Entretanto, a crise de 2008 abalou seriamente o setor da construção civil e a falta de crédito, decorrente da quebra do Lehman Brothers, acarretou a falta de recursos suficientes para a produção das unidades que já haviam sido vendidas. Outrossim, o mercado cresceu desordenadamente: o boom do crédito imobiliário seguido do aumento do poder de compra dos brasileiros chocou-se não só com a falta de serviços e profissionais suficientemente qualificados para atender a toda essa demanda, mas também com as falhas de planejamento e gestão por parte de algumas construtoras.
As falhas de planejamento e gestão são explicadas de duas maneiras. Em primeiro lugar, a construção de imóveis para a baixa renda, que a princípio era aposta de um mercado promissor, provou-se o contrário. Duas das maiores construtoras brasileiras, com piores resultados, foram justamente aquelas que investiram na baixa renda com maior agressividade. Em segundo lugar, as grandes do setor fizeram parcerias que se mostraram desastrosas com construtoras locais para crescer fora da Região Sudeste. Outra grande construtora, citada em reportagem da Revista Exame, terceirizou 80% de suas obras, executadas por 11 parceiros regionais, mas não obteve sucesso.
Em meio a esse cenário negativo, os salários mais que dobraram nos últimos quatro anos devido à falta de mão-de-obra qualificada, quando comparada ao aumento no número de empreendimentos. Somado a isso, há o aumento nos preços do material de construção, que fez o índice de preços da construção civil aumentar 34 % nos últimos quatro anos, quase 30 % mais que a inflação ao consumidor. Os gastos crescerem progressivamente.
Ou seja, todo o frenesi que parecia justificado acabou em muita dor de cabeça, desconfiança e insegurança tanto para as construtoras e incorporadoras como também para os consumidores que sonhavam em adquirir um imóvel próprio, mas que agora amargam atrasos infindáveis no recebimento das chaves.
Em 2011, ano que pode ser considerado o pior da história recente do setor, os reflexos desse cenário impactaram em boa parte das companhias. Foi uma grande construtora que apresentou, segundo a Revista Exame, o maior prejuízo entre as S.A brasileiras, quase um bilhão de reais. Já as demais gigantes do setor viram seu resultado encolher em relação ao ano anterior. Ademais, as ações de construção civil foram o destaque negativo absoluto da Bovespa — o valor de mercado das 17 empresas do setor caiu 39%.
A queda é resultado de um movimento brusco inédito no desempenho operacional das construtoras, que têm, hoje, as piores margens de lucro desde 2007. Além do lucro reduzido, as construtoras viram seu nível de endividamento passar de 29%, em 2008, para 68%, em 2011, conforme notícia da Revista Exame. No final do ano passado, as ações da quarta maior construtora do país entraram numa espiral negativa por consequência dos maus resultados.
Com a rentabilidade menor, dívidas numerosas e com diversas obras atrasadas, algumas empresas estão deixando seus clientes assustados e, sobretudo, preocupados com a possibilidade de um fiasco como aquele da falência da Encol, que deixou 42.000 clientes na mão em 1999.
No mês passado, construtora mineira de renome, que está há 42 anos no mercado, requereu a recuperação judicial alegando crise no mercado imobiliário. A construtora possui uma dívida de R$ 67,5 milhões. Cabe ressaltar que a construtora não pode paralisar nenhuma obra, uma vez que a manutenção das obras é uma das condições da recuperação judicial.
Já outra grande construtora mineira iniciou em 2012 o processo de Reengenharia Administrativa para a reestruturação de seus processos, com o objetivo de reduzir os custos e os inúmeros atrasos na entrega de empreendimentos, que tem dado prejuízo a elevadíssimo número de consumidores.
Apesar da atual valorização dos imóveis em que, por exemplo, no Rio de Janeiro, o valor do metro quadrado aumentou 155% em três anos e em outras capitais, como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife, experimentam euforia semelhante, algumas construtoras não conseguem sair dessa situação de crise uma vez que o ganho com a valorização dos imóveis tem sido insuficiente para compensar a alta nas despesas: a rentabilidade das construtoras listadas na Bovespa caiu 44% no ano passado.
Como já se viu, uma das saídas que tem sido encontradas, é o requerimento da recuperação judicial. Com essa medida, as construtoras tem conseguido alongar os prazos de pagamentos de créditos de fornecedores de materiais e alguns créditos bancários, que não contém garantia real, o que lhes tem garantido a folga necessária para tentar equalizar suas contas.
