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A eficácia da assinatura digital perante o Tribunal Cidadão: apontamentos necessários

O articulista faz diversos apontamentos sobre a eficácia da assinatura digital na Corte Superior.

28/5/2012

O STJ possui entendimento já relativamente consolidado, traduzido, em linhas gerais, no precedente abaixo transcrito (entre outros: AgRg no REsp 1164423/MG, AgRg no Resp 1107598/PR), no sentido de considerar como inexistente a peça processual acaso verificada diferença entre o titular do certificado utilizado para assinar digitalmente a petição e o nome do advogado indicado no corpo dessa mesma petição. Verbis:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. FALTA DE IDENTIDADE ENTRE O ADVOGADO TITULAR DO CERTIFICADO DIGITAL E O ADVOGADO INDICADO COMO AUTOR DA PETIÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA LEI 11.419/2006 E DA RESOLUÇÃO 1/2010 DO STJ. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DA MULTA PREVISTA NO ART. 557, § 2º DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. A assinatura eletrônica destina-se à identificação inequívoca do signatário do documento, de forma que, inexistindo identidade entre o titular do certificado digital utilizado para assinar o documento e o nome do advogado indicado como autor da petição, deve a peça ser tida como inexistente, haja vista o descumprimento do disposto nos arts. 1º, § 2º, III e 18, ambos da lei 11.419/2006 e dos arts. 18, § 1º e 21, I, da Resolução STJ 1, de 10 de fevereiro de 2010. Precedentes.

(...)

(EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1386081/SP EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2011/0021532-6 Relator (a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 12/4/2012)

As razões para o Tribunal esposar tal entendimento podem ser traduzidas em um silogismo até certo ponto de razoável compreensão: a) a assinatura eletrônica - que ocorre mediante a utilização do certificado digital - identifica o signatário, conforme expressa determinação legal (lei 11.419/06); b) logo, não pode haver discrepância entre a identificação realizada pelo sistema e a feita pelo postulante, no corpo da peça; c), porém, caso o certificado digital seja de um advogado e a indicação na petição seja de outro, tal fato acarreta (ria) a inexistência do recurso (rectius: ineficácia para fins processuais), haja vista que "... residem dúvidas quanto ao signatário do documento, não merecendo este a chancela de ser elevado a condição de original." (AgRg no Ag 1246828DPI, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJRS), TERCEIRA TURMA, julgado em 19D10D2010, DJe 03D12D2010).

Bom, a sincera dificuldade que possuo em compreender esse posicionamento do STJ reside no fato de o Tribunal deliberadamente conferir validade jurídica à simples indicação de um nome na petição que adentra em seu protocolo. Mas não apenas, pois justamente essa pseudo-validade possuiria o condão de desconstituir uma outra validade, essa íntegra, agora advinda da certificação digital, conferida por lei e regulamentos pertinentes, conforme expressamente consignado na decisão acima transcrita (Lei 11.419/2006, Resolução STJ 1/10 e, acrescento eu, a MP 2.200-2/01).

A lei 11.419/06 instituiu, em seu artigo 1º, o conceito de assinatura eletrônica como gênero do qual a assinatura digital é uma das suas espécies. Assim, será digital a assinatura se houver a utilização de certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil; por outro lado, será eletrônica (stricto sensu) caso a identificação do usuário seja feita de outra forma, tal qual login e senha, por exemplo. Porém, essa última forma de identificação não vem merecendo acolhida no dia a dia dos nossos Tribunais, a exemplo do STJ, que fixou, para o recebimento de petições eletrônicas, exclusivamente a utilização do certificado ICP-Brasil (Res. STJ 01/10, art. 18, §1º)

A respeito da eficácia e aplicabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira aos mais diversos ramos da vida do cidadão - inclusive, por certo, ao Judiciário - remeto o leitor a outro artigo de minha lavra, onde considerações estruturais são tecidas a respeito do tema ("ICP-Brasil oferece segurança e redução de custos", publicado em 2011). Por ora, me restrinjo a analisar acerca do motivo bastante, para fins de identificação no protocolo virtual, da autenticidade efetuada pelo certificado ICP-Brasil, independente do nome do advogado que conste no corpo da petição.

Nesses termos, fixe-se desde logo que a validade da manifestação de vontade advém não de qualquer indicação do nome da pessoa, cuja assinatura é colocada logo acima, mas apenas da assinatura dessa pessoa, independente da existência, ou não, de um nome por extenso abaixo. Tudo conforme expressa previsão do Código Civil (Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações (...). Assim, a indicação do nome é completamente desnecessária para a prova das obrigações, pois o marco para tal é a assinatura aposta no documento, apenas.

Tanto assim o é que se o documento ¨C in casu, o recurso ¨C não tiver qualquer menção do nome do advogado no seu corpo, não será considerado apócrifo, justamente porque a presunção de autenticidade advirá da utilização da assinatura digital. Por consequência, e considerando que a mera indicação do nome ¨C sem qualquer assinatura do emitente ¨C não carreia ao documento a presunção de autoria requisitada pelo sistema jurídico, não há qualquer motivo plausível para considerá-lo como inexistente.

