Com sua permanente descontração de espírito, Ayres Britto exercita um tipo de humor não só simpático e jovial, como repassado de sabedoria, por exemplo, ao dizer que se “o direito é palavra masculina, a justiça é feminina”, observação sagaz para insinuar o equilíbrio que deve existir entre o rigor viril da lei e sua aplicação na ordem concreta, questão de nuance, arte por excelência feminina.
Ayres Britto gosta de brincar com as palavras, de fazer trocadilhos e descobrir achados verbais surpreendentes. É sua veia filológica que se manifesta ao lado de sua preocupação com o direito. Historicamente, os mais destacados cultores do direito são obcecados pelo cuidado com a língua. Sabem que a redação da lei tem que ser nítida e clara ao máximo, sem dar lugar a nenhuma dúvida. A lei mal escrita nasce morta e compromete pela base a segurança jurídica, sem a qual o direito seria supérfluo.
No mundo clássico, o grande Marco Túlio Cícero, político, orador, filósofo e jurista, nunca ignorou que o conteúdo da lei está sempre associado, em detalhe, à letra da lei. E que o menor desvio desta compromete a lei por inteiro.
Entre nós temos Ruy Barbosa, jurista, político, diplomata, escritor e filólogo, preocupado severamente com a associação entre o direito e a palavra, a palavra correta, certa e insubstituível para traduzir o conteúdo da lei. Ficou famosa sua polêmica com o filólogo baiano Carneiro Ribeiro em defesa do projeto do Código Civil, documentada num texto de mais de 200 páginas e editado sob o título “A Réplica”.
Em suma, as sutilezas jurídicas se perderiam se não encontrassem nos juristas a preocupação com o manejo sutil da língua, “a casta correção do escrever”. Ayres Britto prossegue, com humor descontraído e brincalhão (sinal de inteligência superior) nessa linha clássica.
Brincando, brincando com a palavra, ensina que no direito não se brinca com as palavras.
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado
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