As construtoras, assim como qualquer empresa, que se utilizarem do instituto da recuperação judicial, não devem se esquecer de que empréstimos bancários com garantia (por ex. a alienação fiduciária) ou os contratos de leasing não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, exceto quanto a suspensão dos processos pelo prazo de seis meses.
Se para algumas construtoras e para os acionistas a situação não está nada fácil, para os consumidores está ainda pior. Segundo dados da Revista Exame, calcula-se que mais de 800.000 famílias estejam vivendo o maior drama para quem compra um imóvel na planta: o atraso na entrega das chaves. O número de reclamações por atraso nunca foi tão grande.
Os consumidores, incluindo famílias e recém-casados que sonham com um apartamento próprio, sofrem com a demora e com os atrasos na entrega das chaves. Muitas construtoras continuam, entretanto, lançando novos projetos e novas obras, agindo com negligência e irresponsabilidade perante o consumidor.
A estes consumidores resta trilhar o caminho, muitas vezes lento e penoso, do judiciário, ingressando com ação para cobrança de danos materiais (principalmente, se não quiser rescindir o contrato, receber os aluguéis pagos em outros imóveis durante o período de atraso na entrega do imóvel adquirido ou, se quiser rescindir, receber a multa contratual que já tem caráter compensatório), morais (em decorrência do sofrimento tido com o atraso na entrega do imóvel, inclusive frustração ou adiamento de sonhos) e cominação de multa diária pelo atraso na entrega do mesmo imóvel.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que "a multa moratória aplicada à apelante, tem como finalidade, em caso de inadimplemento, preestabelecer os valores devidos a título de perdas e danos calculados. A autora, em que pese ter quitado o contrato firmado com a ré, esta, não honrou com sua obrigação ao não entregar o imóvel à compradora, por isso, deverá restituir as parcelas pagas, a título de aluguel, em sua integralidade. Não houve na sentença cumulação de penalização por inadimplência da Construtora, pois a restituição a que foi condenada é o reembolso das parcelas pagas pela autora, a título de aluguel, uma vez que não teve seu imóvel liberado. A inércia da Construtora em resolver o problema do comprador, levando o consumidor a passar por momentos de angústias e incertezas, geram o dever de indenizar. O montante da indenização, por danos morais, deve ser suficiente para compensar o dano e a injustiça que a vítima sofreu, proporcionando-lhe uma vantagem, com a qual poderá atenuar parcialmente seu sofrimento, sem constituir, contudo, fonte de enriquecimento sem causa. vvp O descumprimento contratual referente ao atraso na entrega de imóvel não gera dano moral in re ipsa. A configuração do dano moral requer a demonstração de repercussão do fato na esfera íntima do indivíduo, acarretando lesão aos atributos da personalidade, ou seja, ao patrimônio imaterial da pessoa". (Processo 1.0024.09.651779-2/001(1) Relator Des. Tibúrcio Marques, in DJ 30/9/10?
Outra complicação pela qual o consumidor se depara, muitas vezes, é a cobrança indevida de juros sobre as parcelas pagas antes da entrega das chaves, já que não se trata de qualquer relação de empréstimo de capital ou inadimplemento. Há, na realidade, segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator no REsp 670.117, apenas "uma verdadeira antecipação de pagamento, parcial e gradual, pelo comprador, para um imóvel cuja entrega foi contratualmente diferida no tempo". Essa prática é rechaçada, também, pelo CDC, que considera nulas as cláusulas de contrato tidas por abusivas, em seu art. 51, inciso IV. E, por fim, é reforçada pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que editou a Portaria 03/2001, prevendo, no item <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="14, a">14, a abusividade da cláusula "que estabeleça, no contrato de venda e compra de imóvel, a incidência de juros antes da entrega das chaves".
Apesar de todo esse pessimismo, há sinais de que alguns empresários do setor de construção civil têm mudado a estratégia e os planos de gestão. Com o objetivo de gerar caixa, muitas empresas fazem plano de diminuir de tamanho ou ficar onde estão, buscando um crescimento sustentado, de forma que possam lançar menos empreendimentos, finalizar e entregar as obras em atraso e encerrar parcerias regionais pouco lucrativas.
Porém, enquanto isso, resta ao consumidor acionar o judiciário para buscar seus direitos e garantias, por ora já bastante lesados. Às construtoras, logicamente considerando o caso concreto, a recuperação judicial não é a pior saída.
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*Igor de Souza Mercêdo Moreira e Ivan de Souza Mercêdo Moreira são advogados do escritório Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados.
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