Recentemente o CADE regulamentou, por meio da sua Resolução nº 2, de 29 de maio de 2012, a notificação obrigatória dos negócios envolvendo a aquisição de participações societárias. Objeto de discussão entre as autoridades brasileiras de concorrência já há muito tempo, os critérios para a notificação obrigatória de atos de concentração envolvendo essas participações acionárias, adquiridas com o fim precípuo de investimento, contavam, até agora, com apenas dois balizamentos.
O primeiro é a súmula 2 do próprio CADE, que, contudo, tem aplicação restrita. Por esta súmula, a aquisição de participação minoritária por sócio que já detenha participação majoritária não constitui ato de concentração a ser notificado, desde que atendidas algumas condições, como ausência de cláusula de não concorrência em desacordo com a jurisprudência do CADE, ausência de poderes para indicar administradores, para determinar a política comercial ou para vetar qualquer matéria social.
Além deste balizamento da súmula 2, havia apenas a jurisprudência oscilante e não consolidada do Conselho a respeito. Dentro de tão vagos parâmetros para o juízo de notificação, a incerteza jurídica afligia advogados e empresas que, na dúvida, preferiam notificar toda e qualquer operação.
Com o sensível incremento das operações envolvendo investimentos de fundos em títulos e ações de empresas brasileiras, tornou-se urgente dar uma resposta à questão. Foi o que fez o CADE ao editar a mencionada resolução nº2/2012.
Pelos termos dessa resolução, são notificáveis, obrigatoriamente, negócios que envolvam a aquisição de participação societária que, (i) leve ao controle da empresa; (ii)em caso de operação realizada pelo controlador, quando a participação adquirida de pelo menos um vendedor individualmente considerado atinja 20% ou mais do capital social ou votante; e (iii) quando, mesmo não levando ao controle da empresa, levem o adquirente a se tornar o maior investidor individual.
Há ainda duas hipóteses previstas na resolução que, independentemente de ocorrer o controle, prévio ou não por parte do adquirente, determinam a notificação obrigatória. São elas: a) no caso de a empresa investida, não sendo concorrente ou verticalmente relacionada com a adquirente, ter 20% ou mais do seu capital social votante adquirido; b) no caso de a empresa investida, não sendo concorrente ou verticalmente relacionada com a adquirente, sofrer aquisição por parte de quem já seja titular de 20% ou mais do capital da empresa, desde que pelo menos um vendedor considerado individualmente chegue a pelo menos 20% capital votante; c) nos casos em que se verificam relações de concorrência ou de integração vertical entre empresa investida e empresa investidora.
Nesta última hipótese abrem-se mais duas condições para notificação obrigatória. Quando investidora e investida forem concorrentes ou verticalmente relacionadas, a notificação é obrigatória sempre que: 1)a aquisição implicar participação direta ou indireta de 5% ou mais no capital votante ou social; 2) quando, após uma série de aquisições, a última faça atingir a fração de 5% do capital social ou votante, desde que a adquirente já possua pelo menos outros 5% de participação na empresa investida.
Dessas regras estipuladas pelo CADE, podemos concluir que a intenção foi garantir o livre e desimpedido funcionamento do mercado de capitais sem, contudo, deixar em segundo plano o controle de um mercado que se estrutura crescentemente a partir de operações financeiras que escamoteiam a dimensão concorrencial à primeira vista.
Apenas se deve lamentar que essas regras, de composição um tanto tortuosa, não tenham obedecido ao processo legislativo, dado que ultrapassam em muito o poder regulamentar do Conselho ao positivar normas para além do estritamente necessário ao funcionamento interno daquela autarquia, inovando de maneira algo arbitrária nos critérios de notificação obrigatória de atos de concentração, excedendo o mandato legal-constitucional da tutela da concorrência.
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* Ari Marcelo Solon é professor de Filosofia do Direito da USP e FADISP e advogado do escritório França Ribeiro Advocacia
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