Em outras palavras, significa dizer que qualquer indicação acerca do nome do advogado deve ser desconsiderada, seja ela correta, errônea ou mesmo inexistente, vez que não possui validade jurídica alguma, haja vista o Código Civil ter consignado a necessária assinatura, e não a simples aposição do nome no documento, para eficacizar a manifestação de vontade. E, em meio virtual, a assinatura eletrônica é a única forma segura, com respaldo normativo, para conferir autenticidade e integridade ao documento digital.

Eventual colidência entre o titular do certificado e a pessoa indicada no ato processual não gera qualquer dúvida em relação ao signatário do documento, pois se considera unicamente aquele que tenha o certificado emitido em seu nome, conforme expressa previsão trazida pela MP 2.200-2, art. 1º, quando instituiu a ICP-Brasil para garantir a autenticidade, integridade e validade jurídica dos documentos emitidos em forma originariamente eletrônica.

Logo, justamente pelo protocolo virtual necessitar de instrumentos virtuais (permitam-me a redundância) para conferir segurança à informação prestada, apenas a forma de assinatura prevista na lei do processo judicial eletrônico deve ser considerada para a correta identificação do seu titular. E a referida lei, diga-se de passagem, não faz qualquer menção a uma possível análise do corpo da petição para que a autoria do documento seja atestada.

Desde Francisco Cavalcanti a validade é restrita ao momento de produção do ato jurídico (Tratado de Direito Privado, Tomo IV, p. 16), produção essa que, sob o ponto de vista processual, é o momento em que a petição adentra na Secretaria do Tribunal, ainda que virtual. Esse é o marco considerado para a análise da tempestividade recursal, devendo, por conseguinte, ser também o prestigiado para a identificação do titular da petição.

Assim, por tudo o que até aqui foi dito, se o titular do certificado é aquele que se reputa o autor intelectual da peça protocolizada, é ele quem deve possuir procuração ad judicia (voluntária ou legal) em seu nome, sob pena de incidir a previsão contida na súmula STJ 115: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.”

A conferência, para fins de existência do recurso interposto, deve ser feita única e exclusivamente pelo titular do certificado, desconsiderando-se qualquer outra menção no corpo da peça, mesmo porque a validade é um conceito formal e não material.

Questão mais interessante, a meu ver, sob o ponto de vista da lógica jurídica, reside na possível existência de petição digitalizada com a assinatura manuscrita de determinado advogado (veja-se que agora não há apenas menção ao nome, mas também a sua assinatura) e o protocolo com o certificado digital em nome de outro. Nessa hipótese, ambas as assinaturas possuem validade jurídica: a digital, pelos motivos acima elencados; a digitalizada, pela expressa previsão do Código de Processo Civil, que confere validade às reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos advogados (CPC, art. 365, inc. VI). De lege lata, aliás, é a única lei atualmente em vigor que se refere pontualmente acerca da digitalização de documentos.

Nesse exemplo, como as duas assinaturas possuem presunção de validade, a análise de sua eficácia deve ser feita em nome de ambos os advogados. Ou seja, o recurso somente poderá ser conhecido se aquele que assinou manualmente a petição e o que a protocolizou forem procuradores ad judicia.

Caso apenas um deles possua procuração, ante a equivalência de presunções das duas assinaturas, a petição não merecerá acolhida no Tribunal, pois, aqui sim, não haverá a certeza necessária que o recurso tenha cumprido um de seus requisitos extrínsecos de admissibilidade: a regularidade formal.

Acho importante consignar, finalmente, que nos estertores da publicação desse ensaio, o próprio Superior Tribunal (REsp 1208207-RN, Min. Massami Uyeda), após voto-vista do Min. Sanseverino admitiu recurso em que a petição foi assinada manualmente por um advogado e digitalmente por outro. Sem dúvida nenhuma, tal decisão representa um grande avanço na análise da matéria e deve servir como um guia para futuras decisões sobre o tema, apesar de, tecnicamente, não concordar com a fundamentação dada ao caso concreto, pois adotada uma tese mais pragmática (no sentido que o processo eletrônico deva facilitar, e não obstaculizar o acesso ao judiciário), quando, na verdade, espero ter demonstrado que existem diversos argumentos de índole exclusivamente jurídica para a defesa dessa posição.

Porém, houve apenas uma (numeral, e não artigo) decisão que pode levar à superação parcial dos precedentes (tecnicamente chamada de overriding) acima colacionados, mesmo porque não abrange o outro caso no qual apenas o nome do advogado é indicado na peça recursal. Portanto, sugere-se, humildemente, a completa superação (overruling) do entendimento então existente no STJ, de modo que a análise da eficácia do recurso seja feita apenas por aqueles que possuem validade jurídica em sua manifestação, mormente no que se refere aos detentores de certificados digitais ICP-Brasil.

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*André Pinto Garcia é procurador chefe na Procuradoria Federal Especializada - PFE.





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