"Não há pecado abaixo da linha do Equador"
Caspar Barleus (1584-1648)
Ainda que maior número de expressões houvesse, seriam incapazes de traduzir o grau de putrefação que contamina a vida nacional, na triste confirmação da contundente frase do historiador batavo. É lamentável, mas não há como ignorar que, não obstante certa dose de podridão seja constante nas páginas da humanidade, nunca antes (neste País...) havia alcançado a plenitude a que foi levada entre nós. É como se, de tempos em tempos, a criminalidade ganhasse forças, para testar a eficácia da polícia, do Ministério Público, do Poder Judiciário.
Oito séculos antes de Cristo, o profeta se lamentava: "No país inteiro não há uma só pessoa honesta.... Autoridades exigem dinheiro por fora, e juízes recebem presentes para torcer a justiça" (Mq. 7/2-3). À época do Brasil Colônia, em sermão dedicado a Santo Antonio, pregado em 1657, o Padre Antonio Vieira apontava a depravação dominante entre o povo. Para ilustrar a peroração, acusava o jesuíta: "Grande sabor é o do alheio, até para o gosto e paladar daqueles que o trazem costumado aos mais esquisitos manjares". Em seguida, narrava: "Pôs-se uma vez à mesa el-rei D. João III, e trazia grande fastio. Entre os fidalgos que o assistiam, um muito conhecido, por discreto. Disse-lhe el-rei: Que remédio me dais, D. Fulano, para comer, que de nenhuma coisa gosto? Coma Vossa Alteza do alheio, como eu faço, e verá como lhe sabe bem".
É do que ficamos pasmos, na época presente. Notórios delinquentes fartam-se do alheio roubado, por ser gratuito, saboroso, e se sentirem confiantes. É assustador o silêncio de pessoas convocadas para se apresentarem perante Comissão Parlamentar de Inquérito. Indiferentes a fatos comprovados em volumes de documentos, e horas gravadas pela Polícia Federal, comportam-se de maneira audaciosa, como se nada houvesse acontecido. Crentes de que, com o passar do tempo, prevalecerá o esquecimento, livres e tranquilos aguardarão pela absolvição.
Saqueada por farsantes habituados a viver e se refestelar com o alheio, à Nação pretende acreditar que haverá punição dos culpados. Está aí o famigerado caso do mensalão. Ocuparam a presidência do STF, desde a denúncia formulada pelo Procurador Geral da República, os ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, e César Peluso. Dentro de seis meses aposentar-se-á, e deixará o Tribunal, o Presidente Ayres Brito. No mesmo período o Supremo conheceu outras alterações. Ignora-se, todavia, decorrido tanto tempo, quando o rumoroso feito será levado à pauta, pois ainda se discute como será a sessão.
Não se trata de obrigar eminentes ministros a julgar, com a faca no pescoço, como teria sido dito com o óbvio propósito de protelação. Diante de matéria de relevante interesse nacional, espera-se do Poder Judiciário que não seja lento, nem quede em silêncio, alheio à opinião pública. A ocasião é oportuna para desmentir-se o ditado popular, segundo o qual cadeia é para pobre, preto, e prostituta.
O envolvimento do sr. Carlinhos Cachoeira com senador da república, e membros dos poderes Executivo e Legislativo, em volumosos negócios que cobram explicação, e do ocupante de cargo de confiança da Prefeitura de São Paulo, proprietário de cento e tantos imóveis, apontado por se locupletar com a emissão de alvarás de construção, reforçam a necessidade de enérgicas medidas do Ministério Público, e de respostas do Judiciário.
Não há punhal dirigido à jugular de ninguém. O que existe é necessidade de respeito à justiça, cuja imagem granítica, fincada à frente do STF, traz na mão esquerda a balança, como símbolo de imparcialidade e, com a destra, empunha espada, garantidora das decisões. Estou seguro de que contraria o projeto de vida, do Ministro Ayres Brito, concluir a impoluta carreira sem antes presidir o julgamento dos réus do mensalão. De uma forma ou de outra, para o bem ou para o mal, os protagonistas entrarão para a história.
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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
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