No Brasil, a legislação exige que os estrangeiros que não possuam bens imóveis no país, ao ajuizarem uma ação judicial, prestem caução, em dinheiro ou em bens, de forma a garantir o reembolso das despesas incorridas no acompanhamento processual (custas processuais, honorários periciais entre outros) pela parte vencedora, bem como para garantir o pagamento dos honorários devidos ao advogado da parte contrária caso a ação seja julgada improcedente. O valor da caução é fixado pelo juiz da causa e normalmente alcança até 20% do valor da ação a ser distribuída.
Nesse sentido, vale a transcrição do dispositivo que prevê tal garantia:
Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que Ihes assegurem o pagamento.
Referida norma por vezes dificulta ou impede o acesso ao Judiciário Brasileiro pelas empresas estrangeiras que além do custo processual e de advogado despendido no ajuizamento precisa estar disposta a arcar com a referida caução antes de iniciar o processo.
Entretanto, a mencionada regra da obrigatoriedade da caução pelos estrangeiros contempla exceções que serão abordadas no presente artigo.
A própria legislação, no art. 836 do Código de Processo Civil elenca hipóteses em que a referida caução será dispensada quais sejam: i) quando a ação a ser proposta é de execução; ii) no caso de reconvenção (pedido contraposto formulado em ação ordinária).
Além das situações supra, a caução não será exigida dos estrangeiros oriundos de países que tenham firmado com o Brasil acordo de cooperação jurídica que expressamente contemple a dispensa de tal garantia. Nesse caso, prevalecerão as disposições do acordo (norma especial) sobre a regra geral da lei brasileira.
Todavia, não basta a mera existência do acordo, sendo imprescindível que este tenha sido incorporado no ordenamento brasileiro pela promulgação mediante decreto.
Alguns países já possuem acordo de cooperação judiciária com o Brasil que expressamente dispensam as empresas e pessoas oriundas de tais países a prestarem caução para ajuizarem ações no Brasil. É o caso dos países que integram o Mercosul, da Bolívia e do Chile (por força do decreto 6891/2009), da Espanha (decreto 166/1991), da Itália (decreto 1476/1995) e da França (decreto 3598/2000).
No tocante aos franceses, a dispensa está prevista no artigo 5º do Acordo de Cooperação em Matéria Civil firmado entre os governos brasileiro e francês, em 28 de maio de 2006, que dispõe:
Aos nacionais de cada um dos dois Estados não pode ser imposto, no território do outro, nem caução nem depósito sob qualquer denominação que seja, em razão da sua qualidade de estrangeiro, ou da ausência de domicílio ou residência no país.
Referido acordo entrou em vigor em 1/10/2000 e foi promulgado pelo Decreto 3598/2000 e, desde então, não pode ser exigido aos franceses (pessoas físicas ou jurídicas) o depósito de caução para o ajuizamento de ações perante o Poder Judiciário Brasileiro.
Mister salientar que muito embora referidos acordos quando promulgados tenham eficácia plena no ordenamento brasileiro são, por vezes, desconhecidos dos operadores do direito e magistrados que, de forma indevida, exigem a caução de estrangeiros legalmente dispensados de prestá-la.
Nesse caso, deverão ser apresentados os recursos cabíveis, inclusive Recurso Especial perante do Superior Tribunal de Justiça, até porque a pacificada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal confere aos tratados e convenções internacionais status de lei ordinária1.
Diante do exposto, conclui-se que a exigência legal para que os estrangeiros prestem caução quando ajuizarem ações no Brasil não se aplica de forma indiscriminada sendo cabível a dispensa quando vigente acordo de cooperação em matéria judiciária, bem como nas hipóteses previstas em lei. Sendo assim, alguns estrangeiros, especialmente os franceses, estão dispensados de prestá-la.
Nesses moldes, se necessário, deverão ser intentadas medidas judiciais com vistas a garantir a plena eficácia dos referidos acordos e a efetiva dispensa da caução.
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1"(...) uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias" (STF, ADI-MC 1480-3, Min. Celso de Mello, DJ de 18/5/2001)
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*Paola Karina Ladeira é advogada do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.
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