Ao tratar do assunto num jornal, o Ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, asseverou: “Comecemos pelo óbvio: preso é gente. E gente precisa de alimento, educação e trabalho. No Brasil, porém, a realidade às vezes consegue revogar até axiomas. Aqui, os presídios não são casas correcionais socializadoras, mas depósitos de seres humanos que, lá chegando, se transformam em coisas – pelo menos aos olhos apáticos da maioria – e como tal são amiúde tratados. Essa constatação vem sendo escancarada diariamente ao País, desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pôs em execução o Programa dos Mutirões Carcerários”.
Em que pese todo o respeito que Sua Excelência merece, trata-se, sem dúvida, de uma afirmação exagerada e de supervalorização do papel do CNJ no cenário nacional, especialmente para a magistratura de carreira, que há décadas convive com um sistema prisional falido e sem condições de cumprir suas mais comezinhas finalidades. Como reconhece o próprio Conselho Nacional de Justiça, as irregularidades no sistema de encarceramento do Brasil “não podem ser imputadas a apenas um órgão, mas a todos que compõem o sistema de justiça criminal, por ação ou por omissão”.
Por óbvio, não se pode negar que dentre esses responsáveis está o Poder Judiciário, notadamente porque não se estruturou adequadamente para fazer frente a um número cada vez maior de feitos criminais, decorrência lógica de uma sociedade cada dia mais excludente e do consequente recrudescimento da violência. Não raro, benefícios não são concedidos ou o são após muito tempo, mesmo tendo o preso preenchido as condições para tanto. Também não são incomuns prisões provisórias com excesso de prazo na formação da culpa, ou mesmo sem os requisitos das custódias cautelares.
Em que pese essa parcela de culpa da qual o Poder Judiciário não pode e não deve se eximir, não se pode perder de vista que o principal problema do sistema prisional brasileiro é, sem dúvida, a falta de investimentos na construção e manutenção de estabelecimentos penais. Tanto assim que, no aludido texto, o Min. Gilmar Mendes também afirmou que “o total gasto pela União no ano passado para construção de presídios é insuficiente e não atinge sequer 3% dos recursos essenciais para a criação dessas vagas”.
Daí porque defendo, dentre outras medidas, a realização dos chamados mutirões carcerários. Mas não com sua atual configuração, na qual se considera a soltura de presos como uma das soluções para o problema da superlotação no sistema prisional. E nem poderia ter outro entendimento, pois, repita-se, o Judiciário tem significativa parcela de responsabilidade pela falência do sistema. Apesar disso, soltar ou deixar de prender quem quer que seja só porque o sistema “está falido e é indigno” representa desrespeito com as pessoas de bem que se comportam nos limites da lei. Cada um que assuma os riscos e as consequências dos seus atos.
O que não se pode admitir é que, na tentativa de redimir o Judiciário de seus “pecados”, sejam-lhe cobradas e impostas atribuições que nem de longe são suas, como a abertura de novas vagas para presos, principalmente se o que se busca, com isso, é tentar melhorar a imagem da instituição perante a opinião pública, imagem esta já tão desgastada por conta de suas outras e inúmeras mazelas, como a morosidade, por exemplo.
O Poder Judiciário deve, sim, respeito à opinião pública. Todavia, isso não pode implicar em decidir com o propósito de agradar a sociedade - ou parte dela -, muitas vezes ávida por escândalo e pela apresentação de culpados, sem qualquer preocupação com o linchamento público de um inocente. Como bem alerta Paulo Machado Cordeiro, “o que se almeja é que o juiz procure convencer a sociedade do acerto de sua decisão, mas nem sempre a melhor decisão é a que está em consonância com aquela que é esperada pela maioria ou pela imprensa, mas a que está de acordo com as provas dos autos, analisada sob o fundamento da lei”
Por fim, não excede consignar: 1) prisão resolve, sim; 2.1) se no Brasil a cadeia ainda não consegue reeducar e ressocializar, pelo menos mantém longe da sociedade gente que em nada contribui para um mundo melhor; 2) O CNJ, tão afeto a relatórios e números, bem que poderia divulgar quantos ministros, desembargadores e juízes têm ex-detentos como empregados ou servidores, especialmente quantos mantêm egressos trabalhando junto às suas família; 3) mesmo quando o Chefe do Poder Judiciário assume temporariamente o Governo, construir e manter presídios e delegacias continua sendo obrigação do Poder Executivo.
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* Mário Márcio de Almeida Sousa é juiz de Direito no Maranhão
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