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Twitter e a propaganda eleitoral – uma reflexão jurídica detalhada sobre a questão

O TSE não proibiu, nem permitiu o uso do Twitter para campanhas eleitorais. Apenas deu a ele o mesmo tratamento daquilo que acontece fora da rede.

4/6/2012

Em meio à corrida presidencial de 2010, o então deputado federal Antônio Pedro de Siqueira Índio da Costa, escolhido para ser vice da candidatura de José Serra à Presidência da República naquele, postou em seu Twitter quatro mensagens com o seguinte conteúdo:

[...] A responsabilidade é enorme. Mas conto com seu apoio e com o seu voto. Serra presidente: o Brasil pode mais.

[...] Vou dar tudo de mim, vamos para as ruas eleger Serra presidente.

E…] A mobilização aqui na rede fará diferença, conto com você.

E…] Juntos aqui na rede faremos a diferença.

[...] Conto com você!

A mensagem foi lida por mais de 40 mil pessoas, que seguiam o deputado pela rede. Diante de tal fato, o Ministério Público Eleitoral ajuizou a Representação 182524.

O Ministro Henrique Neves, na época juiz auxiliar do TSE, analisou o conteúdo das mensagens. Para ele, as três últimas frases seriam genéricas e poderiam possuir significados diversos. Já a segunda mensagem poderia ser considerada mera "proposta de atuação pessoal". Somente a primeira configuraria propaganda eleitoral. Assim, como a mensagem foi veiculada antes do início do período de propaganda eleitoral (5 de julho), Indio da Costa foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Em março deste ano, o TSE concluiu o julgamento do recurso desta decisão e entendeu que ela deveria ser mantida. Votaram pelo reconhecimento da propaganda antecipada os Ministros: Aldir Passarinho Junior (relator), Marcelo Ribeiro, Ricardo Lewandowski e Arnaldo Versiani. Por sua vez, manifestarem-se contrários à manutenção da condenação a Ministra Carmém Lúcia (agora Presidente do TSE) e os Ministros Antônio Dias Tóffoli e Gilson Dipp. O apertado resultado do julgamento não é sem motivos. Compreendamos melhor a questão.

A doutrina eleitoralista costuma dizer que "propaganda eleitoral" é espécie do gênero "propaganda política". Esta, por sua vez, seria dividida em: I. Propaganda partidária (divulgação de ideias do Partido com o fim de cooptar novos integrantes); II. Propaganda Intrapartidária (a realizada por um integrante do Partido, para convencer seus correligionários de que ele é o melhor nome para disputar a eleição) e;III. Propaganda eleitoral (quando partidos e candidatos divulgam propostas, projetos, com a intenção de captar votos para as eleições).

Como ocorre com toda e qualquer manifestação de pensamento, embora não seja possível o controle prévio, também na seara eleitoral é possível a aplicação de sanções àquele que descumpre os limites previstos em lei para o exercício de sua liberdade.

Assim, durante a realização de propaganda eleitoral pode-se ficar sujeito a condenações por danos morais, à condenação criminal por calúnia, difamação ou injúria e a sanções eleitorais. A existência de sanções, por si só, não macula o direito à liberdade de expressão, desde que não haja controle prévio (esse, sim, vedado), como reiteradamente tem afirmado o STF e o TSE.

Na seara eleitoral, além destas limitações inerentes a toda e qualquer manifestação, há vedação legal de caráter temporal para a propaganda eleitoral, de modo que esta somente pode ser feita após o dia 5 de julho do ano das eleições (art. 36 da lei 9.504/97).

Eis então os dois dilemas sobre os quais se deparou o TSE: (i) saber se o conteúdo das mensagens veiculadas pelo deputado Índio da Costa configuraria propaganda eleitoral; (ii) saber se o fato de elas terem sido veiculadas pelo Twitter influenciaria na configuração da propaganda.

A primeira pergunta não ensejou tantas dúvidas já que a primeira frase tuitada amolda-se à jurisprudência da Corte. Para o TSE, configura-se a propaganda eleitoral quando se leva ao "conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que somente postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou as razões que levem a inferir que o beneficiário seja o mais apto para a função pública" (Representação 1.406/10, DJe de 10.05.2010). No caso, houve expresso pedido de voto a candidato determinado.

A grande questão do julgamento foi, então, saber se o Twitter permitiria levar a propaganda ao conhecimento geral ou se apenas seria um “bate-papo” entre amigos, um cochicho, como disseram os votos vencidos.

A Ministra Carmém Lúcia, como sempre com muita lucidez, deixou bem claro que não se pode chegar ao ponto de se impedir que amigos, familiares e cidadãos discutam, entre si, quem é aquele, que, no seu entender, seria o melhor representante popular. Para ela e para os demais votos vencidos, o Twitter permite a relação entre pessoas que, por vontade própria, querem se relacionar entre si, não alterando, assim, aquilo que acontece entre pessoas próximas no mundo real.

Os ministros que votaram pela aplicação da penalidade, por sua vez, apontaram que seria de bom alvitre que o Legislador acabasse com o prazo para início da propaganda, mas que, enquanto o prazo existisse, a reprimenda deveria ser aplicada.

Em meio à um intenso debate, merece destaque o argumento do Ministro Arnaldo Versiani. Para ele, a se permitir a propaganda política pelo Twitter, pessoas famosas, que tem milhares de seguidores, que se candidatarem a cargos políticos terão privilégios frente aos menos famosos e pouco seguidos.

De fato, por mais que ninguém seja obrigado a se cadastrar no Twitter, ele permite algo que na vida real (não virtual) seria inimaginável: falar com uma infinidade de pessoas ao mesmo tempo.

No mundo não virtual, para se falar com 40 mil pessoas, numa mesa de bar (exemplo dos votos vencidos), não há opção: será preciso um palanque, um microfone e boas caixas de som. E, se houver pedido de voto, quem dirá que isso não é um comício?

Se, por problemas operacionais para se reunir seus 40 mil amigos, um candidato resolver-lhes mandar uma carta, alguém terá dúvidas de se tratar de propaganda eleitoral antecipada?

O mundo virtual existe, mas nem por isso o mundo real deixa de existir.

O TSE não proibiu, nem permitiu o uso do Twitter para campanhas eleitorais. Apenas deu a ele o mesmo tratamento daquilo que acontece fora da rede.

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* Flávio Cheim Jorge é advogado do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues – Advogados Associados

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