Noticiou-se que um garoto de 14 anos de idade, na cidade de Ribeirão Preto/SP, imbuído da pueril vontade de surpreender a mãe, tatuou o braço com o nome dela. Inegável que representa uma prova de afeto e carinho. Porém, o gesto foi reprovado e a mãe foi ter na polícia, que elaborou o procedimento investigativo e o Ministério Público denunciou o tatuador pela prática do crime de lesão corporal gravíssima, em razão da deformidade permanente, que prevê a aplicação de uma pena de dois a oito anos.
O fato traz à tona o desconhecimento que as pessoas carregam a respeito da capacidade dos menores de praticar pessoalmente atos da vida civil. No cotidiano, principalmente no comércio, nem sempre são tomadas as cautelas exigidas na legislação civil e o comerciante considera o menor como sendo um consumidor qualquer. Na realidade, a lei define como absolutamente incapaz para exercer os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, que deverão ser representados por pai, mãe, tutor ou curador, dependendo do caso. O ato praticado pelos infantes é totalmente nulo e não produzirá os efeitos desejados. Ao atingir a maioridade, aí sim conquista seus direitos de cidadania. Poderá exercer todos os atos da vida civil e ceder seu corpo como uma tela para pintar ou escrever quantas tatuagens quiser.
A legislação brasileira confere uma tutela diferenciada ao menor absolutamente incapaz, levando-se em consideração a fragilidade natural da idade, para que possa se desenvolver fisicamente de forma sadia e harmoniosa, em condições dignas de existência, contando também com o suporte educacional e espiritual. O Código Civil considera absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos e relativamente incapazes os maiores de dezesseis e menores de 18 anos. O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), considera criança o menor entre 0 e 12 anos e adolescente aquele compreendido entre 12 e 18 anos.
O Código Penal, por sua vez, quando se refere aos crimes contra a dignidade sexual, adotando agora a nomenclatura de vulnerável, condena a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, em razão da presunção de violência. Na verdade, a lei prega olhos cegos e ouvidos moucos quando se trata de circunstância de idade da vítima nos crimes contra a dignidade sexual. Estabelece a delimitação da faixa etária e quem se encontrar em seu círculo recebe a tutela legal, independentemente de não ter uma vida sexual recomendada pela idade. O critério é o da idade e não o da aquiescência do infante.
A lei paulista 9.828/97, ainda em plena vigência, com arrepios de inconstitucionalidade, quebrando todas as regras de hierarquia, proíbe a tatuagem em menores de idade, mesmo com o consentimento dos pais, que poderão, de igual forma, serem responsabilizados junto com o tatuador, se aderirem ao procedimento. Referida lei retira totalmente o poder familiar conferido aos representantes legais que, em hipótese alguma poderão ser condenados quando no exercício de um direito conferido pela lei maior.
Pois bem. No caso acima examinado, a autorização outorgada pelo menor de 14 anos não é válida e sim inexistente e, em consequência, o tatuador será responsabilizado civil e penalmente. Para elidir sua responsabilidade, deveria o profissional solicitar e receber a autorização do responsável legal, independentemente do querer do menor. Daí que sua conduta invade a esfera penal e, uma vez que não ocorreu a autorização legal, o ato passa a ser ilícito, correspondendo a um ato de volição do tatuador, sem qualquer anuência do responsável. Seria, numa explicação bem singela e paradoxal, como se o tatuador praticasse o ato contra a vontade do menor. Não lhe socorre o argumento de que desconhecia a lei, pois como se trata da realização de um ato inerente a uma profissão, a ignorância da lei não o socorre.
Desta forma, juridicamente não há outro caminho a trilhar a não ser o da persecução penal pelo crime de lesão corporal gravíssima, em razão da deformidade permanente, prejuízo estético visível e irreparável pela força regenerativa da natureza e até mesmo quase sempre pela intervenção cirúrgica no corpo da criança, que a carregará definitivamente.
A este respeito, com um encaixe perfeito, o Tribunal de Justiça de Belo Horizonte/MG, no acórdão que teve como relator o des. Kelsen Carneiro, assim decidiu: "A tatuagem constitui forma de lesão corporal, de natureza deformante e permanente. Menores são incapazes juridicamente de consentir no próprio lesionamento, donde absolutamente ineficaz sua manifestação, à revelia dos pais"1.
__________
1 RT 739/665
__________
__________