lhe basta interferir na proteção dos filhos, pressuposto imprescindível e imperativo da ação de poder, mas, igualmente, regular direitos e deveres dos atores das uniões afetivas.
A eventual ascensão econômica de um dos cônjuges resultante do matrimônio deve ser desprezada acaso sobrevenha a ruptura. Isto é, o casamento não pode ser um trampolim para alçar degraus nas classes sociais. Essa situação, entretanto, ocorre e é normal que assim suceda, mas não deve constituir meta de um deles ou pretexto para a manutenção do status em caso de rompimento da relação conjugal. Qualquer uma das partes contraentes precisa estar ciente dessa possibilidade.
Com maior razão, na época atual, em que desapareceu a supremacia de um dos sexos sobre o outro na sociedade para dar lugar à equiparação.
Apesar disso, os conflitos que envolvem dinheiro são observados com solene atenção pelo Poder Judiciário. As pensões são concedidas até que o cônjuge inativo consiga inserção no mercado de trabalho, independentemente de termo.
No passado, a situação beirava o ridículo, mas mesmo assim era admitida face aos costumes da época. A mulher dona e escrava da casa, cozinheira, lavadeira, passadeira e babá, dizia-se “do lar”. A definição, por si só, era suficiente para demonstrar submissão e induvidosa carência a ser tutelada.
Não mais; “o mundo gira e a Lusitana roda”. A mudança mais expressiva ocorrida na sociedade dos países civilizados foi a ocupação tardia da mulher no seu papel de igual importância com o homem, em qualquer aspecto que se queira enxergar.
O Poder Judiciário segue a passo trôpego esse avanço, mas, mesmo assim, avança, embora ainda conceda desastrados benefícios a arrivistas de matrimônios sem escrúpulos e, felizmente, desfeitos.
Por isso, esse tema logo será superado em breve decurso de tempo.
Mudando de assunto, aliás, mudando radicalmente de assunto, mas ainda assim sem fugir inteiramente da matéria antes abordada, face aos idênticos propósitos de ganhos em desalinho com a moral, aqui se deseja atentar para um comportamento, de recente atualidade, o qual vem sendo analisado, sem desassombro, pelos juízes do país, apesar do nojo que causa.
Trata-se dos filhos biológicos, assim confessados pela mãe, em geral adúltera, que logo depois de cientes do fato revelado, descartam o pai afetivo, intuitivamente pobre, e exigem a exumação dos restos mortais do primeiro, intuitivamente rico. Todos encaram normalmente o direito pleiteado, e muitos o consideram justo.
Todavia, a legislação (lei 8.560/92) aponta alternativa para aqueles que buscam trilhar o caminho da retidão de princípios: confere aos filhos maiores o direito de não serem reconhecidos sem o seu consentimento. Nada obstante, quando a intenção é exatamente a contrária, também a lei a acolhe em atenção ao “legítimo interesse” do reconhecimento da paternidade. O “legítimo interesse” é sabido.
Não se tem notícia da existência de filho que reivindique a exumação de pai biológico falido para lhe pagar as dívidas, depois de comprovada a paternidade. Esses filhos que, presumidamente, têm dois pais, na verdade, são filhos de ninguém, são filhos do dinheiro.
Não se percebe revolta, perplexidade ou ao menos desalento nas reações de juristas e magistrados, conquanto a consecução do ato de inumação às avessas para o reconhecimento da paternidade esteja sujeita à adoção de meios considerados “moralmente legítimos” face à disposição legal (artigo 2º-A, da lei 8.560/92).
Os postulantes, depois da surpresa da revelação, resignados, exclamam: “Oh minha mãe, bendita sejas tu que prevaricaste com homem de fortuna”.
Logo em seguida, requerem a exumação do pai recém-descoberto e usam a mortalha do defunto desalojado para esconder, em vão, o rosto rubro pela vergonha.
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* Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva é advogado do escritório Candido de Oliveira – Advogados
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