Até 31/12/2010 não havia, no Brasil, um diploma legislativo específico que dispusesse expressamente sobre o regime de tratamento das informações positivas junto aos cadastros de proteção ao crédito.
Essa lacuna legislativa fez com que predominasse, até então, um sistema de concessão de crédito que se baseava - geralmente - na consulta às informações negativas, referentes a compromissos não pagos pelos consumidores.
Assim, a dinâmica de avaliação do perfil cadastral-creditício do consumidor era binária: ou o consumidor apresentava-se como inadimplente (em virtude dos apontamentos de débito), ou apresentava-se sem quaisquer informações de inadimplência constantes a seu respeito.
Dessa forma, o consumidor adimplente, cumpridor de seus compromissos, não tinha condições satisfatórias de usufruir dessa circunstância - de bom pagador - para, por exemplo, conseguir condições de crédito que lhe fossem mais benéficas, tais como juros menores, taxas diferenciadas, prazos de pagamento mais adequados etc.
E os concedentes de crédito, por sua vez, não podiam conhecer o quão bom pagador o consumidor era e qual o seu grau de endividamento. Exceção feita às instituições financeiras, que, por meio do cadastro do Banco Central denominado de SCR – Serviço de Informações de Crédito –, acessavam as informações positivas, as quais não são disponibilizadas para os outros players do mercado.
Equivocada, em nosso sentir, essa sistemática que era praticada. Injustamente os consumidores bons pagadores acabavam pagando juros na média do mercado. Ora, se eram bons pagadores, seus riscos creditícios (de tornarem-se inadimplentes) eram menores, e, assim, mereciam, evidentemente, juros abaixo da média.
Com a publicação, em 31/12/2010, da Medida Provisória nº 518/10, a qual foi convertida na lei ordinária 12.414/11 - publicada em 10/06/11 -, o sistema legal brasileiro passou a dispor de um diploma que permite, expressamente, o registro de informações positivas junto aos órgãos de proteção ao crédito, relacionadas ao histórico de pagamentos e de compromissos assumidos pelo consumidor, viabilizando-se assim o que se denomina de cadastro positivo.
Nos termos do art. 2º, inciso VII da lei 12.414/11, as informações passíveis de registro no cadastro positivo são representadas pelo "conjunto de dados financeiros e de pagamentos relativos às operações de crédito e obrigações de pagamento adimplidas ou em andamento por pessoa natural ou jurídica."
São exemplos de informações positivas, passíveis de serem registradas perante os cadastros de proteção ao crédito: pagamentos efetuados, empréstimos ou financiamentos contratados, valores envolvidos, prazos de pagamento pactuados, número e valor das parcelas, saldo a pagar, garantias contratuais celebradas etc.
A lei 12.414/11, ao permitir o cadastramento dessas informações de histórico de crédito, manteve-se em sintonia com o princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º da CF/88, pois permite que os consumidores cadastrados, nas suas relações creditícias, tenham condições de serem tratados desigualmente, na exata medida das suas desigualdades. Em termos práticos: o consumidor inadimplente e endividado é, evidentemente, diferente do consumidor adimplente e com baixo/nenhum grau de endividamento. Se diferentes são, podem ser tratados diferentemente.
Com a possibilidade de cadastramento de informações positivas, os consumidores com históricos de crédito mais favoráveis podem, portanto, diferenciar-se, usufruindo dessa circunstância comportamental, pois têm condições de serem avaliados também de acordo com suas informações positivas de habitualidade de pagamento e de cumprimento pontual de seus compromissos.
O Cadastro Positivo, é bom ressaltar, auxilia o consumidor a prevenir-se do superendividamento e ajuda a evitar a concessão inadequada de crédito (aliás, uma das principais causas da crise da economia norte-americana). Pode-se dizer que a lei 12.414/11 equiparou o Brasil às principais economias desenvolvidas, as quais há tempos adotam a metodologia de cadastramento de informações negativas e positivas.
A partir do momento em que os cadastros de proteção ao crédito podem ostentar não apenas as informações negativas, os concedentes de crédito passam então a ter, à sua disposição, informações mais completas e pertinentes, portanto em melhores condições de mensurar o risco de crédito, especialmente de inadimplência.
Participar ou não do Cadastro Positivo é uma escolha que cabe exclusivamente ao consumidor, o qual tem o direito de, livre e conscientemente, decidir o que melhor se aplica para sua situação. Deve-se elogiar, nesse aspecto, a opção do legislador que, no caput do art. 4º da lei 12.414/11, permitiu ao consumidor essa opção de autorizar – ou não – o cadastramento de suas informações positivas junto aos gestores dos cadastros de proteção ao crédito.
A título de comparação, em relação às informações negativas a lei não atribui, ao consumidor inadimplente, a possibilidade de optar por participar ou não do cadastro negativo, tendo em vista a sobreposição do interesse social - de proteção ao crédito - em relação ao interesse individual dos consumidores cadastrados como inadimplentes. Assim, o registro da inadimplência é efetuado independentemente da vontade e do desejo do consumidor (obviamente respeitando-se os requisitos legais previstos basicamente no art. 43 do CDC).
Nesse aspecto - em que é facultado ao consumidor o direito de optar por participar ou não do Cadastro Positivo -, vislumbra-se respeito à intimidade, à dignidade e à igualdade dos consumidores. Pode-se concluir, portanto, que o Cadastro Positivo está em sintonia com o disposto na CF/88 em seus artigos 1º, inciso III, e art. 5º, caput e inciso X, bem como se mantém alinhado às proteções legais destinadas aos direitos da personalidade dos consumidores, constantes dos artigos 11 a 21 do Código Civil.
Importante lembrar que as informações positivas somente poderão ser consultadas (a) pelo próprio consumidor interessado; (b) pelas instituições legalmente autorizadas (tais como o Poder Judiciário e o Ministério Público), e (c) pelos clientes-consulentes do gestor do órgão de proteção ao crédito. Aliás, estes últimos apenas poderão consultar as informações positivas desde que especificamente para fins de concessão de crédito ou para realização de venda a prazo ou outras transações comerciais e empresariais que impliquem risco financeiro, em respeito ao disposto no art. 7º da lei 12.414/11.
Ou seja, as informações constantes do cadastro positivo somente poderão ser acessadas nas situações em que o consumidor mantenha ou pretenda manter relação comercial ou creditícia, conforme previsto no art. 15 da lei 12.414/11.
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* Fernando Sacco Neto é superintendente Jurídico da Boa Vista Serviços S/A.